Com o tema “Em tempos difíceis, resistir e avançar é preciso”, a 19ª Assembleia da Comissão Pastoral da Terra Nordeste 2 (Alagoas, Paraíba, Pernambuco e Rio Grande do Norte) ocorreu de forma presencial entre os dias 9 e 11 de agosto, no Santuário do Padre Ibiapina, município de Solânea, Paraíba. Mais de 170 pessoas, entre agentes pastorais, camponeses e camponesas, além de religiosas e religiosos, representantes de movimentos e organizações sociais, padres e bispos, estiveram reunidos no local.
(CPT Nordeste II)
A Assembleia teve início na tarde de terça-feira (09), com uma homenagem aos/às mártires da terra que dedicaram suas vidas à luta pelos direitos dos povos do campo. Na ocasião, teve destaque a memória do Padre Tiago Thorlby, agente pastoral histórico da CPT que fez sua passagem no mês de abril.
Ainda durante a celebração de abertura, o Padre Hermínio Canova, da CPT NE2, relembrou os últimos anos em que a população mais empobrecida se viu duramente afetada pela pandemia da Covid-19, pelo desemprego e pela fome. Agora, “não basta resistir, não basta se defender. É preciso avançar, conquistar mais coisas. A nossa urgência é em avançar. Não podemos parar nem voltar atrás”, destacou Hermínio, fazendo referência ao tema da Assembleia.
Após a celebração de abertura, uma reflexão sobre a conjuntura brasileira foi feita pelo coordenador nacional da CPT, Carlos Lima. “Fica muito claro que a reprodução camponesa corre sérios riscos, porque nós pensávamos: [com a conquista da terra e do território] ‘estamos livres, vamos construir uma autonomia, uma produção agroecológica, abastecer a comunidade e melhorar a qualidade de vida da minha família e dos meus amigos’, mas passamos a enfrentar a mineração, projetos de energia, o agronegócio”, ressaltou.
Ainda para Carlos Lima, no contexto de aumento da violência no campo, o governo Bolsonaro é protagonista. O coordenador nacional da CPT reforçou que o presidente da República, de um lado, apoia ações criminosas e sem fiscalização; do outro, defende projetos de leis que permitem a exploração de terras indígenas e áreas de proteção ambiental. Essa política de Bolsonaro faz parte de uma afronta do Capital contra as comunidades, porque não interessa os povos camponeses, ribeirinhos, indígenas e quilombolas, como aponta Lima.
Já a manhã do segundo dia foi dedicada à escuta aprofundada do que os camponeses e camponesas têm a dizer sobre a realidade e os desafios que enfrentam. Os debates foram organizados em eixos temáticos como luta pela terra/território, produção camponesa/agroecologia, juventude camponesa, mulheres camponesas e comercialização de alimentos. Para cada tema, uma tenda foi montada para que os agricultores e agricultoras pudessem partilhar suas reflexões, trocar experiências e construir caminhos de transformação social.
Muitas palavras de resistência e de luta foram ditas pelos/as participantes, como as do agricultor Gilson, do município Governador Dix-Sept Rosado (RN): “quando o ser humano respeitar a natureza, o mundo vai ser bem diferente, para nós e para as futuras gerações. Sem o veneno a gente consegue viver. É só saber conviver com a natureza”. A força e a organização para a conquista de direitos também vieram fortes nas falas da juventude e nas das mulheres: “Foi através da luta das mulheres que eu tive força para continuar na luta pela terra e estar aqui hoje”, destacou a agricultora Tatiana Muniz, também do Rio Grande do Norte. O papel do Estado, aliado do agronegócio e das elites latifundiárias, também foi denunciado como o principal protagonista da violência no campo. Apesar das especificidades, as diversas temáticas se encontram num mesmo caminho: o da luta pela terra e pelo território. Para os camponeses e camponesas participantes da Assembleia da CPT NE2, o sonho de viver com justiça e dignidade passa necessariamente pela conquista da terra e do território.
Na tarde da quarta-feira (10), o tema do debate foi “O cuidado com a vida: testemunhos de fé e espiritualidade na missão da CPT”. As camponesas Ana Maria, do assentamento Maurício de Oliveira (RN), e Maria, do assentamento Flor do Bosque (AL), deram início às reflexões com testemunhos emocionantes sobre suas histórias de vida, com destaque para a luta pela conquista e pela permanência na terra como dimensão transformadora e necessária para a superação da fome e para a garantia de vida digna no campo.
O monge Marcelo Barros e o Padre Hermínio Canova chamaram atenção que tanto Ana Maria quanto Maria do Bosque falaram em amor pela terra. A primeira disse “eu amo a terra”, e a segunda, “casamento com a terra”. Por meio das palavras das agricultoras, os religiosos travaram um diálogo sobre amor, cuidado, espiritualidade, sobriedade e profecia, ressaltando como os povos do campo são portadores de um mundo possível e necessário. Ainda no dia 10, durante a noite, ocorreu a homologação da nova coordenação regional da CPT NE2 e dos novos conselheiros e conselheiras da Pastoral para os próximos três anos. A noite também foi embalada por muita cultura popular, com a apresentação do grupo de cirandeiras Caiana dos Crioulos, do município de Alagoa Grande (PB), onde viveu Margarida Maria Alves.
O último dia da atividade fez memória a Margarida Maria Alves, trabalhadora rural e lutadora do povo que tombou em 12 de agosto de 1983. A sua memória inspirou os/as participantes a debaterem sobre quais os chamados que precisam atender para avançar na luta por direitos, por terra, território e por justiça social no campo. Marco Mitidiero, professor de geografia da UFPB, e Isolete Wichinieski, da coordenação nacional da CPT, provocaram a plenária sobre os desafios e perspectivas da luta para os próximos períodos, tanto para as comunidades camponesas quanto para a CPT. A plenária final da 19ª Assembleia da CPT NE2 foi concluída reafirmando a defesa intransigente da luta pela terra, pelo território e pela vida dos povos do campo; reafirmando o compromisso de avançar com coragem e firmeza e de construir o Reino de Deus na Terra, aqui e agora.