COMISSÃO PASTORAL DA TERRA

 

Nos dias 02 e 03 de agosto de 2017, na cidade de Ibotirama, na Bahia, 90 pessoas, entre camponeses/as, sindicalistas, educadores, agentes de pastorais, religiosos e estudantes, representando 29 municípios da região Oeste da Bahia, participaram do encontro de formação sobre conjuntura e bens naturais.

 

(Por Hamilton Luz – Equipe Centro Oeste/ CPT Bahia | Imagens: CPT Bahia)

O encontro contou com a assessoria dos professores Carlos Walter, Universidade Federal Fluminense (UFF), e Valney Dias, Universidade Federal do Oeste Bahia (UFOB); Ruben Siqueira, coordenador nacional da Comissão Pastoral da Terra (CPT); Marilza Pereira, representante da Secretaria de Educação de Irecê; e Jaziel dos Santos, da Articulação Estadual dos Fundos e Fechos de Pasto.

O objetivo do encontro foi reunir pessoas de diversas realidades do Oeste da Bahia para discutir a conjuntura social e política nacional/internacional, e suas relações com a Caatinga e o Cerrado baiano. Para os/as participantes, o encontro foi de grande importância, pois favoreceu uma reflexão mais profunda sobre a realidade atual, os impactos nos biomas Cerrado e Caatinga, e pistas para continuar fazendo o enfrentamento.

Segundo Amanda Câmara, aluna da Escola Família Agrícola de Angical (BA), participar do encontro foi uma experiência muito boa. “Foi um aprendizado a mais, as discussões me ajudaram a perceber que ao meu lado, outras pessoas sofrem, e muitas vezes bem mais que eu”, disse.

Para Timóteo Gomes, do Movimento dos atingido por Barragens (MAB), “o encontro trouxe elementos importantes para entendermos o momento que estamos vivendo no país e no Estado da Bahia, principalmente em uma região onde ainda existem muitas riquezas naturais. Também nos ajudou a pensar propostas para continuarmos a luta”.

A realidade social do Oeste baiano é muito complexa, tendo em vista que o agronegócio, os parques eólicos, a extração mineral, as Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs), os parques de energia solar, a Ferrovia Oeste Leste (FIOL), etc., na maioria das vezes expulsam camponeses de seus territórios e degrada drasticamente o meio ambiente. Sendo assim, os movimentos, entidades e organizações populares precisam rever suas ações de enfrentamento para superar esse modelo do lucro em detrimento das vidas (humana, vegetal e animal).

“A análise de conjuntura tem um papel muito importante para despertar as pessoas e sensibiliza-las para o enfrentamento do sistema que está matando nosso povo. Mas, o mais importante é repassar as discussões em nossas comunidades, tendo em vista a multiplicação de atores”, afirmou Valdir Nascimento, do Projeto de Assentamento (PA), Ferinha Marrequeira.

Lançamento da publicação Conflitos no Campo Brasil 2016

Na noite de quarta-feira, dia 2, foi lançada a publicação “Conflitos no Campo Brasil 2016”, da Comissão Pastoral da Terra.  Neste relatório, a CPT registrou o maior número de conflitos por terra no Brasil nos últimos 32 anos. Foram 1.079, uma média de quase três conflitos de terra por dia. Na Bahia, foram 102 conflitos, um aumento de 76% em relação a 2015. 61 pessoas foram assassinadas no país ano passado, 22% a mais do que em 2015 e o maior número desde 2003. Quatro delas em território baiano.

Essa realidade retarda a verdadeira situação que os povos e comunidades tradicionais, além de acampados e assentados estão vivendo.

Pistas e encaminhamentos para o fortalecimento das lutas

No encontro, também foram discutidas pistas na perspectiva de avançar na resistência. Para tanto, o tripé: o trabalho de base, a articulação e a mobilização, foi destacado como estratégia para o fortalecimento da luta.

No trabalho de base foram indicados: formação, intercâmbio, mutirão, grupos de base. Na articulação: articular parceiros, utilização da mídia alternativa, rede de comunidade, rede de cuidado, parcerias entre comunidades e universidade. Para mobilização destacou-se: o grito dos excluídos, a ocupação de espaços estratégicos, a romaria do cerrado, e encontros regionais.

Acompanhe a entrevista com o professor Carlos Walter

Para ele, “um encontro como esse, em um momento em que vivemos uma crise no sistema político, não só no Brasil, mais também em todo o mundo, o que nos deixa preocupados é o nível tão baixo da política no país, o que nos deixam assustados e impactados. Ao ver o nível, quer dizer, o baixo nível, do Congresso brasileiro sentimos a presença de um Trump. Isso mostra que a política está em crise em todo mundo e ao mesmo tempo a gente não vislumbra uma perspectiva que se coloca uma possibilidade efetiva de melhorar as condições da vida do povo”.

Ainda segundo o professor Carlos, “neste momento só resta fazer o que estamos fazendo aqui, reunir aquilo que a gente tem de mais profundo, que é exatamente reunir as comunidades para saber que caminhos tomar. Até porque nesses últimos trinta/quarenta anos que foram tão profundos na luta social no Brasil, precisamos ver em que mesmo que a gente avançou como movimento social e com a luta social; o que a gente conseguiu criar de sindicato, de centrais sindicais, partidos políticos. Na verdade chegamos até mesmo na condição de presidente da República. Foram pessoas que vieram das lutas sociais, isso mostra o poder que essas coisas tinham. Ao mesmo tempo a gente olha e vê hoje todos os direitos sendo tirados numa velocidade assustadora e com resistência praticamente zero. Então na verdade a gente percebe que hoje, contraditoriamente parece que estamos mais fracos do que estávamos a treze/quinze anos atrás”.

Para o professor, esse encontro traz uma constatação: “por mais que a gente tenha se dedicado, quantos companheiros nossos morreram, quantos sofrimentos tivemos, e agora nos deparamos nessa situação. Na verdade parece que o caminho que foi seguido de maneira tão profunda, tão densa e de maneira tão apaixonada e dedicada, mostra ao mesmo tempo muitos equívocos. É só ver como estão tirando nossos direitos, e a gente não tem força para resistir”.

Para Carlos Walter, “o que viu aqui na região Oeste da Bahia, é que ainda tem um reserva moral da sociedade brasileira, são as comunidades Quilombolas, as comunidades de Fundo e Fecho de Pasto, uma existência que resiste. É uma resistência escrita de outra maneira, r-existência, resistência que vem da existência profunda desses povos. E assim nos oferece certo horizonte. E qual é o horizonte na verdade? – Talvez a gente tenha olhado muito para cima, olhado muito para o Estado, o qual pode até ser necessário para algumas coisas, mais o Estado não é o lugar da liberdade. Só essa convicção que a gente acabou criando aqui com exemplos de outros países do mundo, percebemos que na verdade o grande capital que temos, são as comunidades se auto organizando, mas, parece  que nesses últimos anos a gente produziu muitas lideranças e poucas comunidades”.

Professor Walter continuou dizendo “uma vez tive uma discussão sobre quantos milhões de hectares foram conquistados em forma de assentamento. E depois, o que acontece? – Na realidade quando o sujeito está em uma ocupação, você apita e todo mundo vem para a reunião, para a assembleia, depois que vira assentamento do INCRA, a gente toca o apito e todo mundo vai para suas casas. A gente pede, não fazendo do assentamento um projeto de comunidade, um projeto de povo se auto organizando. São lições que ficaram desse encontro e que apontam caminhos muito profundos, embora se saiba, que a caminhada seja muito longa, mas como dizem os chineses ‘toda longa caminhada começa com o primeiro passo’. Acho que a gente deu esse primeiro passo, alias, já demos muitos passos de avaliação de acertos e erros”.

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