Nos próximos cinco meses, representantes de grupos quilombolas de todo o Brasil participarão de 10 encontros, dois nacionais e oito regionais, para debater as implicações relacionadas à proposta do Ministério do Meio Ambiente (MMA) para a gestão ambiental e territorial dos espaços que ocupam em mais de seis mil comunidades espalhadas por todo o Brasil. A 1ª Oficina Nacional sobre Gestão Territorial e Ambiental e sua Interface com as Mudanças Climáticas para Comunidades Quilombolas ocorreu nos dias 23 e 24 de janeiro, em Brasília.
(Fonte: Luciene de Assis/MMA | Fotos: Gilberto Soares/MMA).
Participaram do evento lideranças locais e nacionais desses povos, além de técnicos e consultores do MMA, Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), Associação de Quilombos para Cooperação Negra Anastácia, Instituto Socioambiental (ISA) e Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud).
“Os territórios quilombolas, no Brasil, têm mais de 200 anos de existência e ocupam áreas muito ricas em biodiversidade, patrimônio genético, ambiental e cultural. Precisamos consolidar ações e iniciativas de conservação para essas áreas”, justifica a secretária de Extrativismo e Desenvolvimento Rural Sustentável do Ministério, Juliana Simões. A proposta da pasta, apoiada pelas instituições parceiras, segundo Juliana, “é abrir o diálogo com os representantes dessas comunidades sobre uma gestão ambiental e territorial que leve em conta a conservação do meio ambiente”.
Integração
A ideia é inserir as questões relacionadas à gestão ambiental e territorial na estratégia de governo chamada Programa Brasil Quilombola. “O MMA apoia essas comunidades para que a diversidade biológica, ambiental e cultural seja preservada”, reforça Juliana Simões. “Essas localidades estão inseridas em um plano maior, que visa alcançar as metas de conservação da biodiversidade propostas pela Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB)”, explica o coordenador de Gestão de Conflitos e Interfaces Territoriais do ICMBio, Marcelo Cavallini.
Falando em nome do quilombo Divino Espírito Santo, localizado no município capixaba de São Mateus, Kátia Penha revela suas expectativas sobre os resultados das oficinas: “Os próximos cinco meses são de preparação e mobilização, e esperamos nivelar as informações sobre gestão ambiental e territorial para que os povos dos quilombos entendam o que é esse processo”. Kátia, que representa também a Associação Negra Anastácia, lembra da importância de se tratar do tema da gestão para além da regularização dos territórios: “Precisamos traçar novos rumos para exigir que as políticas públicas cheguem às nossas comunidades, onde faltam escolas, segurança, assistência à saúde”.
Conflitos
As disputas pela posse das terras onde estão os quilombos ainda geram muitos conflitos, reclamam as lideranças. Maria Bernadete Pacífico Moreira, do quilombo Pitanga dos Palmares, na região de Simões Filho, Bahia, conta que perdeu um dos filhos numa dessas confusões. O Pitanga do Palmares abriga 857 famílias, numa área de 1,5 mil hectares, objeto da cobiça de fazendeiros, diz ela. “Queremos que essas conversas resultem em ações voltadas para nossas comunidades, que melhorem nossa segurança, acabem com os conflitos e garantam nossos direitos”, espera Maria Bernadete.
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Quilombolas enfrentam dificuldades para garantir seu direito ao território
Problemas semelhantes enfrentam os moradores de 12 comunidades do quilombo Bom Jardim, no município de Santarém, no Pará. “Os títulos das nossas terras ainda estão nas mãos dos fazendeiros plantadores de soja”, conta Dileudo Guimarães dos Santos, representante da Federação das Organizações Quilombolas de Santarém. “Eles querem construir um porto para exportar soja bem na embocadura do rio Maicá, e isso vai causar grande impacto ambiental. Esse igarapé banha nossas comunidades e é dele que tiramos nosso sustento”, esclarece Dileudo dos Santos.
Desafios
Para o representante da Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos, Jhonny Martins de Jesus, integrante do povoado de Salinas, no Piauí, “o programa de gestão proposto pelo MMA vem se somar às nossas expectativas, traz boas possibilidades para as comunidades e nos permite mostrar para o Estado que os quilombolas sabem conservar e fazer gestão ambiental e territorial”.
A partir de 27 de fevereiro até 5 de maio deste ano, o ISA e a Associação Negra Anastácia estão responsáveis pela preparação das oito oficinas regionais, a serem realizadas nos quilombos Frechal (Maranhão), Ribeirão Grande (São Paulo), Estivas (Pernambuco), Pitanga dos Palmares (Bahia), Santarém (Pará), Paiol de Telha (Paraná), Brejo dos Crioulos (Minas Gerais) e Mesquita (Goiás).
O encerramento das atividades será em Brasília, no encontro nacional, nos dias 24 e 25 de maio. “Temos um grande desafio pela frente, uma oportunidade para os territórios estreitarem essa parceria, buscando fortalecer políticas e estratégias que contemplem as aspirações dos povos dos quilombos”, esclarece Adriana Ramos, coordenadora do ISA.