Encontro possibilitou discussões sobre relações de trabalho, fiscalização no combate ao trabalho escravo e contexto da agricultura familiar.
Via CPT-Araguaia
No último sábado, 22 de outubro, ocorreu o I Fórum De Direitos Trabalhistas e Previdenciários da região Araguaia e Xingu, realizado pelo Centro de Direitos Humanos Dom Pedro Casaldáliga, em parceria com a CPT Araguaia, em Porto Alegre do Norte, no Mato Grosso. O encontro se fez necessário tendo em vista que as violações dos direitos trabalhistas alcançaram um nível "recorde" no mundo, segundo a Confederação Sindical Internacional (CSI), que também menciona Colômbia e Brasil entre os dez piores países para os trabalhadores em 2022.
O evento contou com a presença de integrantes dos Núcleos de Direitos Humanos (NDH) dos municípios de Vila Rica, Porto Alegre do Norte, Confresa, Santa Terezinha e Ribeirão Cascalheira; dos alunos do curso de Formação Inicial Continuada (FIC) e da Pós-Graduação em Direitos Humanos oferecido pelo (CDHDPC) em parceria com o IFMT, campus Confresa-MT e MISEREOR. Ainda participaram os/as assentados/as do PA Santa Rita, PA Piracicaba e PA Manah, acompanhados pela equipe da CPT Araguaia, totalizando 65 participantes.
A programação do Fórum contou com a presença do Bispo da Prelazia de São Félix do Araguaia, Dom Adriano, quem conduziu uma análise de conjuntura sobre as relações de trabalho na região Araguaia. Ele falou sobre o contexto histórico do Mato Grosso e da região em relação à aquisição de grandes áreas de terra incentivada pelo governo, enfatizando que esse processo se deu sem levar em consideração a existência os povos que já habitavam as terras, como os indígenas e os posseiros, esses últimos que migraram do nordeste em busca de uma vida melhor e, de certa forma, viviam em equilíbrio com os povos originários.
Segundo Dom Adriano, esse equilíbrio se rompeu com a vinda, inicialmente, dos migrantes da região sul, que já tinha um sistema de plantio mais "tecnológico". Falou, ainda, sobre o que a especulação faz com os preços das terras, configurando mais uma forma de pressionar o pequeno agricultor a vender suas áreas devido à supervalorização que o capital, em especial estrangeiro, cria. Áreas que antes valiam R$ 5.000,00, hoje valem R$ 700.000,00 o alqueire.
O presidente do Sindicato dos Trabalhadores da Educação do Município de Santa Terezinha-MT, Francisco Wagner, compartilhou sobre a sua experiência na educação e na luta pelos direitos básicos da classe de professores. Relatou as dificuldades enfrentadas em relação ao baixo salário, às más condições estruturais das escolas, à falta de apoio do poder público à educação, principalmente às escolas do campo e indígenas, ambas abandonadas. Lembrou também que, historicamente, quando os trabalhadores e trabalhadoras reivindicavam seus direitos, esses são ameaçados.
Combate ao trabalho escravo
Luiz Cláudio, coordenador da Comissão Pastoral da Terra Mato Grosso (CPT-MT) realizou a mística de abertura do evento e aproveitou o espaço para pautar a importância da fiscalização trabalhista no combate ao trabalho escravo. O coordenador contextualizou o surgimento da Campanha De Olho Aberto Para Não Virar Escravo e relatou que o Brasil só assumiu a existência da prática contemporânea após vários casos de barbárie cometidos contra trabalhadores, como foi o caso do jovem de apenas 17 anos, José Pereira, atingido com um tiro na cabeça ao tentar fugir da fazenda onde era escravizado. De acordo com ele, mesmo o índice de denúncias ter aumentado, houve um sucateamento dos meios de fiscalização.
A Campanha De Olho Aberto Para Não Virar Escravo, organizada pela Comissão Pastoral da Terra (CPT) com o apoio de outras entidades, existe há 25 anos, e tem como missão a atuação em rede por todo o país, a coordenação de processos educativos, o recolhimento de denúncias, o apoio às famílias de trabalhadores escravizados e o registro dos dados dos trabalhos escravos no Brasil. Para a agente de pastoral Naira Maranhão Klein, os dados apresentados mostraram que o trabalho escravo ainda é uma realidade e que com o corte de verbas e a extinção de direitos adquiridos só aumentam a impunidade e, consequentemente, incentiva as ações que levam pessoas a caírem no ciclo da escravidão.
Contexto da agricultura familiar
O coordenador da equipe Araguaia da CPT-MT, Alexandre Monteiro, expôs sobre a correlação entre os monopólios de mercado e a dinâmica da agricultura familiar ao abordar a luta pela soberania e segurança alimentar. Para Monteiro, ocorre nesta luta as influências de mercado exercida pelos monopólios de comércio de sementes e também do modelo agrícola que impõe um modelo agroquímico, o que torna a agricultura familiar uma atividade insustentável, refém do mercado.
O coordenador destacou a importância da agricultura familiar para a produção de alimentos, principalmente de alimentos orgânicos e da produção agroecológica e que tiveram seu acesso às sementes usurpados por grandes empresas que detiveram os materiais genéticos para cobrarem royalties. Falou, ainda, sobre as promessas que não foram cumpridas com o advento dos materiais transgênicos que afirmavam que acabariam com a fome. Trouxe também a história das sementes e suas origens, e mostrou que muitas se adaptam tão bem em uma região que sua produção é ainda maior do que no seu local de origem, como é o caso da mandioca que é originária da América do Sul, mas, tem como maior produtor mundial é a Nigéria. O mesmo com a soja, que tem o Brasil como maior produtor, mas que tem sua origem na china.
Trabalhadores assentados também participaram do encontro e contribuíram com relatos. Lindalva e Placides, do Projeto de Assentamento Manah, contaram suas dificuldades e lutas enquanto trabalhadores rurais. A senhora Lindalva falou de sua dificuldade no processo de aposentadoria, ao se sentir lesada, pois após tantos anos de trabalho ainda precisa enfrentar inúmeras burocracias para alcançar os seus direitos. Seu Placides comentou sobre a invasão da soja no assentamento, que cerca sua terra, gerando tristeza e preocupação, pois, segundo ele "se não temos produção de alimentos só nos resta a fome".
O evento contou também com uma palestra sobre o tema 'Aspectos gerais sobre direitos trabalhistas e previdenciário' com as advogadas Athena Silva e Andreia Borges, que abordaram as mudanças na legislação trabalhista e previdenciária e como a população é afetada por essas mudanças. Silva e Borges citaram práticas muito comuns na região, como a não assinatura da carteira de trabalho durante o período de experiência, contratação de trabalhador ou trabalhadora que está recebendo o seguro desemprego, o não recolhimento do FGTS e a existencia de locais que infligem jornadas de trabalho exaustivas.
As abordagens tiveram grande relevância, motivando debates durante todo o Fórum e a consciência de que é preciso trabalhar cada vez mais para que os trabalhadores tenham conhecimento pleno de seus direitos.