Acompanhados de policiais armados com fuzis, grileiros intimidam e ameaçam camponeses em Formosa da Serra Negra (MA). Lideranças estão ameaçadas de morte e a comunidade teve sua roça destruída
Texto: Setor de Comunicação da CPT Nacional
Imagens: CPT Regional Maranhão
O conflito, que já perdura por mais de 5 anos, volta a intimidar a comunidade tradicional em Formosa da Serra Negra (MA), localizada a 630 quilômetros de São Luís (MA). Os camponeses denunciam graves ameaças e degradação ambiental executadas por grileiros da região, que impactam o povoado Pau Amarelo/Bem Feito.
Segundo informações da comunidade, Carlos Eduardo Ferreira, empresário de Barra do Corda (MA), seria o autor das ameaças, e estaria impedindo o acesso ao plantio comunitário há meses. Os camponeses do povoado seguem preocupados com a escassez de alimento, que pode gerar fome na região, bem como temem por suas vidas, em decorrência das ameaças.
A comunidade denunciou à Comissão Pastoral da Terra Regional Maranhão (CPT-MA), que acompanha o conflito, que Ferreira soltou diversas cabeças de gado sobre o plantio, com a assistência de jagunços que seguem na região, nesta quinta-feira (26).
Anteriormente, quatro lideranças já haviam sido retirados provisoriamente do território pelo Programa Estadual de Proteção a Defensores e Defensoras de Direitos Humanos (PEPDDH-MA) em razão das ameaças de morte. No ano de 2022, nove camponeses e camponesas as foram ameaçados na localidade.
Em 17 de março de 2022, uma guarnição fortemente armada da Polícia Militar de Formosa da Serra Negra, acompanhando o grileiro Carlos Eduardo Ferreira, que alega ser um dos proprietários da área, dirigiu-se à casa de uma das lideranças da comunidade, incluída no PEPDDH-MA desde 2018.
De acordo com relatos locais, a Polícia Militar do estado agiu como segurança privada de Carlos Eduardo Ferreira. Um sargento que comandava a operação teria entrado na casa do camponês e determinado que não se dirigissem mais ao local em que o grileiro construiu uma cerca e passou a impedir o acesso dos camponeses a roças cultivadas há anos.
Segundo denúncia ao Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), protocolada em 15 de junho do ano passado, CPT-MA, com o apoio de pastorais sociais e movimentos sociais do Maranhão, afirmaram que "Policiais militares têm cometido abuso de autoridade e atuado como agentes privados a serviço dos fazendeiros e grileiros da região. Ao contrário de combater a violência, os policiais militares envolvidos atuam ilicitamente e agravam a situação de vulnerabilidade e risco em que se encontram os camponeses".
No documento, a CPT-MA também reforça que há outros sujeitos envolvidos nas ameaças e na degradação ambiental do território Bem Feito, que agem amparados pelo Estado. "Em Formosa da Serra Negra-MA, poderosos laços políticos e econômicos locais têm demonstrado ingerência sobre a força de segurança pública estadual que atua na região. É sabido publicamente que os grileiros(sic) transitam com desenvoltura nos círculos políticos locais e contam com apoio da Prefeitura de Formosa da Serra Negra", expõe a denúncia.
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A comunidade tradicional Pau Amarelo/Bem Feito é formada por 19 famílias, cuja origem no local remonta há mais de um século. Elas estão sofrendo com o avanço de fazendeiros e grileiros que destroem roças dos camponeses, desmatam e impedem seu acesso a locais de plantio e extrativismo, além de cometerem diversas ameaças de morte, gerando um clima constante de medo.
Histórico do conflito
O conflito teve início em 2015, quando o suposto grileiro de terras, Luis dos Santos Reis, junto a Sálvio Dino de Oliveira (irmão de Juscelino Viana, ex-prefeito de Formosa da Serra Negra-MA) chegou na comunidade com propostas de aquisição da terra, que foram negadas à época.
Em 2016, o grileiro retornou à comunidade informando que teria adquirido a propriedade da terra, passando a intimidar a comunidade para que desocupasse o território, tendo desmatado áreas e derrubado suas cercas e roças. Desde então a tensão só aumentou.
Em 16 de junho 2016, os camponeses ingressaram com ação de reintegração de posse na comarca estadual de Grajaú (MA) contra Luís Santos dos Reis, Sálvio Dino Martins de Oliveira e Domingos Ribeiro dos Santos, este último assassinado em 24/08/2016, antes mesmo de ser citado no processo.
Relatório de missão realizada pela Delegacia Especializada em Conflitos Agrários de 25 de janeiro de 2017 e dirigido à Superintendência de Polícia Civil do Interior da Secretaria de Estado de Segurança Pública (SPCI/SSP MA) informou que o homicídio teria “características de crime praticado por encomenda”, ocorrido na frente da casa da vítima e diante dos seus filhos. Além disso, a Delegacia Agrária relatou ocorrência de “crimes ambientais, constituição de milícia privada, esbulho possessório, dano, ameaça e constrangimento ilegal.
Em 18 de agosto do mesmo ano, agentes da CPT-MA sofreram tentativa de emboscada quando chegavam de carro nas proximidades do Povoado Pau Amarelo/Bem Feito para encontro com comunidades ameaçadas da região, todas com relatos de atuação de milícias privadas a mando de grileiros para ameaçar e expulsar os camponeses das terras em que tradicionalmente vivem e trabalham.
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Ainda em 2018, diante do agravamento do conflito, uma atuação interinstitucional envolvendo CPT-MA, PEPDDH-MA, Secretaria de Estado de Direitos Humanos e Participação Popular – SEDIHPOP, Delegacia Agrária e a Promotoria de Justiça Especializada em Conflitos Agrários do MPMA ensejou a abertura do processo criminal contra Luis Santos Reis e mais quatro pessoas que estariam praticando os crimes de Constrangimento Ilegal (art. 146, § 1o, CP), Esbulho Possessório (art. 161, § 1o, II, CP), Dano Qualificado (art. 163, par. Único, IV, CP) e Associação Criminosa.
No âmbito dessa ação criminal, em fevereiro de 2019, foram determinadas as seguintes medidas cautelares para os réus: a) proibição de adentrarem o povoado Bem Feito; b) proibição de manter qualquer tipo de contato com as testemunhas daquele processo; e c) não portar arma de fogo, em nenhuma hipótese.
Após a imposição das cautelares a comunidade passou por um período de relativa tranquilidade, quadro que foi substancialmente alterado desde dezembro de 2021, quando o juízo da 1ª Vara de Grajaú decidiu pela retirada da medida de afastamento do povoado Bem Feito para José Carlos dos Santos Barros, permanecendo as demais cautelares. Desde então, as intimidações aos camponeses retornaram em grau acentuado.