O Fórum de Direitos Humanos e da Terra (FDHT) e a Comissão Pastoral da Terra no Mato Grosso (CPT-MT) vem, mais uma vez, denunciar e cobrar providências quanto à situação de grilagem de terras da União e violência contra as famílias do Acampamento Boa Esperança, município de Novo Mundo, Região Norte de Mato Grosso, por parte do grileiro Marcello Bassan, com a ação, conivência e omissão da Polícia Militar.
1. Grilagem de terras públicas, decisões judiciais e crimes ambientais:
A Gleba Nhandú, possui 211.750.000 (duzentos e onze mil e setecentos e cinquenta hectares), matriculada em nome da União, sob o n.º 2.168, no CRI do 6º Ofício de Cuiabá – MT, estando atualmente, quase toda ocupada por ocupantes ilegais, que não preenchem os requisitos exigidos por lei para a regularização fundiária.
Após o INCRA declarar interesse social de algumas áreas localizadas na Gleba Nhandú para destinação à Reforma Agrária, a União, através da Advocacia Geral da União, ingressou com Ações Reivindicatórias na Justiça Federal de Sinop, visando a retomada destas áreas. Convém notar que as ações foram propostas somente em áreas cujos ocupantes não fazem jus à regularização fundiária, sendo uma das áreas a Fazenda Araúna, cujo ocupante ilegal é Marcello Bassan.
Em setembro de 2019, o juiz da 1ª Vara da Justiça Federal de Sinop (MT), sentenciou o processo nº. 2009.36.03.005949-8, com decisão favorável à União, para “reconhecer e declarar a propriedade da União sobre o imóvel denominado Fazenda Araúna, com extensão de 14.796,0823 (quatorze mil, setecentos e noventa e seis hectares, oito ares e vinte e três centiares), localizado no município de Novo Mundo/MT”, antecipando a tutela para imitir a União na posse da área no prazo de 60 dias, decisão mantida pelo Tribunal Regional Federal de 1ª Região, no Agravo de Instrumento nº 1042096-81.2019.4.01.0000 e no Pedido de Efeito Suspensivo à Apelação nº 1035126-65.2019.4.01.0000, o que comprova que a área da Fazenda Araúna foi apossada ilegalmente, por meio de grilagem de terras, pelo senhor Marcello Bassan.
E essa ilegalidade, como comumente ocorre nestes casos, vem acompanhada de crimes ambientais, em especial, a retirada ilegal de madeira e o desmatamento, situação bastante comum nesta fazenda, como já denunciado nos últimos anos aos órgãos competentes, como MPF, SEMA, IBAMA, PF, Governo do Estado, e, comprovado, através de fotos e vídeos. Entretanto até o momento a impunidade impera e os crimes perpetuam.
2. Cumplicidade do INCRA SR13/MT:
Frente a decisão judicial, cabia ao INCRA receber a posse da área, para então assentar as mais de 100 famílias do Acampamento Boa Esperança, que vivem acampadas às margens da Fazenda Araúna há mais de 15 anos e reivindicam esta área para serem assentadas. Entretanto, o órgão se recusa, seguindo a orientação expressa do Governo Federal, de realizar a Reforma Agrária, como comprova o ofício nº 72607/2019/SR(13)MT-G, datado de 3/11/2019, em que o atual superintende do INCRA (SR13), Sr. Ivanildo Teixeira Thomaz, afirma que, “informo que esta Superintendência Regional não irá adotar nenhuma medida para a criação de Projetos de Assentamentos na região”, referindo-se à área da Fazenda Araúna. A partir de então, o superintendente passou a criar várias situações que impediram a União de tomar posse da área. Ainda, aproveitando da situação da Fazenda Araúna, o superintendente do INCRA SR13, encaminha consulta ao INCRA Nacional, ofício nº. 9531/2020/SR(13)MT, datado de 18/02/2020 (proc. administrativo INCRA-SEI nº. 54000.018816/2020-71), onde afirma que a Superintendência realizou um estudo sobre a legislação vigente e concluiu pela necessidade de que o INCRA, “através de sua Procuradoria Federal Especializada deverá ingressar em todas as ações reivindicatórias que tramitam no Estado de Mato Grosso” e “Requerer o SOBRESTAMENTO de todos os processos judiciais”, referindo-se a todas as Ações Reivindicatórias propostas pela União, sugerindo, ainda, que seja dada prioridade à regularização fundiária, em detrimento à política pública da Reforma Agrária, como determina a Lei 11.952/2009, em especial no Art. 4º, que aduz “Não serão passíveis de alienação ou concessão de direito real de uso, nos termos desta lei, as ocupações que recaiam sobre áreas: I – (...) ou de interesse social a cargo da União” e o Art. 188 da CF/88, que preceitua que a “A destinação de terras públicas e devolutas será compatibilizada com a política agrícola e com o plano nacional de reforma agrária”, demonstrando claramente que está a serviço dos grileiros de terras, e não para cumprir seu papel enquanto agente público.
3. Histórico de violência de Marcello Bassan contra as famílias do Acampamento Boa Esperança:
Essa atuação do INCRA, responsável por resolver o conflito histórico da Gleba Nhandú, está potencializando a violência contra as mais de 100 famílias do Acampamento Boa Esperança. O histórico de violência praticada por Marcello Bassan contra estas famílias vem de longa data, que vão desde expulsão das famílias por jagunços, queima de casas, carros e moto, destruição de plantações, tentativa de assassinato, como já denunciado pela CPT e pelo FDHT, em notas (No Mato Grosso, a Esperança não é Boa e o Mundo não é Novo), bem como no Relatório Estadual de Direitos Humanos 2015 (p. 57/59), realizado pelo FDHT (https://direitoshumanosmt.blogspot.com/2016/02/).
4. Atuação da Polícia Militar no contexto do conflito:
As violências sofridas pelas famílias têm a omissão, conivência, quando não a atuação direta da Polícia Militar dos municípios de Novo Mundo e Guarantã do Norte, como já denunciado diversas vezes aos governos de MT e ouvidoria de polícias. Isso se dá de diversas formas, desde fazer a segurança da área para o grileiro, à negativa em lavrar BO`s quando solicitado pelas famílias, não fornecimento de cópia dos BO`s, inclusão de conteúdos que não condizem com os fatos denunciados.
A última atuação da PM ocorreu no dia 1 de abril do corrente ano, quando quatro policiais militares, armados e fardados, foram até o acampamento, dirigindo o veículo do grileiro Marcello Bassan, uma SW4, branca, Placa OBP-7953, abordaram de forma truculenta as pessoas, dizendo que estavam lá para fazer um levantamento a pedido do grileiro. E, novamente, como vem ocorrendo nos últimos anos, a PM de Novo Mundo e de Guarantã do Norte, após humilharem duas mulheres que buscaram o atendimento, se negaram a lavrar BO do ocorrido, obrigando-as a fazer BO na delegacia virtual.
Diante das diversas denúncias realizadas, resta evidente que, o atual cenário político fortalece a negação do acesso à terra, direito este garantido pela CF/88 e demais dispositivos legais, e garante a perpetuação de ações violentas contra o povo do campo, fortalecendo o modus operandi dos fazendeiros para garantir a permanente grilagem das terras e a expropriação das famílias camponesas no estado de Mato Grosso, que continua tendo um dos maiores índices de violência no campo.
Diante disso, mais uma vez afirmamos a responsabilidade do estado do Mato Grosso, do INCRA e do Poder Judiciário, tanto na esfera estadual como na federal, pela perpetuação dessa violência, e cobramos medidas URGENTES para garantir o assentamento das mais de 100 famílias do Acampamento Boa Esperança, expostas há anos à violência, para com isso cessar um dos conflitos mais graves dos últimos anos no Mato Grosso.
Que a entrega de Jesus de Nazaré, perseguido e sacrificado na Cruz, possa ser, também, o anúncio de Vida nova, da Ressurreição, do fim da maldade, da terra partilhada e dignidade para tantas famílias pobres que lutam e esperam justiça.
Cuiabá - MT, 14 de abril de 2020.
Mais Informações:
Inácio Werner (FDHT): (65) 99664-2331
Welligton Douglas (CPT MT): (65) 99946-5486