Jeremias Vunjanhe, um jornalista moçambicano da ONG Justiça Global, foi impedido na última semana de entrar no Brasil para participar do Encontro Internacional de Atingidos pela Vale. Em entrevista, ele explica como foi a sua deportação e fala sobre o seu trabalho de denúncia na África dos impactos da atuação da empresa sobre as comunidades africanas.
1 – Jeremias, explica um pouco para a gente como se deu a sua deportação?No aeroporto internacional de São Paulo, todos estavam fazendo o processo de imigração e, quando chegou a minha vez, entreguei meu passaporte e simplesmente disseram que eu não poderia entrar no país e já acionaram a polícia federal, para quem foi entregue o meu passaporte. Tive que esperar uns 30 minutos, em seguida vieram mais três policiais e simplesmente falaram que eu teria que retornar para Moçambique. Sem dar nenhuma explicação. Eu tentei argumentar, mas eles não aceitaram. Depois de três horas de espera, me colocaram em um avião de volta para Moçambique e somente dentro da aeronave me devolveram meu documento, que estava com uma notificação dentro, do governo federal do Brasil, de que eu estava impedido de entrar no país.
2 – E porque você acha que fizeram isso?Eu não tenho evidências, mas, por causa do trabalho que venho desenvolvendo já há uns três anos, creio que foi a partir de uma articulação da empresa Vale. Da mesma forma que o governo moçambicano não queria a minha presença aqui, pois sabia a repercussão que isso teria.
3 – Você poderia falar um pouco das ameaças que vem sofrendo justamente por causa dessa sua atuação de denúncia dos impactos provocados pelas ações da Vale?Essas ameaças começaram, basicamente, após nós publicizarmos o despejo de famílias de áreas que seriam exploradas pela companhia. Essas imagens rodaram o mundo e mancharam a reputação da empresa. Um funcionário da Odebrecht, empresa que participa de consórcios juntamente com a Vale, conversou comigo e me disse que eu não conseguiria a transformação social que desejo divulgando essas informações, e que eu era uma boa pessoa e que poderia ter um bom futuro seguindo outros caminhos. Depois disso, tivemos problemas em ações e reuniões com os atingidos pela Vale, onde aparecia a polícia e tentava impedir.
4 – Quais são os maiores impactos da Vale para as comunidades de Moçambique?Temos vários exemplos, como o caso de 1.300 famílias despejadas. Neste momento elas estão em uma área cercada onde não podem praticar a agricultura. Não tem acesso à energia, não tem acesso à água, não tem acesso, nem mesmo, à educação e saúde. Todos esses problemas, basicamente, têm violado os direitos dessas pessoas. Essas famílias, também, têm cerceada a sua liberdade de expressão. Essas famílias estão excluídas e isoladas do resto da população. Quem for até o meu país e tentar descobrir informações sobre isso, não vai conseguir, pois não há nada.
5 – A Vale está presente em 38 países. Como você essa tentativa de interação entre os vários povos atingidos pela empresa?É importante essa interação, essa troca de experiência, mas é importante que o povo de Moçambique, por exemplo, desenvolva sua consciência cívica e social para defender seu país e seu povo. Os movimentos sociais de Moçambique fazem parte dessa articulação internacional de atingidos pela Vale, participam de trocas de experiências. Mas o que acontece, os movimentos sociais que pretendem trabalhar com os povos são barrados, são impedidos de fazê-lo. É preciso que a população levante a sua voz e lute. Sabemos que nesse processo será necessário sacrifício e haverá decepções, mas o processo tem que continuar na tentativa de construção de uma sociedade mais justa e igualitária.
6 – Você tem alguma coisa a dizer sobre a participação da Vale no consórcio de construção da usina hidrelétrica de Belo Monte, em plena Amazônia brasileira?Penso que a participação da Vale neste projeto mais uma vez vem confirmar o que é a estratégia da Vale. Eles querem dizer que protegem as pessoas, que amam as pessoas, mas vemos que não é nada disso, para eles pouco importam as pessoas. A empresa viola constantemente os direitos das pessoas e, acima de tudo, expropria as pessoas de seus territórios. E o mais importante ainda é que a Amazônia é um patrimônio da humanidade, não somente do povo brasileiro. É um complexo que traz esperança para o mundo que em um futuro próximo, onde teremos escassez de bens naturais e essenciais como ar limpo e água, a Amazônia vai cumprir esse papel. Penso que a presença da Vale nesse processo só evidencia o avanço da sua atuação no mundo, que agora se mostra bem expressivo no Brasil com a construção dessa hidrelétrica. Acho que tudo isso só mostra, mais uma vez, que temos que nos unir para resistir a Vale e a esse processo de exploração das multinacionais.