COMISSÃO PASTORAL DA TERRA

 

Devido à notícia publicada pelo Governo do Estado do Maranhão, que trata da redução dos conflitos "fundiários e agrários" registrados no estado, a Comissão Pastoral da Terra - Regional Maranhão divulga nota de esclarecimento em que contesta o teor e os dados da publicação. A nota se refere, a exemplo, da reintegração de posse que ocorreu com a Comunidade Cajueiro, considerada, segundo os dados do estado, um conflito finalizado.

COMISSÃO PASTORAL DA TERRA – REGIONAL MARANHÃO

NOTA DE ESCLARECIMENTO

A COMISSÃO PASTORAL DA TERRA – CPT MA vem a público apresentar esclarecimentos quanto a notícia publicada na tarde do último dia 07.04 no site oficial do Governo do Estado, cujo título afirma: "MARANHÃO REDUZ PELA METADE O NÚMERO DE CONFLITOS FUNDIÁRIOS E AGRÁRIOS COM A COECV" (matéria disponível no link: https://www.ma.gov.br/agenciadenoticias/?p=274392. Acesso em 08.04.2020, às 8h).

A matéria apresenta dados de um relatório de atividades administrativas da Comissão

Estadual de Combate à Violência no Campo e na Cidade (COECV), instância de mediação de conflitos fundiários, coordenada pela Secretaria de Estado de Direitos Humanos e Participação Popular (SEDIHPOP).

OS CONFLITOS FUNDIÁRIOS NO MARANHÃO NÃO FORAM REDUZIDOS PELA METADE.

Permanece grave a realidade dos povos que vivem a terra como canto e alimento terno.

De acordo com levantamento constante no relatório Conflitos no Campo Brasil, da CPT (anualmente publicado desde 1985), o Maranhão apresentou em 2018, 196 casos de conflitos no campo, sendo o primeiro lugar do país nesse terrível indicador. O Pará, com 114, ficou em segundo lugar. Os dados referentes a 2019 devem ser publicados ainda neste mês de abril.

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Conforme a matéria, foram encaminhadas pelo Comando Geral da PMMA à COECV, em seus 5 anos de funcionamento (2015-2020), cerca de 645 decisões judiciais (liminares ou sentenças) requisitando força policial para cumprimento de despejos, individuais ou coletivos, em todo o MA.

O “Gráfico 3” na matéria citada apresenta a distribuição dessas 645 decisões pelos anos de início dos processos judiciais de onde elas provêm. Trata-se de um recorte: decisões de despejo ainda vigentes, concedidas em processos judiciais iniciados de 1990 a 2019, mas pendentes de cumprimento, e que, por isso, chegaram à COECV.

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São números preocupantes, mas que não indicam o total de conflitos fundiários ocorridos no período. Não há sequer o que comemorar com os números anuais mais baixos apresentados no gráfico (menor quantidade nos anos anteriores a 2011 e posteriores a 2017), pois expressam algo grave: muitas decisões de despejo já tinham sido cumpridas antes da instalação da COECV, outras ainda serão concedidas, mesmo em processos judiciais iniciados antes de 2020.

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A verdade é que o número de conflitos fundiários nesse intervalo de quase três décadas é alto. Conforme dados dos Cadernos de Conflitos da CPT, de 1990 a 2018 foram 2.539 conflitos no campo ocorridos no Estado do Maranhão. Se houvesse a contabilização dos conflitos fundiários em áreas urbanas, esse número poderia duplicar.

Portanto, o que está sendo chamado de “redução de conflitos fundiários” na matéria do governo estadual é na realidade a redução dos casos que estavam sob apreciação da comissão de mediação. É uma atuação importante da COECV, mas não se pode confundir os dados.

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A conclusão da fase de mediação nem sempre é positiva, podendo até resultar na realização de despejos forçados contra coletividades. A violenta reintegração de posse ocorrida no Cajueiro (São Luís), em agosto de 2019, foi um dos 645 casos que tramitaram na COECV. Ele consta naquela comissão como caso concluído, por cumprimento da decisão. Mas a eliminação de uma coletividade não pode ser contabilizada como "redução de conflitos fundiários". O “fim do conflito” foi a destruição da comunidade afetada.

É inaceitável que a realidade trágica que se abate cotidianamente sobre milhares de camponeses, quilombolas, indígenas, quebradeiras de coco babaçu, ribeirinhos, pescadores, seja subdimensionada com a apresentação de dados administrativos voltada para ocultar a dimensão real do sofrimento humano.

As comunidades no Maranhão continuam violentadas, pelos despejos forçados, intimidações, ameaças de morte e assassinatos por encomenda.

Essa continua sendo a terrível realidade.

São Luís, 09 de abril de 2020

Comissão Pastoral da Terra

Regional Maranhão

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