O cacique Babau Tupinambá decidiu se entregar à Polícia Federal na manhã desta quinta, 24, durante audiência unificada das comissões de Direitos Humanos da Câmara e do Senado, no Congresso Nacional, em Brasília (DF). A prisão temporária da liderança foi decretada pela Vara Criminal da Justiça Estadual de Una, município baiano.
(Fonte: Cimi)
“Tiraram nós do nosso território e agora continuamos no mesmo impasse. Estão querendo nos matar. Querendo, não, estão nos matando. Quero que este parlamento ou nos mate de uma vez ou faça alguma coisa. Daqui eu vou sair pra prisão, daqui a pouco”, disse Babau ao chegar à Câmara Federal. Babau disse ainda que não irá fugir: "Não devo nada. Tupinambá não foge. Vamos até o fim".
Depois de tentar viajar nesta quarta, 23, ao Vaticano para encontro com o papa Francisco, a convite da CNBB, o passaporte de Babau foi suspenso pela Polícia Federal, menos de 24 horas depois de emitido, por quatro mandados de prisão: três arquivados em 2010 e outro da Justiça Estadual de Una acusando-o de participação no assassinato de um pequeno agricultor, pelo qual agora Babau é levado para a carceragem da Polícia Federal.
Entre o assassinato do pequeno agricultor, no último dia 10 de fevereiro, e o mandado de prisão, no dia 20 do mesmo mês, se passaram dez dias. O inquérito policial que baseou a decisão da Justiça foi realizado em tempo recorde e sem efetivo policial suficiente, como declarou o próprio juiz em sua decisão pela prisão.
Também, foram ouvidas testemunhas denunciadas pelo próprio cacique e investigadas pela Funai como não-indígenas que se passaram por Tupinambá para acessar benefícios. As próprias testemunhas confessam no inquérito que efetuaram a prática ilegal.
Por outro lado, a delegada de Una que coordenou o inquérito policial e recomendou a prisão de Babau afirmou não tê-lo encontrado para prestar depoimento. Porém, o cacique esteve em Brasília três vezes, antes ou depois de iniciado o veloz inquérito policial, inclusive em companhia de agentes da Polícia Federal.
Entenda a prisão: Inquérito realizado em dez dias e depoimentos sem contraditório baseiam mandado de prisão contra Tupinambá
Por Renato Santana, do Cimi
Depoimentos de indivíduos beneficiados por fraude, e sem o contraditório, serviram para o juiz substituto Maurício Álvares Barra, da Vara Criminal da Justiça de Una, pedir no último dia 20 de fevereiro, há pouco mais de dois meses, a prisão temporária de Rosivaldo Ferreira dos Santos, o cacique Babau Tupinambá, acusado de estar envolvido na morte de um pequeno agricultor. Outras oito pessoas também tiveram a prisão temporária decretada. A liderança indígena pode ser presa a qualquer momento.
O inquérito policial que embasou a decisão do juiz durou apenas dez dias, entre o assassinato de Juracy José dos Santos Santana, em 10 de fevereiro deste ano, e o mandado de prisão. Além disso, o próprio juiz aponta o “contingente reduzidíssimo” da Delegacia de Polícia Civil de Una, contando apenas com dois policiais, sendo insuficiente para efetuar a investigação. Sem contar a greve da categoria na Bahia, que culminou com a prisão de um de seus líderes.
A delegada expressa no inquérito enviado ao juiz que não conseguiu encontrar o cacique Babau, apesar de ter realizado diligências, inclusive com o apoio da Polícia Federal, para tomar-lhe depoimento. Porém, a liderança indígena esteve três vezes em Brasília no período referido pela delegada, inclusive junto aos agentes federais. Além disso, fez reuniões com o comando da operação do Exército, presente em Una e Buerarema, na aldeia Serra do Padeiro.
Escreve a delegada ao juiz: “(...) Provavelmente (os acusados) tentam esquivar-se da ação policial e subsequentemente da ação judicial e, na certeza da impunidade, logo voltarão a fazer novas vítimas”. A delegada, porém, não faz referência, em sua ‘criteriosa’ e ‘laboriosa’ investigação, ao fato do cacique Babau fazer parte do Programa de Defensores de Direitos Humanos do governo federal e só se locomover com o devido conhecimento do programa.
Mesmo sem o contraditório e investigações mais exaustivas, uma vez que não há efetivo de policiais garantidos pelo Estado no município de Una, o juiz substituto afirma em sua decisão pela prisão que “colheu-se que um dos principais suspeitos da execução era um dos pequenos agricultores (...) arregimentados pelo Cacique Babau para ‘virar índio’ (...)”. Este pequeno agricultor chama-se Cleildo, também com mandado de prisão decretado.
Conforme relata o juiz em sua decisão, Cleildo é “cria” do cacique Babau e teria sido arregimentado pela liderança em 2005. Outro cacique, Pascoal, compunha o trio que ameaçava, conforme o inquérito policial, Juracy, de forma insistente, inclusive cortando “uma das patas de cachorro de Juracy”. De acordo com os “fatos expressados pelos próprios depoimentos”, outra pessoa, conhecido por Negão da Touca, “fora executada nesse ano com mesmo modo de atuação”.
“O depoente (...) tomou conhecimento que após morto Juracy teria a orelha cortada (...) sendo que a dita orelha era para ser entregue ao Cacique Babau, pois, é uma das exigências que o mesmo faz, de que receba uma das orelhas de todas as suas vítimas, fato já comprovado em crimes na região”, diz trecho da decisão do juiz Barra.
Com a determinação do juiz, além de outros três mandados de prisão arquivados em 2010 e exumados pela PF, a liderança indígena não conseguiu viajar para o Vaticano na tarde desta quarta, 23, onde iria encontrar com o papa Francisco e a ele entregar um documento denunciando as violações aos direitos indígenas no Brasil.
A mesma celeridade dos advogados da União (AGU) em defender grandes empreendimentos e leilões de petróleo não se viu no caso de Babau Tupinambá. Tais advogados não moveram uma palha contra o mandado de prisão do indígena, expedida por um juiz substituto de 1ª Instância. Ao contrário do que ocorre quando, por exemplo, as obras da UHE Belo Monte são paralisadas judicialmente, em instâncias superiores, e em poucas horas são retomadas.
Testemunhas no inquérito
Documentação levada ao conhecimento da Funai, nos últimos anos, conforme relata o cacique Babau Tupinambá, revela que testemunhas ouvidas pelo inquérito policial cometeram crimes para a obtenção de benefícios do órgão indigenista. A Funai abriu um procedimento interno e suspendeu os benefícios destes indivíduos.
No inquérito, a delegada inverte os papéis e envolve o cacique Babau neste crime que ele mesmo vem denunciando há tempos. A delegada, então, tomou por base testemunhos de pessoas que tiveram o esquema desmantelado pelo próprio cacique. O juiz substituto, por sua vez, é induzido ao erro sem ter em mãos nada que prove as graves acusações feitas a Babau.
No depoimento, as testemunhas ouvidas pela delegada mostram total desconhecimento da organização social Tupinambá apontando Babau como cacique-geral do povo, quando cada aldeia possui um cacique. São quase trinta aldeias e mais de 20 caciques na Terra Indígena Tupinambá de Olivença, identificada entre 2009 e 2011 e que desde então aguarda a assinatura, por parte do ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, da portaria declaratória.
Mandado de prisão
O mandado de prisão do juiz substituto Maurício Álvares Barra contra Babau está em vigor há mais de 60 dias, porém seguia em segredo de justiça. Apenas na manhã do último dia 17, menos de 24 horas depois de o cacique ter recebido o passaporte para viajar ao Vaticano, a determinação da prisão temporária veio à tona.
Por que então o mandado de prisão da Justiça Estadual não tinha sido cumprido? O que a polícia e a própria Justiça estariam esperando para prender alguém que, de acordo com um depoimento, coleciona as orelhas de suas vítimas? Teria competência o juiz substituto da Justiça Estadual de Una para pedir a prisão de um indígena?
Só foi possível descobrir a existência deste mandado por intermédio da Polícia Federal (PF). Depois de tentar impedir a viagem do cacique utilizando mandados de prisão arquivados em 2010, a PF informou que outro mandado de prisão, o de Una, estava em vigor e que a Polícia Civil do município pediu ajuda para efetuar a prisão de Babau.
A tentativa da PF de se eximir da responsabilidade da suspensão do passaporte de Babau, e do consequente impedimento da liderança viajar, acabou revelando uma estratégia bem definida para efetuar a prisão da liderança. A ida dele ao exterior para agenda de denúncias parece ter adequado conjuntura propícia.
Nesta quarta, 23, a liderança indígena deveria ter embarcado para a Itália. Na tarde de amanhã, horário de Roma, o cacique participaria de celebração ao lado do papa Francisco, no Vaticano. Na ocasião, Babau entregaria ao pontífice as denúncias e falaria aos jornalistas sobre as violações dos direitos indígenas no Brasil.
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