Na última segunda-feira (23), o Instituto Estadual do Meio Ambiente e Recursos Hídricos – INEMA decretou a suspensão de 50% do volume outorgado para o rio Utinga e todos seus afluentes, exceto para consumo humano e dessendentação animal. A intervenção, por meio da Portaria 15.068, aconteceu durante toda semana e atingiu também os produtores com bombas não licenciadas, acima de 5 CV (cavalos de potência).
(Por Claudio Dourado - CPT Bahia, Equipe Centro Norte / Fotos: Thomas Bauer).
A ação do órgão de Meio Ambiente é fruto da mobilização social organizada pelas Pastorais e Movimentos Sociais através da Campanha de Conservação da Bacia Hidrográfica do Rio Paraguaçu, que foi lançada em 17 de agosto de 2017, no Assentamento São Sebastião de Utinga, em Wagner (BA). O tema da Campanha é “Bacia hidrográfica do Paraguaçu: raízes que geram vidas”.
Na ocasião, Wilson Pianissola, líder do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST, chegou a advertir o Secretário de Meio Ambiente de que o rio não voltaria a secar por ação do Estado ou pela ação popular. Mesmo assim, as providências só foram tomadas cinco dias após o rio cortar novamente, no dia 18 de outubro.
A atuação do INEMA, além de não focar nos pontos mais críticos do subsistema hídrico do Rio Utinga, a fim de perenizar todo percurso, prioriza a monocultura da banana em detrimento de outros usos, conforme o Art. 15 da Lei Nº 9.433, que prevê a suspensão parcial ou total, em definitivo ou por prazo determinado, das outorgas de direito de uso de recursos hídricos para atender a usos prioritários e de interesse coletivo.
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Segundo moradores, a falta de água no rio já afeta o abastecimento humano dos municípios baianos de Wagner, Lajedinho e algumas comunidades de Andaraí e Lençóis, descumprindo o inciso III do art. 1º da Lei das Águas Nº 9.433, no qual se prevê que, em situações de escassez, o uso prioritário dos recursos hídricos se direciona ao consumo humano e à dessedentação de animais.
A situação repetiu o ocorrido no início do ano. O rio Utinga interrompeu sua correnteza por mais de 120 dias, afetando onze comunidades rurais e ribeirinhos, dez assentamentos e dois sistemas de captação e tratamento para uso doméstico, desde a sede do município de Wagner até a Área de Proteção Ambiental – APA Marimbus/Iraquara, divisa dos municípios de Andaraí e Lençóis, onde o rio deságua, afetando uma média de três mil famílias entre abastecimento humano e produtores/agricultores. A economia de 830 famílias dos assentados, pequenos agricultores, quilombolas e pescadores foi afetada e, endividados, alguns camponeses chegaram a passar fome.
Os produtores adotaram um racionamento em alternância, dia sim – dia não, que somada à ação do Decreto poderia amenizar o colapso hídrico, mas as medidas não foram adotadas por todos os produtores e o próprio Governo do Estado atendendo aos interesses do agronegócio suspendeu temporariamente a atuação do INEMA, comprometendo a vazão do rio, a qualidade de vida dos pequenos agricultores e o próprio meio ambiente da Chapada Diamantina.
O colapso hídrico também atingiu o rio Paraguaçu, onde se concentra grande parte do agronegócio. Mesmo assim, não houve nenhuma repercussão na mídia nem adesão ao racionamento por parte das empresas. O sistema de abastecimento da cidade de Mucugê (BA) foi interrompido e os grandes monocultivos começam a migrar para outros afluentes do Paraguaçu. A sociedade está muito preocupada, pois a ingerência dos órgãos públicos e o mito do desenvolvimento dificulta uma ação integrada de longo prazo para manutenção e conservação da bacia hidrográfica.