COMISSÃO PASTORAL DA TERRA

 

Na comemoração dos 90 anos de  Pedro Casaldáliga é muito bom lembrar alguns fatos que marcaram sua biografia. Como um dos grandes profetas de nosso tempo, Pedro incomodou não só os grandes fazendeiros da região do Araguaia e o governo militar que lhes dava suporte, como também setores da Igreja que compactuavam com o sistema e o próprio Vaticano.

Antônio Canuto*

Como os profetas bíblicos que diante da situação do povo clamavam por justiça e denunciavam os que se locupletavam à custa dos pobres, Pedro fez o mesmo. Suas denúncias são diretas, cita pessoas com nome e sobrenome.

Por isso provocaram tanta ira dos grandes fazendeiros da região e do próprio governo militar que tentou, mais de uma vez, expulsá-lo do Brasil.

Mas, como os profetas bíblicos, se levanta contra o próprio templo que compactua com o poder opressor e que é cego para a realidade do povo, conformado com a realidade social vigente.

Pedro encontrou sempre apoio muito firme da CNBB, mas foi atacado duramente por colegas de ministério, tanto no Brasil, quanto naAmérica Central. E foi, muitas vezes, advertido pelo Vaticano.

As primeiras advertências

Quando Pedro, em 1970 - ainda não era bispo – lançou um documento intitulado ESCRAVIDÃO E FEUDALISMO NO NORTE DE MATO GROSSO, sobre a situação dos peões, o Núncio Apostólico lhe escreveu: “O que lhe recomendo, é evitar que sua denúncia atinja certos círculos estrangeiros, que poderiam explorá-la para seus conhecidos fins”.

Anos mais tarde, em 1975, a Sagrada Congregação dos Bispos, através do Núncio, chama a  atenção de Pedro, pelo livro de poemas, publicado na Argentina,  TIERRA NUESTRA, LIBERTAD. Diz o ofício enviado: “Na verdade, a publicação daquelas poesias, cujo vocabulário é, às vezes, explicitamente subversivo, ultrapassa todos os limites da prudência e da oportunidade”.

Logo depois, em 1977, Dom Geraldo Proença Sigaud, bispo de Diamantina (MG), acusou publicamente a Pedro e a Dom Tomás Balduino, bispo da Diocese de Goiás de serem marxistas e de difundirem doutrinas e de terem práticas contrárias às tradições da Igreja. O Vaticano nomeou, então, um Visitador Apostólico para verificar o que na realidade acontecia.

No segundo aniversário da morte do padre Rodolfo Lunkenbein e do índio Simão Bororo, Pedro concedeu uma entrevista ao Jornal do Brasil, do Rio de Janeiro, em que criticava a impunidade que cercava este crime, bem como a do assassinato do Pe. João Bosco Penido Burnier. O Núncio então lhe enviou um ofício: “A Santa Sé houve por bem confiar-me o encargo de pedir vivamente e insistentemente a Vossa Excelência que se abstenha de conceder à imprensa, ao rádio e à televisão entrevistas sobre questões políticas”.

As publicações da Prelazia

A Prelazia produzia a cada ano,  material sobre temas a serem debatidos nas Assembleias do Povo - Batismo, Missa, Igreja, Crisma, Familia etc -.

Em 1981, Pedro recebeu correspondência da Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé, dizendo que “a Doutrina sobre o Batismo e sobre a Missa é apresentada de uma forma parcial e redutiva” e que o pecado era apresentado só na sua dimensão social. Por isso, pede que sejam revisados os textos “com o fim de preservar a pureza da fé em matérias tão importantes”.

Visitas a Nicarágua

Mas o que muito incomodou o Vaticano foram as visitas que Pedro fez à América Central, de modo especial a Nicarágua. Ele tomou esta decisão, em 1985, quando foi se solidarizar com o Pe. Miguel D’Escoto em greve de fome por causa do combate que o governo revolucionário sofria  de grupos da direita, apoiados pelos Estados Unidos. Pedro criticou o distanciamento dos bispos da realidade do povo e visitou lugares onde nenhum bispo havia ido.

Em 27 de setembro, Pedro recebeu uma forte chamada de atenção da Congregação para os Bispos.

Visita ad Limina

Neste contexto, a partir de agosto de 1985, passou a ser cobrado por não ir às Visitas ad Limina que os bispos a cada cinco anos deveriam fazer a Roma.

Pedro respondeu não ter intenção de viajar à Europa, pois nunca para lá tinha voltado, nem mesmo quando sua mãe falecera.

Recebeu, então, uma severa advertência da Congregação para os Bispos, que taxou a visita a América Central como “abandono da Diocese”. E voltando às denúncias de Dom Sigaud, dizia que o relatório do Visitador Apostólico  apontava ”uma série de carências e desvios de ordem pastoral, doutrinal e disciplinar que pediam séria e pronta correção” e  que agora “a Congregação está reexaminando o citado relatório”. Este nunca havia  chegado ao conhecimento de Pedro.

Em resposta, Pedro informou que escreveria uma carta pessoal ao Papa. O que fez em 22 de fevereiro de 1986. Uma longa carta de nove páginas.

O assunto da Visita ad Limina, porém, foi se arrastando ainda por muito tempo. E só se concretizou em junho de 1988.

No dia 17 daquele mês, Pedro se encontrou com os Cardeais Bernardin Gantin, da Congregação para os Bispos e com Joseph Ratzinger, da Congregação para a Doutrina da Fé. Praticamente um interrogatório sobre as questões que incomodavam o Vaticano. No dia 21 se encontrou com o Papa.

Ao chegar de volta de Roma, Pedro recebeu uma carta do Núncio dizendo haver um documento relativo à Visita ad Limina que deveria ser assinado por ele. Era final de agosto. Era uma “Intimação” de “caráter reservado e pessoal”. Mas, antes mesmo de Pedro ter reagido a ela, no dia 23 de setembro, toda a grande imprensa brasileira e também no exterior publicava a notícia de que ele havia sido punido pelo Vaticano e que se lhe havia imposto o silêncio. 

A quem interessava o vazamento de um documento de “caráter reservado e pessoal”? A Sala de Imprensa do Vaticano se viu obrigada a emitir uma Nota dizendo que o que foi divulgado não correspondia à verdade.

Esta notícia provocou uma onda de solidariedade a Pedro de bispos e instituições do Brasil e de outros países.  

O presidente da CNBB, Dom Luciano Mendes de Almeida, em 19 de outubro de 1988,  escreveu de próprio punho ao Papa dizendo que Pedro não havia assinado a tal intimação, “esperando poder esclarecer alguns pontos do documento”.

A palavra profética incomoda, e muito, a quem detém o poder. Este não tolera ser questionado. Pedro, sempre amou profundamente a Igreja, por isso mesmo queria que ela voltasse a ser o que Jesus Cristo queria que fosse.

*Colaborador do Setor de Comunicação da Secretaria Nacional da CPT.

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