COMISSÃO PASTORAL DA TERRA

 

A 17ª edição do Festival internacional de Cinema e Vídeo Ambiental, Fica 2015, ocorreu entre os dias 11 e 16 de agosto, na Cidade de Goiás (GO). Entre as produções premiadas estão o média-metragem francês “Transgenic Wars”, do diretor Paul Moreira, eleito o melhor filme do Fica 2015. O documentário “O Veneno está na mesa 2”, de Silvio Tendler, recebeu o Troféu Carmo Bernardes, como o melhor longa da competição.

 

(Fonte: Fica)

A entrega dos troféus aos filmes premiados na 17ª edição do Festival internacional de Cinema e Vídeo Ambiental, Fica 2015, ocorreu neste domingo, último dia do Festival, às 17h no Cinemão do Colégio Sant’Ana. A Secretária de Educação, Cultura e Esporte (Seduce), Raquel Teixeira, foi quem entregou o troféu ao média-metragem francês Transgenic Wars, do diretor Paul Moreira, eleito o melhor filme pelo júri da Mostra Competitiva do Fica 2015. 

O filme aborda domínio da agricultura mundial pelos alimentos transgênicos. A produção foi da Dinamarca à Argentina e apontou efeitos da alimentação de animais de abate com transgênicos para trazer à tona a discussão sobre o crescimento desenfreado desta prática e suas consequências.

O documentário O Veneno está na mesa 2, de Silvio Tendler, recebeu o Troféu Carmo Bernardes, como o melhor longa da competição, pela perspicaz associação entre o meio ambiente, saúde e economia, propondo alternativas ao modelo hegemônico na agropecuária brasileira.

Abusos e violência no uso de agrotóxicos no Brasil

Além de exibição de filmes em mostras e competições, o Fica é um importante espaço de debates sobre o meio ambiente por meio do Fórum Ambiental. O tema do encontro da quinta-feira, 13, foi o uso indiscriminado de agrotóxicos nas lavouras e o prejuízo que eles trazem à saúde.

Com o tema: ‘Meio Ambiente, alimentação saudável e agrotóxicos’, o Fórum contou com a participação do advogado e professor de direito da Universidade Federal de Goiás (UFG), Cleuton Ripal de Freitas, da moradora do Assentamento Don Fernando, de Itaberaí, Ivonilde Gonçalves de Almeida e com a moderação do Professor de Geografia da Universidade Estadual de Goiás (UEG), Murilo Mendonça Oliveira e Souza.

Segundo estudos apresentados pelo Fórum, o Brasil é o país campeão quando a assunto é o uso de agrotóxicos, e com o aumento do plantio de transgênicos, elevou-se ainda mais a aplicação desses venenos nas lavouras. Outro problema apresentado no debate é o uso de muitos produtos que, em países da Europa e nos Estados unidos, são proibidos em decorrência dos inúmeros problemas de saúde que seu uso acarreta.

O Assentamento Don Fernando, onde mora Ivonilde Gonçalves e outras famílias, é rodeado por plantações de laranjas, que são constantemente pulverizadas com agrotóxicos através de aviões. Ela conta que, durante muito tempo, também fez uso do veneno em suas plantações, até o dia em que foi diagnosticada com várias doenças, entre elas, o câncer.

A partir de então, Ivonilde abandonou o uso do produto e, além de trabalhar com plantações totalmente orgânicas, atua como incentivadora deste modelo de produção agrícola. “Às vezes você chega na casa de algum vizinho e vai pegar uma fruta no pé e não pode, por que eles acabaram de bater veneno. No meu quintal, qualquer hora que você chegar pode pegar a fruta e comer lá, na hora, não precisa nem lavar, por que eu não uso nenhum tipo de agrotóxico”, pontua.

O advogado e professor de direito da UFG, Cleiton Ripol de Freitas, possui mestrado em direito agrário e é presidente do Instituto Agrário Goiano e debate com a questão do agronegócio há 15 anos. Em relação a problemas envolvendo o uso de agrotóxico, Cleiton se envolveu a partir do evento ocorrido em Rio Verde, quando um avião pulverizou veneno sobre uma escola cheia de crianças. “Na questão específica do agrotóxico, que tem uma ligação especifica com o agronegócio, se deu verticalizado a partir do caso pulverização aérea da escola em São Jose do Pontal em Rio Verde. A partir daquela situação que eu identifiquei e tive a sensação de que injustiças e conflitos poderiam surgir, e estava acontecendo, foi que eu passei a estudar isso”, explica.

Ripol é advogado do Movimento Sem Terra há 15 anos, atendendo juridicamente várias famílias. Ele conta que a maioria dos assentados que ele conhece faz uso de agrotóxicos em suas lavouras, e, para o advogado, é preciso mudar isso. “90% dos assentamentos em que eu trabalho fazem uso do agrotóxico. Então é preciso haver mudanças, e isso só ocorre dentro de um processo de transição agroecologia. É impossível eliminar o uso do agrotóxico, mas é preciso iniciar esse processo de transição agroecologia. A agroecologia trabalha em uma perspectiva de ser preservacionista sem ser ingênuo. Reconhecer a produção do alimento saudável, do alimento que sirva para as populações”, destaca.

O advogado comenta que, assim como Ivanilde, que mora próximo de plantações, várias outras pessoas apresentam problemas de saúde devido o uso dos agrotóxicos nas lavouras, e até mesmo pessoas que se intoxicam com alimentos do mercado. Mas segundo ele há muita dificuldade em conseguir indenizações para essas vítimas por ser difícil provar o causador do mal.

“Há Pouquíssimos casos de indenizações. Isso por que existe um entendimento de que o nexo causal não é comprovado, então você não consegue provar que o fato da pessoa ter sido pulverizada ou tido algum tipo de contato com o agrotóxico seja a causa da doença. Penso, então, que é preciso reavaliar a ideia de nexo causal,  acho que deve ser mantido, obviamente, o nexo causal, mas ele tem que sair do indivíduo e partir para a ideia de comunidade. A ideia de comunidade amplia a noção de nexo causal, por exemplo, se naquela comunidade usa-se tanto veneno e há tantas pessoas com câncer, com vomito, por exemplo, aí já tem um indício de nexo causal, explica.

O mediador do Fórum, professor de Geografia e membro do Núcleo de Agroecologia e Educação do Campo (Gwatá) da UFG, Murilo Mendonça de Oliveira e Souza,  destacou a importância do Fica em resgatar o debate ambiental, abrindo espaço para se discutir o meio ambiente. “Nos últimos anos o Fica tem tentado resgatar o debate. Os vídeos não podem ser só arte pela arte, tem que trazer essa discussão ambiental por que, afinal de contas, envolve vários países e é um festival que é de cinema, mas é de cinema ambiental. Então é importante que a gente traga (essa discussão), não só a partir do vídeo, mas de outros espaços de dialogo também. Daí a ideia do Fórum Ambiental, com debates que são importantes”, comenta.

Murilo afirma que é totalmente possível o país cortar o uso dos agrotóxicos nas lavouras, mas, segundo ele, isso deve partir do Governo Federal, que é quem libera os recursos para a agricultura. “O problema é que todo o investimento do Estado Brasileiro não vai direcionado à agroecologia. Ele vai para a produção de veneno, produção de agrotóxico, de agroquímico. Então você tem toda uma força empresarial que é apoiada pelo Estado, que recebe a maior parte do recurso. Pra se ter uma ideia, dos R$ 150 bilhões que foram liberados para a produção agrícola, R$ 20 bilhões foi para a agricultura familiar, que poderia ser utilizado na produção agroecológica, e os outros R$ 130 bilhões foram para o agronegócio, que acaba não nas mãos dos agricultores, mas acaba na mão das empresas”, reclama.

Segundo Mendonça, a Cidade de Goiás é um exemplo de que é possível se ter uma produção agroecológica. “Se houver investimento nas tecnologias e técnicas de produção orgânica é plenamente possível a gente produzir. Aqui em Goiás, por exemplo, todas as folhas que são consumidas no municípios são produzidas aqui de forma agroecológica, por que é possível”, afirma.

Murilo Mendonça explica que o segredo é deixar de pensar na produção agroecológica de forma imediata e planejá-la a longo prazo. “É óbvio que é um processo que não é para agora. Quando o próprio agronegócio utiliza o discurso de que não é possível produzir dessa forma, é por que eles pensam de forma imediata. É claro que não dá pra falar, acabou, amanhã a gente começa a produzir só de forma agroecológica. Isso tudo é um processo. Se a gente pensar de agora pra frente, para os próximos 50 anos, é plenamente possível a gente produzir sem veneno ou com uma redução ampla do uso de agrotóxicos, no pais inteiro”, pontua.

Agroecologia e alimentos saudáveis

Segundo definição do Fórum Ecológico, agroecologia é produzir alimentos respeitando a natureza, sem uso de agrotóxicos e nem transgênicos. A prioridade é produzir alimentos saudáveis, entendendo a terra como um bem comum e um ambiente vivo, e não como um recurso qualquer.

Para o professor Murilo Mendonça, a produção agroecológica, além de não usar venenos, não comete injustiças sociais. Não rouba as terras dos camponeses, não explora o trabalho infantil, não comete violência contra trabalhadores, contra as mulheres e nem contramina as pessoas, os alimentos, a água, o solo e o ar. “É muito importante ficar claro que há distinção entre produção orgânica e agroecológica. A agroecologia é mais do que produção orgânica, é muito importante ver essas diferenças. Agricultura orgânica é apenas a agricultura sem agrotóxicos, a agroecologia envolve varias outras questões como, questão do trabalho justo e da economia solidaria”.

 

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