Dando continuidade ao Encontro Nacional de Formação da CPT, os e as agentes da Pastoral debateram o tema do bem viver e a espiritualidade, inspirados pelas reflexões dos primeiros dias da atividade, e com a colaboração do biblista e assessor da CPT, Sandro Gallazzi e de Moema Miranda, do Serviço Inter-Franciscano de Justiça, Paz e Ecologia (Sinfrajupe).
Cristiane Passos*
De acordo com Sandro, foi na terra de Midiã que Moisés descobriu que o lugar de Deus está onde tu estás. “Assim como o Cacique Babau nos disse que Deus está em todos e todas nós”. “A espiritualidade da CPT é a memória subversiva do evangelho, e a fidelidade ao Deus dos pobres. O grito de João, ‘até quando senhor, vamos suportar?’ É o grito que fazemos até hoje”, analisou.
Além disso, segundo Sandro, na Bíblia todas as vezes que Deus falou “eu vi e ouvi o sofrimento do meu povo”, Deus disse quem era o seu povo, e o povo de Deus é o povo que sofre, os que estão sendo destroçados, povo de Deus não é aquele que não sofre, povo de Deus não é aquele que faz sofrer, povo de Deus não é aquele que faz o povo chorar, o povo de Deus é aquele que chora e que sofre. “Temos que desmistificar essa lógica de que todo mundo é povo de Deus. Deus tira o povo da garra dos faraós, Deus disse ‘eu vi e desci e quando ele desceu’, ele escolhe um lado e Deus escolhe o MEU POVO. O Deus que desce é o Moisés que vai”. No Momento do conflito temos a presença do Espírito, analisou o biblista. “A espiritualidade é o que o Espírito faz em nós. O grande conflito que estará sempre presente em nossas comunidades é a questão do sagrado, do cotidiano do nosso povo, tudo que é poder para o povo vira folclore para os poderosos, o poder joga e debocha do sagrado”.
Já Moema analisou o bem viver a partir de uma espiritualidade cósmica de amizade com a Terra. “O capitalismo hoje não é só uma questão do uso excessivo dos recursos naturais, é uma questão de guerra contra a Terra”, destacou ela. “O capitalismo está fazendo muito dinheiro quando ele constroi e quando ele destroi também. Nessa guerra do capitalismo contra a Terra, temos que definir claramente qual é o nosso lado, como é que nos posicionamos, onde é que nos conectamos com os que estão sendo derrotados. E quais são nossas possibilidades de reconexão”.
Moema destacou também a constante contradição da eficiência pregada pelo capitalismo: quanto mais eficiente suas tecnologias se tornam, ao invés de a utilizarmos menos, usamos mais. A China passou a usar mais energia alternativa do que usava antes, mas mesmo assim aumentou o uso de carvão, pois as pessoas aumentaram o uso da energia. Tudo vira mercadoria e o objetivo é aumentar cada vez mais o consumismo, sempre. “Além disso, a crise ambiental que vivemos é sem precedentes. Pois depois da bomba atômica temos a ameaça de algo que possa acabar de fato com a vida e com tudo no planeta”, analisou.
Para ela, “a natureza passou a ser algo fora de nós, nós não somos a natureza, diferentemente da consciência que os povos originários possuem. A ciência passou a tratar dessa forma e mesmo a teologia fez o mesmo. Precisamos encontrar nosso lugar no cosmos”.
Sandro Gallazzi, um novo tipo de profeta
A publicação em homenagem aos 70 anos do biblista, completados em 2016, foi lançada na noite de ontem (20) durante o Encontro Nacional de Formação da CPT. O livro, editado pela CPT e pelo Cebi (Centro Ecumênico de Estudos Bíblicos), é uma “biografia não oficial, contada de uma forma não cronológica e não linear, exatamente para ilustrar o não conformismo de Sandro com as injustiças e desigualdades sociais que permeiam nosso país”, conforme texto de apresentação do livro.
Fundador da CPT no Amapá, Sandro Gallazzi atuou também no estado do Pará e foi figura fundamental no processo de formação de diversos agentes da CPT espalhados pelos quatro cantos do país. Com vários livros publicados, suas análises bíblicas e contribuições para os cadernos de estudos da CPT formaram gerações de agentes da Pastoral e continuam a ser fonte viva de conhecimento para os e as que ainda chegam nessa caminhada.
Já nos anos 1980 Sandro participava, junto de sua companheira Anna Maria, dos encontros do Cebi, cuja proposta era uma leitura da Bíblia a partir dos pobres. Emocionado, Sandro relembrou que sempre resistiu às propostas da Academia, justamente por ter a consciência de que os e as camponesas mereciam, também, ter seus doutores e suas doutoras, e não somente quem tem acesso aos espaços das Universidades.
O livro possui cartas de amigos, teólogos e teólogas, e familiares de Sandro, bem como de militantes e camponeses e camponesas que encontraram com Sandro em suas jornadas.
Na ocasião, a CPT ainda homenageou o Padre Ermanno Allegri, que participou do processo de fundação da CPT e fez parte da Secretaria Nacional da Pastoral durante alguns anos, se afastando para continuar a sua militância na luta contra o latifúndio na mídia. Ermanno retoma essa proximidade com a CPT, e nesse momento de homenagem contou toda sua trajetória de luta, inclusive o processo de criação da Adital, Agência de Informação Frei Tito para a América Latina, que hoje foi integrada à IHU, agência de notícias ligada à Unisinos, no Rio Grande do Sul. A criação da Adital veio como consequência da Agência de Notícias Esperança (AnotE), extinta agência de notícias que dava apoio a entidades da sociedade civil.
*Setor de Comunicação Secretaria Nacional da CPT.