Reunidas na cidade de Hidrolândia (GO), entre os dias 24 e 27 de maio, cerca de 50 mulheres de todo o Brasil, agentes de 18 regionais da CPT, foram motivadas pelas palavras da poetisa goiana Cora Coralina, "Todas as vidas dentro de mim na minha vida: Na minha vida - a vida mera das obscuras".
Cristiane Passos*
Na construção da Mandala das Dores, as mulheres trouxeram todas as violências vivenciadas e testemunhadas: cerceamento das liberdades, opressão, silenciamento, assédios, racismo, violência física, feminicídio, culpabilização, violências da subjetividade, machismo institucional.
Michela Calaça, do Movimento de Mulheres Camponesas (MMC), fez a análise de conjuntura baseada no tema "Capitalismo, Patriarcado e Machismo". "Precisamos entender as diferenças de ações do patriarcado com mulheres racializadas", destacou Michela. "Em relação ao racismo, costumamos nos remeter ao período da escravidão. Mas temos que ver toda a história do colonialismo e do capitalismo na manutenção do racismo. O capitalismo é fruto da expropriação do trabalho de mulheres e homens racializados. O patriarcado tem uma perversidade a mais, e que a nós cabe reproduzir. Isso é muito difícil de lidar. E a cobrança das estruturas dessa reprodução recai muito sobre a mulher. Romper essa estrutura é algo que deve ser feito no processo coletivo, e de forma empática. Ao ajudar outras mulheres a enxergarem esse processo de reprodução das ideias do patriarcado. Tanto o capitalismo quanto o racismo e o patriarcado, se estruturam em cima da dominação, da exploração e da opressão".
Após tantos debates, as mulheres reconstruíram as mandalas, a partir da cura para as dores.
Refletindo sobre a mulher na política
No segundo dia, Kelly Cristina, advogada e militante do PT em Goiás iniciou com a reflexão sobre o que é o poder. Lembrando de Hannah Arendt, "só existe o poder se ele for visto com naturalidade, na pluralidade e na diversidade, organizado coletivamente, não é possível existir o poder na concepção da força. Porém a deturpação da palavra poder e de sua concepção, é funcional dentro da conjuntura que estamos vivendo. Querem tirar o sentido de coletividade existente dentro da ideia do poder. Querem trazer que 'seres iluminados' e/ou escolhidos por uma força maior, que devem deter o poder". Para Kelly, na esquerda acabamos errando no sentido de enxergar a luta das mulheres, do povo negro, dos povos indígenas, como lutas 'menores', ou que podem ficar em segundo plano pensando num projeto maior de democracia para o Brasil. Isso não pode ser visto dessa forma. As mulheres são a maioria da população. A mulher não tem apropriado somente o seu tempo e trabalho, "a gente tem a apropriação do nosso corpo físico, e dos produtos do nosso corpo, nossos filhos e filhas. Nós não somos apenas uma classe trabalhadora, somos uma classe sexual, submetidas à classe dos homens. O sistema político que temos hoje exclui as mulheres, o povo negro, os povos indígenas, o povo cigano. Porque serve a eles esses grupos não serem vistos e representados".
A ONU diz que no mínimo 11% do PIB mundial é produzido pelos cuidados e trabalho doméstico das mulheres no mundo. "Isso está sendo apropriado pela manutenção do sistema capitalista e patriarcal", destacou a militante do PT.
Para Manu, "a política é uma extensão da vida econômica. Temos que nos perguntar se nos espaços de ruptura, de mudança do sistema político, os homens estão ao lado das pautas das mulheres? Precisamos refletir sobre isso. Mesmo nos espaços anticapitalistas não temos essa atuação dos homens pró pautas feministas. Os homens precisam entender que uma sociedade socialista, ela é feminista. Não tem como ser de outra forma".
Lucilene Kalunga, do quilombo Kalunga, no estado de Goiás, compartilhou seu depoimento de vida. "Ao sair do quilombo, da forma coletiva de vida, e ir para a cidade que enxerguei de fato a invisibilidade em que nos colocam. Na vida comunitária como se dava no quilombo, eu não tinha essa noção. Passei a ter mais consciência do processo de opressão e discriminação".
Cuidado, auto-cuidado, resistência e auto-organização
De mãos dadas, em ciranda, juntas e em sintonia, as mulheres refletiram sobre a construção das relações de trabalho nos espaços da CPT e da militância. Unidas se propõem ao cuidado, de cada uma e do cuidado com a outra. As práticas ancestrais de cuidado com a saúde, com esse corpo que gera e alimenta vida, e com os sentimentos que as cercam no seu cotidiano.
Dentro dessa proposta, de tentar enxergar o processo de organização das mulheres na CPT, e os desafios que ainda precisam ser superados, as mulheres debateram sobre o diagnóstico construído nos últimos meses acerca da presença e participação das mulheres nas instâncias da Pastoral. Enxergar esse cenário muito pode contribuir a superar os desafios que ainda vemos na CPT, como a pouco presença de negras e negros, bem como de indígenas e outros povos tradicionais. Ainda se mostra como um desafio garantir a presença auto-afirmativa de pessoas LGBTQIA+ na CPT.
Unidas elas seguem celebrando a vida, reafirmando a missão da CPT de ser presença profética e solidária junto aos povos do campo, resistindo e construindo essa teia que une a esperança de um outro mundo, justo e belo, além de seguro, com igualdade de direitos para todas, todos e todes.
*Setor de Comunicação CPT Nacional