Em coletiva oficial do Sínodo na tarde de ontem (09), bispo do Xingu percorreu a dimensão social da fé e o compromisso de ser “denúncia” diante toda forma de violência.
Texto e imagens por Guilherme Cavalli / Assessoria de Comunicação do Cimi
Vaticano – O Sínodo da Amazônia tem extrapolado o campo religioso e trazido, além do tema pastoral, outros três eixos: cultural, ecológica e social. E isso mostra a capilaridade e o profetismo da Igreja, segundo Erwin Krauter. Em coletiva de imprensa na tarde de ontem (09), o bispo emérito do Xingu percorreu de Aristóteles, celibato, povos indígenas até novas tecnologias, sempre com humorada postura.
“Dizem que sou político, mas eu rezo muito. Rezo e me empenho em favor do meu povo. Quer ver meu terço?” perguntou em sorrisos o religioso membro do Conselho Sinodal para a Amazônia. “As dimensões do ser humano não estão em uma gaveta separadas”, ponderou o bispo ao referir-se que “fé e justiça social” andam juntas. “Além do terço, eu tenho as vésperas no meu celular. Nele e nos aplicativos eu carrego tudo”, sorriu ao dizer que é um homem que reza.
“A igreja sempre foi política. Agora precisamos entender o que significa política: é a arte do bem comum”.
Em grego, o bispo austríaco naturalizado brasileiro citou “A Política” de Aristóteles para direcionar sua conclusão: “somos políticos até quando nos calamos”, pontuou aos jornalistas presentes na sala Stampa, no Vaticano. “Nascemos políticos, mas a política que fazemos não é a partidária. É a política que emana do Evangelho. Jesus era homem político”, ressaltou. “Eu me empenho em a favor do meu povo. Estou vendo mulheres chorando, crianças abandonadas, homens que não sabem como será o futuro”, ressaltou ao sustentar que fé e obra são dimensões conjuntas.
“Nós, enquanto Igreja, conhecemos muito mais a realidade do que os políticos que estão em Brasília ou em qualquer outro canto”, advertiram ao falava sobre a capilaridade da Igreja como instrumento para a defesa dos direitos. “Somos nós que estamos sempre no chão concreto desses acontecimentos e é por isso que a Igreja tem que falar, que denunciar”, sustentou ao responder sobre a importância da atuação junto as comunidades tradicionais.
“Lembro do Conselho Indigenista Missionário, um exemplo de trabalho da Igreja para assegurar os direitos indígenas na Constituição Federal do Brasil”, contestou ao ser questionado sobre o que fez a Igreja para a defesa das populações indígenas. Dom Erwin anotou que os tempos vividos pelos povos no Brasil e na América Latina exigem ainda mais presença e cuidado. “Agora existe uma forte campanha anti indígena no Brasil dos políticos, inclusive do Governo”.
“Somos nós que estamos sempre no chão concreto desses acontecimentos e é por isso que a Igreja tem que falar, que denunciar”.
Ao trazer a realidade brasileira para a mesa, Krauter lembrou do “dia do fogo”. “O mundo inteiro viu o fogo ateado criminosamente em nossa Amazônia. Contudo, agora ninguém mais fala das consequências. O Sínodo tem a função de continuar dando visibilidade a realidade dos povos”, esclareceu ao indicar o motivo da reunião ocorrer em Roma e não em “Manaus ou Belem”, lembrou.
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O instrumento de trabalho do Sínodo sublinhou as “ameaçada pelos grandes interesses econômicos que se alastram sobre diferentes regiões do território” como propulsores de uma economia de morte, que promove a “intensificação do desmatamento indiscriminado na selva, a contaminação dos rios”. Dom Erwin na coletiva com jornalistas seguiu o que denuncia há mais de 50 anos e que está em sintonia com o documento. “Os indígenas são vistos como o estorvo, como um impedimento para o tal progresso. Os indígenas têm a sua própria cultura, sua maneira de ser e a Igreja faz a opção pelos pobres mas também pelos outros, pelos diferentes. Essa opção nos sustentamos”.
Para Krauter, a Igreja em Saída proposta por Francisco de Roma se faz missão e coloca em evidência os desafios da Amazônia e a presença da Igreja nesses territórios, reafirmando a opção preferencial pelos pobres. “A Igreja está cada vez mais convicta que deve se colocar ao lado dos pobres e em defesa de suas vidas. Estar ao lado, caminhar junto, não os ter como objeto de caridade”.
Dom Erwin citou o Concílio Vaticano II, com o documento Gaudium et Spes, para trazer a opção da Igreja de caminhar junto aos povos, fazer da Igreja as “esperança e tristezas” das pessoas, principalmente dos pobres. “E se a Igreja não denunciar, quem falará serão as pedras”, sustentou o bispo ao responde a jornalista francês quando questionado sobre Sínodo “debater temas de que vão além dos eclesiais”. O que pontua Dom Erwin também diz respeito aos ataques recebidos por bispos e membros do Sínodo da Amazônia, acusados pelas alas conservadoras da Igreja e da direita partidária.
Uma vida no Xingu
Saído do norte da Alemanha em um navio cargueiro, desembarcou em São Luís do Maranhão e de lá foi até Belém e então à Altamira. Contudo, sua opção pelos povos indígenas era anterior a chegada no Brasil em 1965, logo após sua ordenação como padre. Através de um familiar que trabalhava na região amazônica, Dom Erwin recebia fotos e cartas que contavam a realidade de ribeirinhos e indígenas. Desde o contato por carta, o bispo fez a opção pelos povos indígenas. Em 1982, Dom Erwin acolheu a irmã Dorothy Stang e juntos trabalharam pelas causas da floresta e daqueles que nela habitam. De 1983 a 1991, Dom Erwin foi Presidente do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e na mesma época passou a sofrer ameaças de morte.
Na coletiva de ontem, a exposição do bispo iniciou sobre o que viveu de perto: a construção do “monstro que desolou o Xingu”. “Belo Monte alterou a vida do povo da região e não foi para melhor. Não precisamos mais desse tipo de mega projetos”.
Os indigenas são vistos como o estorvo, como um impedimento para o tal progresso. Os índios tem a sua própria cultura, sua maneira de ser e a Igreja faz a opção pelos pobres mas também pelos outros, pelos diferentes. Essa opção nos sustentamos.