Política de Bolsonaro garante que desmatamento ilegal siga impune
Foto: Vinicius Mendonza/Ibama via AP
Por HRW
(São Paulo) – Desde outubro de 2019, as multas por desmatamento ilegal na Amazônia do Brasil foram na prática suspensas sob um decreto do presidente Jair Bolsonaro, afirmou hoje a Human Rights Watch.
Agentes do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) aplicaram milhares de multas por desmatamento ilegal e outras infrações ambientais, na Amazônia e em outras partes do Brasil, desde outubro. No entanto, os novos procedimentos adotados pelo Ministério do Meio Ambiente a partir daquele mês, com base em um decreto do presidente Jair Bolsonaro de abril do ano passado, paralisaram praticamente todos os processos administrativos, e em não mais do que em cinco casos foi imposta aos infratores a obrigação de pagar multa, de acordo com informações oficiais obtidas pela Human Rights Watch.
“Os agentes ambientais têm trabalhado com afinco – frequentemente expondo-se a riscos consideráveis – para fazer cumprir o Estado de direito e as leis ambientais do Brasil, mas veem seus esforços sabotados pelo governo Bolsonaro”, disse Maria Laura Canineu, diretora da Human Rights Watch no Brasil. “As violentas redes criminosas que destroem a floresta amazônica e o direito dos brasileiros a um meio ambiente saudável não serão dissuadidas por multas que, na prática, não precisam pagar”.
Os alertas em tempo real do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) mostram um aumento de 53% na área desmatada na região amazônica entre outubro de 2019 e abril de 2020, comparado com os alertas no mesmo período de 2019.
O governo de Bolsonaro deveria deixar de proteger membros de redes criminosas envolvidas no desmatamento ilegal das sanções por infrações ambientais do Brasil, e parar de enfraquecer a proteção do direito a um meio ambiente saudável, disse a Human Rights Watch.
A suspensão efetiva de multas é uma das várias medidas que o governo Bolsonaro adotou para enfraquecer a aplicação das leis ambientais e a proteção do meio ambiente. O governo também exonerou funcionários do IBAMA em aparente retaliação por uma operação bem-sucedida contra mineração e desmatamento ilegais na Amazônia.
Em outubro, o governo de Bolsonaro iniciou novos procedimentos estabelecendo que as multas ambientais devem ser revistas em audiências de conciliação. Nessas audiências um núcleo de conciliação ambiental pode oferecer descontos ou declarar nulo o auto de infração. O Ministério do Meio Ambiente estabeleceu a suspensão dos prazos para pagar essas multas até que a audiência de conciliação seja realizada.
Apenas cinco dessas audiências foram realizadas em todo o país desde 8 de outubro, quando o procedimento entrou em vigor, segundo informações do IBAMA à Human Rights Watch. Isso significa que, na prática, estão suspensas milhares de multas contra aqueles que destroem o meio ambiente. Segundo reportagem do The Intercept, as multas emitidas apenas entre janeiro e meados de abril já somariam R$ 412mi. De acordo com a legislação brasileira, as multas prescrevem após cinco anos no âmbito do procedimento administrativo e, em certas circunstâncias, em três anos. Após esse período, os infratores não precisam mais pagá-las.
Antes de outubro, quando os fiscais do IBAMA flagravam uma violação à lei ambiental, eles emitiam uma multa no local para pagamento imediato. A grande maioria dos infratores não fazia o pagamento, mas apresentava recursos protelatórios para conseguir a prescrição da multa, disse um servidor do órgão à Human Rights Watch. Ele pediu para não ser identificado por medo de retaliação de seus superiores.
O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, introduziu as audiências de conciliação como uma forma de tornar os autos de infrações ambientais mais eficientes. Porém, na prática, a mudança está atrasando ainda mais os procedimentos administrativos e prejudicando a já limitada capacidade da agência ambiental de fazer a cobrança das multas e impedir crimes ambientais. Os agentes do IBAMA continuam a emitir multas por desmatamento, garimpo ilegal, e outros crimes ambientais, mas, em vez de emitirem a multa para pagamento imediato, eles notificam os infratores sobre uma audiência que pode nunca ocorrer.
Enquanto aguardam as audiências, os infratores não têm obrigação de pagar a multa. Pelo contrário, se quiserem renunciar à conciliação e quitar a multa, devem solicitar expressamente ao órgão a emissão de um boleto para pagamento. Mas os infratores têm pouco incentivo para fazê-lo, pois sabem que na audiência podem garantir descontos de até 60 por cento, conforme estabelecido no decreto do governo Bolsonaro.
De outubro ao começo de janeiro, o IBAMA não realizou audiências de conciliação, informou à Human Rights Watch. De janeiro a 28 de abril, realizou apenas cinco. Desde então, a agência suspendeu as audiências por prazo indeterminado, citando a pandemia de Covid-19, embora as audiências possam ser realizadas por meio eletrônico. Desde outubro, os agentes do IBAMA emitiram milhares de multas, embora o número exato não seja conhecido porque o banco de dados público não está atualizado, como afirmou o próprio IBAMA à Human Rights Watch.
A política de audiências de conciliação é uma das várias medidas adotadas pelo governo Bolsonaro que enfraqueceram a capacidade do Brasil de fazer cumprir suas leis ambientais. Entre as medidas está também uma medida provisória, convertida em projeto de lei, para conceder uma anistia para pessoas que ocupam terras ilegalmente para criar gado ou plantações, e um outro projeto de lei para abrir territórios indígenas à exploração comercial. Desde que Bolsonaro assumiu o cargo, ele tem criticado os órgãos de proteção ambiental do próprio governo, os quais ele chama de "indústrias da multa", e prometeu acabar com sua "farra" de multas por crimes ambientais.
Em 7 de maio, Bolsonaro editou um decreto atribuindo às Forças Armadas a competência de coordenar órgãos e entidades públicas federais de proteção ambiental durante operações para combater o desmatamento e incêndios na Amazônia, sem garantir ou deixar claro como os agentes de fiscalização terão autonomia, ferramentas e recursos suficientes para cumprir sua missão com segurança e eficácia.
Em abril, o ministro Ricardo Salles demitiu o diretor de fiscalização ambiental do IBAMA depois que um programa de televisão divulgou uma reportagem sobre uma operação em larga escala contra o garimpo e o desmatamento ilegal em terras indígenas no estado do Pará. Em uma carta, 16 agentes do IBAMA disseram temer que dois coordenadores de fiscalização, que são servidores de carreira, também fossem removidos em retaliação pela operação. Mesmo depois que a carta veio a público, o governo exonerou esses dois agentes, sem qualquer justificativa. O Ministério Público Federal está investigando essas decisões.
Com suas medidas contrárias ao meio ambiente, o governo de Bolsonaro permite que redes criminosas intensifiquem tanto o desmatamento ilegal na Amazônia quanto as ameaças e violência contra aqueles que se colocam em seu caminho, incluindo agentes do IBAMA, indígenas, pequenos agricultores e outros, como documentado pela Human Rights Watch e outras organizações.
Essas medidas vão contra as obrigações internacionais de direitos humanos do Brasil e contra sua própria Constituição, que reconhece o direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado. O sistema interamericano de direitos humanos, cujas decisões são vinculantes para o Brasil, sustentou que as obrigações dos Estados de garantir um meio ambiente saudável exigem proteção aos componentes do meio ambiente, como as florestas, os rios e os mares.
De acordo com padrões internacionais, o governo deve agir contra danos ambientais, o que inclui a adoção de medidas para estabelecer, manter e garantir o cumprimento de marcos jurídicos e institucionais eficazes para garantir um meio ambiente seguro, limpo, saudável e sustentável. As políticas do governo Bolsonaro desrespeitam essas obrigações.
"Os agentes ambientais do Brasil se veem cada vez mais ameaçados pelos dois lados – pelas redes criminosas que enfrentam no campo e pelo próprio governo", disse Maria Laura. "Eles temem que, ao fazerem seu trabalho corretamente, possam perdê-lo."