Entre os dias 1º e 4 desse mês de março, as cidades de Boa Vista e Pacaraima, no estado de Roraima, receberam a missão “Fronteiras Brasil/Venezuela” com objetivo de conhecer a situação de imigração atual na fronteira entre o Brasil e a Venezuela, “em especial para verificar a ocorrência do tráfico humano e ser presença solidária e profética”, destaca Carta à Sociedade Brasileira divulgada após a ação.
(CPT com informações da REPAM | Imagens: Francisco Alan/CPT)
Recente reportagem publicada pela Carta Capital analisa que a crise econômica, política e social no país vizinho fez com que, em 2016, aos menos 57 mil venezuelanos e venezuelanas entrassem em Roraima, segundo levantamento da Polícia Federal (PF). “Os dados da PF mostram que nos últimos meses de 2017, aproximadamente 22 mil venezuelanos pediram refúgio ao Brasil, e 8 mil entraram com pedido de residência fixa. Nenhum foi atendido”, destaca a revista.
As visitas e atividades realizadas pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) à região, conforme documento final, mostrou, à comitiva, “uma realidade cruel e desumana que grita por respostas rápidas, eficazes e articuladas das igrejas, do estado e da sociedade em geral”. A missão foi coordenada por dom Enemésio Lazzaris, bispo de Balsas, no Maranhão, e presidente da Comissão Pastoral da Terra (CPT) e da Comissão Episcopal Pastoral Especial para o Enfrentamento ao Tráfico Humano (CEPEETH) da CNBB, com apoio do bispo de Boa Vista, dom Mário Antônio da Silva e de organismos e pastorais da Igreja local.
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Também integraram a missão: o bispo auxiliar da arquidiocese de Porto Alegre (RS) e membro da CEPEETH, dom Adilson Pedro Busin, o assessor da CEPEETH frei Olávio Dotto e a secretária, irmã Claudina Scapini, o membro da Campanha Nacional da CPT de Prevenção e Combate ao Trabalho Escravo, Francisco Alan. Também representantes da Comissão Justiça e Paz-Regional Norte 2 da CNBB; Regional Norte 1 da CNBB; Setor Mobilidade Humana da CNBB; Instituto Migrações e Direitos Humanos (IMDH); Pastoral da Mulher Marginalizada (PMM); Cáritas Brasileira; Rede Um Grito pela Vida da Conferência dos Religiosos do Brasil (CRB); Pastoral dos Migrantes (SPM); Pastoral do Menor e Rede Eclesial Pan-Amazônica (Repam-Brasil).
Confira a Carta à Sociedade Brasileira na íntegra:
Boa Vista – Roraima, 04 de março de 2018
“Eu vi a opressão de meu povo, ouvi o grito de aflição diante dos opressores e tomei conhecimento de seus sofrimentos”, (Ex 3,7-8).
Nós, integrantes da Comissão Episcopal Pastoral Especial para o Enfrentamento ao Tráfico Humano (CEPEETH) da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), realizamos entre os dias 01 a 04 de março de 2018, nas cidades de Boa Vista e Pacaraima (RR), a missão “Fronteiras Brasil/Venezuela”. A mesma teve como objetivo conhecer in loco a situação que envolve a imigração atual na fronteira entre o Brasil e a Venezuela, em especial para verificar a ocorrência do tráfico humano e ser presença solidária e profética.
Foram realizadas visitas na fronteira Brasil/Venezuela, nos abrigos dos indígenas Warao em Pacaraima e Pintolândia, e Tancredo Neves em Boa Vista, abrigo para os venezuelanos; audiências com a Policia Federal e com a Governadora do Estado; reuniões com os bispos de Roraima, dom Mário Antônio Silva e o bispo de Santa Elena de Uiarén-Venezuela, dom Felipe González González e com o Pároco da Igreja Sagrado Coração de Jesus em Pacaraima, padre Jesús López Fernández; com as Pastorais Sociais, o Comitê Estadual de Enfrentamento a Exploração Sexual e Tráfico de Pessoas, o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA) e outras organizações da Sociedade Civil. Infelizmente não conseguimos diálogo com a prefeita do município de Boa Vista.
Participamos, ainda, de entrevistas em programas de rádio e televisão. Na oportunidade, celebramos com as comunidades da Paróquia Nossa Senhora da Consolata e da Catedral de Cristo Redentor.
Essas atividades nos colocaram em contato com uma realidade cruel e desumana que grita por respostas rápidas, eficazes e articuladas das igrejas, do estado e da sociedade em geral.
Nossos olhos viram: longas filas de imigrantes e refugiados em busca de documentação, transporte, alimentação e trabalho; crianças famintas, desnutridas, doentes, sem escola; juventude desocupada e sem perspectiva de futuro, exposta à drogadição e todo tipo de vulnerabilidades; mulheres vítimas da violência, da exploração sexual e do trabalho laboral; pessoas inescrupulosas explorando a miséria dos irmãos e irmãs imigrantes e refugiados no trabalho e alterando os preços dos alimentos e outras mercadorias.
Impressionou-nos sobremaneira a visita ao abrigo Tancredo Neves, o “Tancredão”, pelo estado de total abandono e degradação da dignidade humana.
Nossos ouvidos ouviram: lamentos de dor e denúncias de situações graves de violação dos direitos e falta de políticas públicas elementares como alimentação, saúde, higiene, segurança, educação; denúncias de violência policial, violência contra a mulher, exploração sexual e do trabalho, tráfico de drogas e de pessoas e de completa omissão do poder público.
Nosso coração sentiu: profunda indignação diante dessa desumana e injusta realidade ao constatar a ausência e descompromisso dos poderes constituídos em dar respostas; de averiguar que a preocupação com a beleza das praças tem mais importância que o cuidado à pessoa humana; de escutar expressões discriminatórias em relação aos migrantes e refugiados e de entender o quanto nos falta para viver o Projeto de Deus que nos faz todos irmãos e irmãs.
Em meio a está gritante realidade também vimos e ouvimos com alegria e esperança muitas ações fraternas e solidárias de pessoas, famílias, grupos, igrejas e instituições da sociedade civil; apoio de instituições internacionais e uma grande abertura e dedicação da Igreja local assumindo de forma prioritária o serviço aos imigrantes e refugiados.
Esse cenário tão desolador nos interpela para ações e posicionamentos pessoais e coletivos de acolhida, solidariedade e incidência política de forma articulada em âmbito local, estadual e nacional.
Por isso, em nome da CEPEETH, fazemos um veemente apelo às igrejas e à sociedade a uma maior solicitude para com estes nossos irmãos e irmãs imigrantes e refugiados. Nesse sentido conclamamos a todos para:
- Maior sensibilização e envolvimento com esses nossos irmãos e irmãs, através de práticas de serviços voluntários;
- Participação efetiva e generosa na campanha de solidariedade da CNBB em favor dos imigrantes e refugiados venezuelanos;
- Mobilização e incidência política junto aos órgãos públicos, nacionais, estaduais, municipais para que assumam seu papel de viabilizar as políticas públicas e a garantia dos direitos desses nossos irmãos e irmãs;
- Realizar e/ou participar de campanhas educativas permanentes sobre migração e tráfico humano no conjunto das organizações das igrejas e da sociedade.
A Palavra de Deus, ao afirmar que “somos todos irmãos e irmãs” (cf Mt 28,7) nos impele a vivermos a fraternidade como caminho de superação de todas as violências e desigualdades. Reconhecemos e agradecemos a grandeza de espírito das muitas pessoas que, sensíveis às dores desses nossos irmãos e irmãs imigrantes e refugiados, já estão dando sua contribuição.
Que Nossa Senhora Aparecida interceda junto a Deus por todos/as a fim de que nos empenhemos firmemente nessa missão de “acolher, proteger, promover e integrar” nossos irmãos e irmãs imigrantes e refugiados em nossa pátria.
Dom Enemésio Lazzaris
Bispo de Balsas (MA)
Presidente da Comissão Episcopal Pastoral Especial
para o Enfrentamento ao Tráfico Humano/CNBB