Grupo ameaçado de despejo no Projeto de Assentamento Flor do Amazonas, em Candeias do Jamari (RO), recebeu também ameaças de morte através de carta anônima.
Por Josep Iborra Plans*
O Acampamento Boa Sorte reivindica para reforma agrária uma área de terra pública do Lote 19 dentro do P.A. Flor do Amazonas, que o INCRA recebeu em imissão de posse após sentença federal em 07 de Maio de 2008. O local já foi palco de inúmeras irregularidades, várias delas citadas na CPI de Grilagem de Terras de 2001 e na Operação “Terra Limpa”. No Flor do Amazonas, antiga Agropecuária Urupá, Fazenda Rio Candeias, foram criados vários assentamentos, mas em diversas áreas ficaram terceiros em situação irregular. O Lote 19 é uma destas, irregularmente grilada por advogados, médicos e outras pessoas da cidade de Porto Velho, capital rondoniense. O Acampamento Boa Sorte reivindicou em Julho de 2017 o assentamento dessas famílias.
Elas já sofreram vários ataques de pistoleiros, prisões irregulares e duas reintegrações de posse. A violência chegou a ceifar a vida de um dos seus dirigentes. Atualmente estão sob nova ameaça judicial de iminente despejo, após a justiça estadual transformar um interdito proibitório em reintegração de posse, no processo 7042089-97.2018.8.22.0001. O mandado de reintegração foi entregue pelo oficial dia 17 de julho, com a informação de que a decisão deve ser cumprida até amanhã, 24 de julho.
A decisão no processo de interdito proibitório refere-se ao LOTE de Terras 03, setor 08, localizado na Gleba Baixo Candeias e Igarapé Três Casas. O grupo alega que a reintegração de posse não corresponde à área que eles ocupam, que se trata do lote 19. E nos mapas obtidos com o INCRA não tem esse lote 03. Sabidamente essas áreas são áreas de Fazendas que permanecem em conflito com o INCRA dentro de uma área Pública no PA Flor do Amazonas.
Segundo decisão proferida pela Justiça, o INCRA declinou do interesse de destinar a área para Reforma Agrária, apesar da mesma tratar-se de área pública, que está sob imissão de posse da própria autarquia desde 2003.
Figura : INCRA declara em 21/05/2019 "não ter interesse na área em questão"
Uma área de produção de agricultura familiar
A área contém 104 lotes de produção familiar, com uma média de 80 famílias morando desde 2017, cultivando a terra e com abundante produção de macaxeira, banana, abacaxi, batata-doce, abóbora, mamão e criação de pequenos animais, que abastecem as cidades de Candeias e de Porto Velho.
No local moram cerca de 30 crianças, destas 10 estudam e são atendidas por transporte público do município de Candeias. Na área também tem idosos, cerca de 15 pessoas, e pessoas portadoras de deficiência física.
Palco de morte e violência
O medo e a insegurança já tomaram conta do Acampamento Boa Sorte em julho de 2017, quando foi relatado que constantemente os assentados estavam sofrendo ameaças, em que homens encapuzados em uma caminhonete chegaram a disparar tiros de espingarda calibre 12 e vários disparos de pistolas calibre 38.
Um grupo armado atacou os camponeses, homens e mulheres, que iam pescar no Rio Candeias. O tiroteio ocorreu na manhã de 15 de outubro de 2016 no Ramal Taboca, Igarapé Taboca, Km 114, nas proximidades do Acampamento Boa Sorte.
Em Novembro de 2017 as famílias sofreram o segundo despejo e ficaram por dez dias num ginásio de Candeias. Como se não bastasse o despejo, enquanto montavam um novo acampamento num local autorizado pelo proprietário nas proximidades, as famílias foram surpreendidas, primeiramente pela Polícia Ambiental e em seguida pela Polícia Militar. Dez pessoas foram detidas e outras foram agredidas pelos policiais, que utilizaram cassetetes e balas de borracha, ferindo diversas pessoas.
Novamente em 07 de dezembro de 2017 pistoleiros armados feriram diversas pessoas e mataram uma das lideranças do Acampamento Boa Sorte, Hugo Rabelo Leite. O homicídio nunca foi apurado.
Novas ameaças de morte a lideranças do acampamento
As famílias receberam uma carta anônima avisando de que há dois pistoleiros, a mando de um dos antigos envolvidos no conflito, que foram contratados através de um consórcio de grileiros para matar as lideranças do acampamento. Segundo os acampados, as ameaças foram denunciadas e a polícia apreendeu armas e pessoas num flutuante indicado pela carta anônima.
Ainda nas proximidades do Acampamento, um acampado do local foi ameaçado diretamente com uma arma na cabeça. A situação é de grande tensão e medo.
A violência parece motivada pelo interesse pela área de Assentamento do Flor do Amazonas por um poderoso grupo de plantio de soja, que recentemente se instalou na região de Candeias do Jamari e já está provocando graves problemas a outros posseiros e assentados da região do Rio Preto, também dentro da área pública do PA Flor do Amazonas.
Com todos estes antecedentes de violência na região, existe muito temor de que novos atos de violência possam acontecer. Esta situação foi denunciada para o Ministério Público Federal, e foi solicitada, também, intervenção da Defensoria Agrária e do Conselho Estadual de Direitos Humanos, assim como da Comissão de Agricultura da ALE, em defesa do Acampamento.
O grupo protocolou um pedido para que se reúna a Mesa de Negociação de Conflitos do Governo do Estado, presidida pela Casa Civil, para prevenir e evitar mais conflitos. A Mesa foi criada pelo governo de Rondônia em Abril de 2017 mas até agora não se reuniu no atual governo. “Se algo pior acontecer será responsabilidade do Governador, coronel Marcos Rocha”, falaram alguns dos presentes numa reunião que debateu a situação.
*Agente da Comissão Pastoral da Terra de Rondônia e membro do Conselho Estadual de Direitos Humanos.