Relatos contam que o fogo teve origem em fazendas na região. O acampamento, destinado à Reforma Agrária, sofre com a morosidade do INCRA e os conflitos envolvendo incêndios provocados por latifundiários
Por: Bárbara do Nascimento Dias/Agro é Fogo
Na segunda-feira do dia 12 de setembro, os/as moradores/as do acampamento Dom Tomás Balduino, em Formosa (GO), passaram por momentos de desespero ao ver as chamas consumirem suas casas, quintais produtivos, roçados e até mesmo a igreja evangélica da comunidade. O acampamento do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) tem hoje 280 famílias vivendo em três áreas que há seis anos disputam com latifundiários da elite local.
A estratégia utilizada pelos fazendeiros, que estão em conflito com os acampados e levou o incêndio ao acampamento Dom Tomás Balduíno, se repete em diversas regiões do país. Depois de fazer a derrubada das árvores maiores, são feitos os chamados “lerões”, montes formados com o restante da vegetação que não pôde ser retirada no primeiro momento e que são queimados para consolidar a limpeza da área.
O fogo criminoso tem sido amplamente utilizado como instrumento para “limpar” a terra para plantação de grandes monocultivos e formação de pastos para criação de animais, mas também tem sido arma para expulsar e inviabilizar a vida de povos, comunidades tradicionais e camponesas em suas terras.
“O fogo partiu da serra, no lado das fazendas, depois de dias queimando ele desceu a serra e rapidamente chegou no acampamento. Queimou nossas mangueiras de água e não tivemos como usar água pra apagar. Depois foi tudo muito rápido e foi queimando tudo. Eles queimam pra limpar a área pra plantar soja e depois não conseguem controlar, isso também aconteceu em 2019 e em outros anos”, relata morador.
Apesar do decreto n° 11.100/22 emitido em 23 de julho proibir queimadas em áreas agropastoris e florestais até 23 de setembro, devido aos riscos de incêndios no período de estiagem, isso não impediu que os fazendeiros realizassem a queima. Os moradores do acampamento relataram que o fogo vinha devastando a região há pelo menos 15 dias antes de chegar ao acampamento. Mesmo com o aviso constante de que o fogo poderia chegar às casas das famílias, nenhuma medida de proteção foi tomada para que o desastre que se seguiu fosse impedido.
“Quando os bombeiros chegaram, nós já tínhamos controlado quase todo o fogo, mas depois de já ter queimado quase tudo… Quando eu cheguei e vi o incêndio me senti muito impotente. Você vê o fogo chegar e queimar nossas casas e dos nossos companheiros e não pode fazer nada. É muito desesperador, porque você não sabe pra onde correr, nem a quem socorrer primeiro. Se não tivéssemos água na caixa, não sei o que seria da gente. Queimou muitas das nossas plantações”, conta a liderança do acampamento.
Foto: Bárbara Dias/Articulação Agro é Fogo
Violações e ameaças contra o acampamento
Nos dias 6 e 7 de setembro, quando grupos bolsonaristas e de ultradireita se organizaram para se manifestar em prol do presidente da república, o risco de ataques e conflitos direitos contra o acampamento Dom Tomás Balduíno era iminente. Para se defender, a comunidade, que também é acompanhada por organizações e movimentos sociais, realizou vigília e monitoramento da área por temerem ataques na madrugada, pois muitas lideranças têm sido ameaçadas pelos fazendeiros.
Imagens: Carlos César Pereira Souza
Além disso, os moradores olham com desconfiança a atuação da Polícia Militar, pois em 2011 e 2016, a Polícia Federal realizou a “Operação Sexto Mandamento”, responsável por desarticular um Grupo de extermínio formado por policiais militares que executavam pessoas sumariamente a mando de fazendeiros e empresários de Formosa, Alvorada do Norte e Goiânia.
De acordo com Saulo Reis, coordenador da Comissão Pastoral da Terra de Goiás, o acampamento é resultado de uma luta antiga. Inicialmente, o complexo de fazendas ocupadas por essas famílias estava localizado em Corumbá (GO), e pertencia ao ex-senador Eunício de Oliveira (CE), principal representante da bancada ruralista no Ceará. Com 107 propriedades rurais declaradas, que somadas equivalem a 19 milhões de reais, o ex-senador aumentou em 13 vezes seu patrimônio rural entre 1998 e 2019.
O movimento de ocupação do latifúndio mobilizou 3 mil famílias e formou o maior acampamento da história do estado, mas mesmo a ocupação sendo legítima, já que o latifúndio do ex-senador era improdutivo e, portanto, não cumpria a função social da terra, as famílias tiveram que sair da área por meio de reintegração de posse e foram realocadas pelo Incra em outra área no município de Formosa (GO).
“Com a impossibilidade das famílias permanecerem na área, em 2014, o Incra organizou um plano para assentar essas famílias, batizado de Plano Corumbá. O Incra, então, publicou um edital para compra de fazendas para assentar as famílias. A família proprietária das fazendas ao redor do acampamento atual, se interessou e iniciou o processo com o Incra. Um contrato de comodato foi realizado entre as famílias acampadas e os proprietários, tudo intermediado pelo Incra”, conta Saulo Reis, da CPT Goiás.
Com o contrato de comodato as famílias se estabeleceram na área onde ainda hoje permanecem, no município de Formosa, enquanto esperavam a conclusão do processo que regularizaria a posse definitiva sobre a terra. Em 2019, o Incra desistiu do acordo, e três anos depois o processo de regularização das famílias, assim como a retirada dos fazendeiros, continua emperrado. A ação do Incra acentuou o conflito e a hostilidade dos fazendeiros contra os camponeses, e jagunços e pistoleiros intensificaram as ameaças às lideranças.
De 2014 a 2021, o Centro de Documentação Dom Tomás Balduino (CEDOC – CPT) registrou pelo menos 14 conflitos envolvendo fazendeiros e o acampamento Dom Tomás Balduíno. E em 2022 uma das lideranças teve seu carro vandalizado com ameaças e xingamentos.
Os proprietários das fazendas também se utilizam de outras formas de intimidação, como cortar cercas para o gado invadir e destruir as roças e plantações das famílias, intensificação do desmatamento e degradação ambiental ao redor do acampamento, uso de agrotóxicos jogados por aviões sobre rios, plantações e casas dos acampados, além de causarem incêndios criminosos.
Braços fortes que cultivam o chão
Foto: Quentin Haoyis/ Entraide et Fraternité
Atualmente, o MST é o maior produtor de arroz orgânico da América Latina. No Acampamento Dom Tomás Balduino as famílias produzem uma grande diversidade de alimentos orgânicos, com plantações de hortaliças, pimentas para produção de geleias e roçados. Boa parte da produção é doada para populações urbanas em situação de pobreza, mas também é consumida pelas próprias famílias e comercializada no entorno do acampamento. Com a destruição de muitas de suas plantações, os moradores agora tentam reconstruir o que há anos vinham cultivando e que o fogo criminoso do agronegócio levou minutos para destruir.
Uma campanha está sendo realizada pelo MST. Para ajudar é só seguir as informações abaixo:
🚩LOCAL PARA AS DOAÇÕES: Assentamento Dom Tomás Balduino – Área 2, Fazenda Cangalha.
PIX: 62981225983
Nubank Elizete Silva Brito
Informações: 62981225883