COMISSÃO PASTORAL DA TERRA

 

“Estamos com medo do que eles podem ter trazido”. Ação da Polícia Militar desrespeitou decisão de lideranças e interrompeu esforço coletivo de distanciamento social para evitar a proliferação do COVID-19.

TEXTO: Guilherme Cavalli - CIMI*
FOTOS: Povo Xakriabá

 

No início da Terra Indígena Xakriabá uma placa adverte: proibido a entrada de pessoas não indígenas dentro do território. A recomendação de distanciamento social orientada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e pelo Ministério da Saúde contra o coronavírus foi atendida pelo povo no norte de Minas Gerais há aproximadamente um mês. O povo cancelou todas as atividades comunitárias. Contudo, o esforço coletivo para manter o distanciamento social e evitar a proliferação do COVID-19 foi interrompido por uma ação da Política Militar no último sábado (04), que invadiu o território realizando incidências nas aldeias. Em nota, lideranças e caciques denunciam a ação como atividade que colocou em risco a saúde coletiva do povo com aproximadamente 12 mil indígenas, “principalmente de anciãos e anciãs, os quais temos mantido cuidados redobrados”.

“O nosso povo foi duramente afetado por uma ação da Polícia Militar que designou um grande efetivo que invadiu o nosso território”, denuncia o documento enviado aos órgãos públicos. “Esta ação autoritária foi totalmente desconectada dos princípios e orientações dos órgãos de saúde visto que estes policiais descumpriram totalmente as medidas e orientações de segurança dos órgãos competentes em tempos de Pandemia”, sustenta o texto, ao relatar aumento do medo de contaminação, insegurança e estabilidade após a ação da Polícia Militar.

“Nós caciques e lideranças tomamos a decisão de impedir a circulação na terra indígena por medo de que essa pandemia chegue no nosso povo. As decisões foram tomadas seguindo o que orienta Ministério da Saúde e a secretaria de Estado da Saúde”, resume cacique Santos, da aldeia Morro Vermelho. “A Policia Militar invadiu, não respeitou e entrou e circulou na área inteira. Quando ficamos sabendo da ação, a polícia já realizava abordagens dentro da aldeia”, advertiu o cacique. “Dois guinchos e várias viaturas percorreram toda as aldeias, fazendo pressão e tendo contato direto com nosso povo. A entrada da Polícia Militar causou terror nas aldeias. Não só pela ação que realizaram sem nenhum comunicado às lideranças da aldeia. Mas também pelo coronavírus, esse perigo que pode vir com os policiais que são de diversas cidades da região”.

A ação realizada pela Polícia Militar no Território Xakriabá contraria a Portaria nº 419, de 17 de março de 2020, emitida pela Fundação Nacional do Índio (Funai), que suspendeu as autorizações de entradas em terras indígenas por trinta dias. “O contato entre agentes da Funai, bem com a entrada de civis em terras indígenas devem ser restritas ao essencial de modo a prevenir a expansão da epidemia”, ressalta o artigo 3 do boletim ao sustentar a suspensão de novas autorizações para entradas em territórios indígenas. O texto acrescenta: “consideram-se essenciais as atividades que fundamentem a sobrevivência da comunidade interessada, em especial o atendimento à saúde, a segurança, a entrega de gêneros alimentícios, de medicamentos e combustível”. Para as liderança e caciques do povo, a atividade de vistoria da regularidade de veículos não se caracteriza como essencial para a comunidade na conjuntura de pandemia. “Nós não concordamos como ocorre as entradas da Polícia Militar. É necessário o seu serviço e a parceria com os caciques e lideranças do povo, mas uma ação como essa não é de urgência”, ressalta cacique Agenor Xakriabá.

O documento do órgão indigenista do governo federal sustenta ainda que povos indígenas devam ser entendidos como grupo de risco por suas condições sociais de saúde, o que exige aos povos uma atenção especial diante a pandemia. A Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) aconselha ainda que indígenas não se direcionem a cidade, recomendação atendida pelo povo Xakriabá.

Ação desrespeitou lideranças e gerou medo na comunidade

As lideranças indígenas se dizem preocupadas com os efeitos da presença da Polícia Militar no território, que desrespeitou as decisões internas. O fato é agravado, segundo os caciques, por não cumprir nenhuma das determinações exigidas pelos órgãos competentes de atendimento a saúde. “Este ato é totalmente desproporcional, isolado do conjunto de medidas e orientações dos órgãos de saúde e ocorreu sem diálogo e autorização, sem acompanhamento da Secretaria Especial de Saúde Indígena, sem comunicação com a Fundação Nacional do Índio (Funai) e muito menos sem autorização da nossa organização interna”, sustenta o documento ao assegurar-se nos artigos 231 e 232 da Constituição Federal.

“Estamos cumprindo a quarentena e as recomendações dadas pelo Ministério da Saúde e a própria polícia, um órgão do Estado, descumpre essas medidas”, comenta o cacique Agenor Lopes da Conceição da Aldeia Tenda Rancharia, uma das 37 que compõe o território Xakriabá.

Sem nenhum equipamento de proteção individual que minimizaria as possibilidades de contágio viral, a Polícia Militar adentrou o território e realizou abordagens em indígenas. “Esta ação da Polícia Militar nos deixa ainda mais vulneráveis e bastante preocupados, os povos Indígenas se encontram entre os principais grupos de risco”, pontua a nota. “Diante deste fato queremos informar que os casos de contaminação que por ventura surgirem a partir deste momento será também de responsabilidade do Governo do Estado de Minas Gerais”, sustenta o comunicado do povo que com “ação truculenta da polícia militar” teve interrompido a medida assumida de distanciamento social.

“Esse ataque foi feito sem nenhuma proteção, usavam armas, mas nenhum equipamento para não nos infeccionar. Estamos com medo do que eles podem ter trazido e pedindo para às autoridades para que tomem previdência em segurança da saúde do nosso povo”, sustenta o cacique Santos. “Se essa epidemia chegar aqui, o Estado precisa ser responsabilizado por essa ação porque estamos tomando todas as medidas e eles estão desrespeitando nossa organização contra o coronavírus”, cobra a liderança.

 

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Coronavírus: as medidas tomadas pelo Povo Xakriabá

Após reunião dos caciques e lideranças, o povo Xakriabá optou pelo distanciamento social e diminuir as atividades que geravam aglomerações. Segundo nota divulgada pela organização do povo, foram ações que evitariam a “convivência social contrariando a nossa forma de vida, sendo esta uma prática ancestral alicerçada na nossa cultura, tradição e espiritualidade, base fundamental de controle social”. No entanto, reforça o texto, as medidas foram necessárias “neste momento específico que esperamos ser transitório”.

As placas com mensagens que alertavam a proibição de circulação de não indígenas no território, como medida de evitar que o COVID-19 entrasse na comunidade, foi uma das ações encaminhadas desta reunião.

Os indígenas que estavam fora do território do povo, ao retornarem, passaram por medidas de monitoramento diário. Foram ações direcionadas aos trabalhadores e estudantes que vivem fora das aldeias. “Nesse momento de crise causada pela pandemia o nosso povo e a nossa equipe de saúde estão trabalhando juntamente com lideranças pra minimizar os riscos de ter caso de corona vírus em nossa terra”, pontuou Maciel Xakriabá, enfermeiro indígena e responsável por equipes de saúde no território.

“Fizemos levantamento e aplicação de formulário com dados de cidade que estão vindo, se tem problema de saúde e fizemos o isolamento por 14 dias sem se expor a comunidade”, comentou Maciel. “Estamos monitorando durante esse período e trabalhando com protocolos que diminuam o máximo possível o risco de contaminação do povo Xakriabá”. A entrada de policiais na aldeia fragilizou as ações que ocorriam há aproximadamente um mês.

 

*texto publicado originalmente no site do CONSELHO INDIGENISTA MISSIONÁRIO - CIMI

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