Entidades divulgam Nota em apoio à comunidade pesqueira e vazanteira de Canabrava, em Buritizeiro (MG), e ao Conselho Pastoral dos Pescadores (CPP), ambos criminalizados. Confira o documento na íntegra:
COMUNIDADE PESQUEIRA E VAZANTEIRA DE CANABRAVA, EM BURITIZEIRO/MG, É CRIMINALIZADA POR DESEMBARGADOR DO TJMG, POR ESTAR LUTANDO PARA PERMANECER NO SEU TERRITÓRIO - NO SEU LUGAR DE VIVER!
"Ai de vós, que ajuntais casa a casa, e que acrescentais campo a campo, até que não haja mais lugar para os pobres, e sejais os únicos proprietários da terra." - Isaías, 5
Denunciamos e repudiamos a criminalização da luta por direitos da comunidade Tradicional Pesqueira e Vazanteira de Canabrava e do serviço pastoral de agentes do Conselho Pastoral dos Pescadores impetrada na decisão do desembargador Antônio Bispo da Vara Agrária de Minas Gerais, que neste 09/10, emitiu a seguinte decisão:
"...pena de multa diária de R$ 100.000,00 em caso de descumprimento da ordem; determinação para que o Oficial de Justiça, acompanhado da Polícia Militar, decrete a prisão em flagrante, pelo crime de desobediência, em caso de resistência; oficiar o Delegado Regional de Pirapora para instaurar Inquérito Policial em face de Edmar G. Silva[1], Bruno Cardoso[2], Letícia Ap. Rocha[3] (ou lideranças comunitárias e agentes de pastoral) e demais "invasores" (Agravo de Instrumento nº1.002416057311-9/001).
Vidas clamam no Norte de Minas pelo direito de estar no seu lugar de viver! A Comunidade Tradicional pesqueira e vazanteira de Canabrava, em Buritizeiro, MG, é composta por mais de 70 famílias habitantes e trabalhadoras de ilhas e terras firmes que margeiam o Rio São Francisco, há décadas. Sua ocupação é anterior à intensificação dos processos de especulação agrícola e concentração fundiária promovidos por latifúndios e coronéis que subjugaram e expulsaram numerosas famílias tradicionais da região. É a partir das relações, materiais e simbólicas, estabelecidas com o espaço tradicionalmente ocupado, que a comunidade de Canabrava é caracterizada nas condições do decreto nº 6040/2007, dentro da categoria Povos e comunidades tradicionais:
Povos e Comunidades tradicionais podem ser entendidos como grupos culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais, que possuem formas próprias de organização social, que ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos pela tradição (Art. 3º do Decreto 6.040, de 7/2/07).
No entanto, estas famílias que viviam de modo sustentável, em área da União, vêm sofrendo violência cada vez mais intensa por fazendeiros do espólio de Breno Gonzaga Junior, que, com apoio judicial e policial, vem usando diversos mecanismos de intimidação e violência, inclusive, com ação de pistoleiros, forçando a comunidade a sair do único lugar de morar, plantar e pescar.
A comunidade sofreu um despejo no dia 18 de julho/17, com mandato de reintegração de posse já suspenso, 13 casas foram demolidas. No dia 20/07/17, ainda com mandato suspenso, os próprios fazendeiros, com jagunços, expulsaram o restante das famílias e incendiaram tudo o que restava. As famílias retornaram à área e foram novamente expulsas no dia 24 de agosto/17. Na última semana retomaram a área, angustiadas pelas tempestades sofridas na pequena ilha onde tem se refugiado e pelo medo das águas que estão subindo em tempo de chuva. E, novamente, estão sendo expulsas.
A constante luta da comunidade conquistou um processo na SPU[4], que já tem documentos suficientes que comprova que a área em conflito, em vias de regularização, não pertence aos fazendeiros. Um relatório técnico de um perito do MPF[5] atesta a tradicionalidade da comunidade naquele lugar.
Ainda assim, a comunidade está sendo criminalizada por estar lutando por um território que não pertence à velha fazenda improdutiva dos proprietários em questão. E os agentes pastorais do CPP criminalizados por cumprirem sua missão de: no seguimento de Jesus Cristo assumir o amor ao próximo, na forma de solidariedade libertadora, que não nega o conflito, mas o vive evangelicamente, sem posturas neutras e agressivas (CNBB,2008) comprometidos com o Reino de Deus que passa também, pela justiça social.
As pastorais sociais, os movimentos sociais e demais entidades solidarizam-se com a comunidade Canabrava e o Conselho Pastoral dos Pescadores, nestes tempos tenebrosos de precariedade e parcialidade, por parte de representantes do judiciário em nosso país, que criminaliza membros de pastorais sociais e movimentos sociais no intuito de paralisar a luta por direitos básicos como a reivindicação pela regularização do território tradicional da comunidade Canabrava, em face da manutenção dos interesses latifundiários. Nesta circunstância lembramos as palavras do profeta Isaías: "Ai daqueles que fazem leis injustas e dos escribas que redigem sentenças opressivas, para afastar os pobres dos tribunais e negar direitos aos fracos de meu povo; para fazer das viúvas sua presa e despojar os órfãos." ( Is 10,1-2)
Diante da gravidade da situação, solicitamos ao MPF e a SPU que use dos meios e instâncias que lhes competem, deslocando a competência do processo da Vara Agrária de MG para a Vara Agrária Federal, já. Que a AGU[6]/SPU se manifeste no processo em defesa da área federal para as populações tradicionais. Que seja efetivada com urgência a regularização da área em demanda pela comunidade tradicional de Canabrava. Que a paz tão sonhada, fruto da justiça social, se estabeleça frente aos clamores destas famílias oprimidas em sua dignidade humana.
Assinam,
Comissão Pastoral da Terra
Instituto DH
Irmãs da Divina Providencia – IDP
Brigadas Populares de Minas Gerais
Comissão Estadual de Povos e Comunidades Tradicionais (MG) – CEPCT
Associação dos Apicultores do Vale do Jequitinhonha-AAPIVAJE
Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN)
Tania Pacheco - blog Combate Racismo Ambiental
Conselho Indigenista Missionário
Serviço Pastoral do Migrante
Escola Família Agrícola de Veredinha – EFAV
Movimento do Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST
Caritas Arquidiocesana de Montes Claros
Cáritas Brasileira
Conselho Nacional do Laicato do Brasil Leste II
Articulação São Francisco Vivo – ASFV
Movimento Nacional de Direitos Humanos
Associação do Agricultores Familiares Feirantes de Veredinha – AFAVE
Movimento dos Pescadores e Pescadoras Artesanais do Brasil - MPP
Centro de Desenvolvimento Agroecológico do Cerrado - CEDAC
Rede Nacional de Advogadas e Advogados Populares – RENAP
Coletivo Margarida Alves de Assessoria Popular
Laboratório Socioambiental do Centro de Estudos do Mar da UFPR
Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB)
GeografAR - Grupo de Pesquisa a Geografia dos Assentamentos na Área Rural (UFBA/POSGEO/CNPq)
Educação do Campo – UFRB
Pastoral da Juventude Rural – PJR
Movimento Luta de Classes - MLC
Associação Sindical dos Empregados Públicos da MGS - ASSEPEMGS
Sindicato dos Metalúrgicos de Mário Campos, Brumadinho e Região
Laboratório de Estudos Rurais (LAE-RURAL) da UFPE
Conferencia dos Religiosas e Religiosas do Brasil – CRB
NIISA - UNIMONTES - Núcleo Interdisciplinar de Investigação Socioambiental
OPARÁ - UNIMONTES - Grupo de Estudos e Pesquisas sobre comunidades tradicionais no Rio São Franco
SABEH - Sociedade Brasileira de Ecologia Humana
Grupo de pesquisa e documentário " Revisitando o São Francisco na trilha de Lutz e Machado" – FIOCRUZ (Stella Oswaldo Cruz Penido/ Eduardo Thielen)
Laboratório Socioambiental do Centro de Estudos do Mar - UFPR
AATR - Associação de Advogados de Trabalhadores Rurais
Movimento pelas Serras e Águas de Minas (MovSAM)
Movimento pela Preservação da Serra do Gandarela
SOS Serra da Piedade
Fórum Nacional da Sociedade Civil na Gestão de Bacias Hidrográficas (Fonasc-CBH)
Unidade Popular pelo Socialismo
Laboratório de Estudos Rurais (LAE-RURAL) da UFPE
O Movimento do Graal no Brasil
Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Buritizeiro – STR/Buri
Centro de Agricultura Alternativa do Norte de Minas – CAA/NM
Grupo de Estudo em Temáticas Ambientais – GESTA/UFMG
FASE Espírito Santo
[1] Membro da Comunidade tradicional de Canabrava e integrante do Movimento Nacional dos Pescadores e Pescadoras Artesanais do Brasil.
[2] Militante das Brigadas Populares e apoiador do CPP
[3] Religiosa da Congregação das irmãs da Divina Providencia, conselheira do CPP e agente da Comissão Pastoral da Terra-MG
[4] Superintendência do Patrimônio da União
[5] Ministério Público Federal
[6] Advocacia Geral da União