A condenação de Regivaldo "Taradão" será um passo importante no combate à violência e à impunidade no campo no Pará, Estado onde 62% dos crimes agrários nas últimas décadas sequer foram investigados
NOTA À IMPRENSA
JURI DE REGIVALDO GALVÃO, PRINCIPAL MANDANTE DO ASSASSINATO DE DOROTHY STANG
Regivaldo integrava de uma quadrilha especializada na prática de vários crimes Fraudes, agiotagem e desvios de recursos públicos - Investigações realizadas pela Polícia Federal e Ministério Público Federal a partir de 2001, comprovaram que Regivlado Pereira Galvão representava um dos principais elos da organização criminosa especializada em grilagem de terras públicas, uso de pistolagem e desvios de recursos públicos da extinta SUDAM. Sua casa funcionava como um “banco da organização”, auxiliando nas fraudes e na lavagem do dinheiro adquirido mediante os projetos fraudulentos e fornecendo capital para que a quadrilha pudesse implementar os negócios paralelos. A Polícia Federal apreendeu em seu “banco de financiamento doméstico”, o total de R$ 9.000.000,00 (nove milhões de reais) em moeda circulante.
Foi denunciado por crimes de formação de quadrilha, estelionato e outros, na Justiça Federal do Estado do Tocantins. Regivaldo, também conhecido como ‘Taradão’, fazia parte da “engrenagem de uma azeitada máquina fraudadora, denominada máfia da Transamazônica, que por muitos anos sugou milhões dos cofres públicos”, afirma o MPF. Ainda segundo as investigações, Regivaldo era um dos principais operadores do esquema criminoso, por ter fortes ligações com políticos regionais e com o então senador e atual deputado federal, Jader Barbalho.
Grilagem de terras públicas, uso de laranjas, violência e pistolagem - O lote 55 da Gleba Bacajá, local onde a Missionária Dorothy Stang foi assassinada, estava na área de interesse do grupo de fraudadores da SUDAM. As negociatas em torno do lote é um exemplo claro de como agia a quadrilha de Regivaldo. De acordo com documentos juntados no processo-crime que apura o assassinato da missionária, Regivaldo e Bida contaram quase uma dezena de versões tentando encobrir os negócios fraudulentos, para se apropriarem ilegalmente do lote e a dissimular a sociedade que os dois mantinham sobre o 55 e em outros lotes. Para não aparecer, Regivaldo usava ‘laranjas’ em seus negócios. Valdivido Felipe era o principal. Além de ser seu ‘laranja’ e ‘testa de ferro’ era também seu pistoleiro, juntamente com Dominguinhos. Por várias vezes Dorothy os denunciou por andarem armados, expulsarem violentamente trabalhadores do PDS e os ameaçarem de morte a mando de Regivaldo.
Bida era seu sócio nos crimes praticados no lote 55 - A defesa de Regivaldo tenta, a todo custo, provar que ele deixou de ser sócio de BIDA no Lote 55 em abril de 2004, mas, esse álibi é derrubado pela farta documentação juntado ao processo, que comprova a sociedade antes e depois da morte da missionária: a) em 11/05/2004, quando Regivaldo é chamado no INCRA de Altamira para esclarecer expulsões violentas de famílias do PDS e desmatamento ilegal, ele comparece ao INCRA, acompanhado de Vitalmiro, se diz dono dos lotes 55,83 e 85 da Gleba Bacajá e apresenta Bida como seu sócio nos lotes; b) em 26/06/2004, ocorre uma operação conjunta da Polícia Federal, TEM e IBAMA no lote 55. São encontrados 13 trabalhadores em regime de escravidão. Todos afirmam que foram contratados pelo “gato” Dominguinhos e que a fazenda pertence a Regivaldo, o Taradão. Mas, é Bida, junto com seu irmão Vander, que aparece para assumir a responsabilidade pelas obrigações trabalhistas e afirmam serem os donos da área. No entanto, quem paga as verbas trabalhistas e recorre das multas é Regivaldo; c) em 14/09/2004, um grupo de posseiros da Gleba Bacajá, procura o INCRA, denunciando que estavam sendo ameaçados de morte por um senhor de nome DIVINO, gerente de Taradão, caso não saíssem da área; d) em 15/09/2004, novamente comparecem ao INCRA Regivaldo e Bida e reafirmam que são sócios. O INCRA certifica que os posseiros estão ocupando o Lote 79 e não o 85, constata que Regivaldo fez um desmatamento de 500 hectares nesse lote e jogou capim de avião nas roças dos posseiros; e) em 25/03/2009, Regivaldo é denunciado pelo Ministério Público Federal (foi preso semanas antes), por determinação da Justiça Federal de Altamira, pelos crimes de invasão de terra pública e estelionato. Após ter sido solto, em razão de seu envolvimento na morte de Dorothy, Regivaldo tenta se apropriar novamente do lote 55.
As denúncias de Dorothy contra Regivaldo Galvão e Vitalmiro - A partir do ano de 2004 e início de 2005, chama a atenção o grande número de denúncias feitas por Dorothy, através de cartas e documentos endereçados a diversas autoridades contra os crimes praticados pela organização criminosa chefiada por Regivaldo Pereira Galvão e seu sócio Bida: a) 14/06/2004, Dorothy presta depoimento à Polícia Civil e denuncia vários fazendeiros por uso de pistoleiros, violência contra os trabalhadores, grilagem e desmatamento, entre eles Regivaldo: “Que quanto ao indivíduo Regivaldo Pereira Galvão, conhecido como Taradão, contrata homens que utilizam máquinas para derrubar a floresta e incendeia a mata, expulsando os colonos da área”; b) 16/06/2004, carta de Dorothy a autoridades federais, denunciando grande derrubada de floresta feita por Regivaldo Galvão: “A polícia federal não está visivelmente presente no Anapú. Ninguém de Anapú sabe onde estão. O povo pede a presença urgente, hoje, 16 de junho, para paralisar a derrubada de Taradão no lote 55/Bacajá (...)”; c) 09/11/2004, carta de Dorothy à Procuradoria da República denunciando ação armada de Dominguinhos, gerente de Regivaldo, e seus pistoleiros contra trabalhadores no lote 57 da Gleba Bacajá. Diz que em 2003, Regivaldo fez grande derrubada ali: "Quinta- feira, 4 de novembro, um gerente Dominguinhos armado de revólver 38 com dois homens armados de espingarda 20 ameaçaram 7 posseiros de sair imediatamente das suas posses do lote 57 da gleba Bacajá de Anapú. (...)IBAMA em outubro 2003 identificou uma derrubada clandestina sendo feita e o documento do IBAMA identificou como algo de Regivaldo Pereira Galvão “Taradão”; d) 09/01/2005, Dorothy encaminha carta-denúncia à corregedoria da polícia, solicitando providências urgentes sobre violências sofridas pelos colonos no lote 55. Denuncia ‘Tato’, “invasor não identificado”, por ter destruído o barraco do trabalhador Luiz Morais e diz: “que este afirmava ter comprado a terra de Bida – Vitalmiro B. Moura, multado em 3 milhões de reais em poucos dias nessa terra. Bida declarou que comprou de Taradão, Regivaldo P. Galvão que fez serviço nessa terra em junho de 2004 e o serviço era trabalho escravo (..). o gerente de Bida é Dominguinhos que representa Taradão – Bida e Zé Roberto de Andrade Vieria. O seu gerente, Dominguinhos, desde que Zé Roberto comprou de Taradão. Desde 4 de novembro e aterroriza com homens armados e queimando as casas dos posseiros”; e) 10/01/2005, Dorothy encaminha documento ao INCRA Belém. Descreve a situação de ameaças e violência contra os colonos e crimes ambientais nos 21 lotes da Gleba Bacajá: “Lote 55: Invadido por Taradão, trabalho escravo, multado em 6/2004. Vendeu para Bida, Vitalmiro Bastos de Moura, derrubou e queimou 1.000 ha, 3 milhões de multa. Está agora derrubando de trator, vendeu 4 lotes de 150 ha beirando a nova estrada sendo feita pelo INCRA. O comprador invadiu a casa do posseiro Luiz e usando a casa de armazém de capim. Está jogando capim na queimada feita por Bida, destruindo as roças dos posseiros e a mata em conjunto. Domingo 9/01, queimou quatro casas. Lote 57: invadido por Taradão que neste novembro de 2004 vendeu para um Zé Roberto Andrade Vieira, dono de farmácia moderna em Parauapebas”.
Operações da PF, INCRA e IBAMA para apurar as denúncias - As denúncias de Dorothy e dos movimentos sociais de Anapú contra o grupo de Regivaldo e Vitalmiro fizeram com que o INCRA, IBAMA, MPF e PF desencadeassem uma série de operações na Gleba Bacajá. Regivaldo e Vitalmiro sofreram pesadas multas e tiveram suas prisões solicitadas pela PF: a) 17/09 a 10/10/2003, operação do INCRA, PF e IBAMA em Anapu e Gleba Bacajá identifica três desmatamentos nos lotes 55 e 57. Taradão é autuado como autor. Há apreensão de trator, moto, espingarda, motor e motosserras; b) 28/06/2004, operação conjunta da PF, MTE, IBAMA no lote 55, 13 encontra pessoas trabalhando em regime de escravidão; c) 02/07/2004, a PF pede a prisão de Regivaldo Galvão, Vitalmiro Bastos, Vander, Dominguinhos e outros, pelos crimes de formação de quadrilha, grilagem de terra pública, ameaça, redução de trabalhadores a condição análoga a de escravo, frustração de direitos assegurados por lei trabalhista, aliciamento de trabalhadores e porte ilegal de armas; d) 27/08/2004, operação do IBAMA e PF no lote 55, retira 54 trabalhadores em regime de trabalho escravo. São apreendidos 34 motosserras e aplicada multas pelo IBAMA a Vitalmiro, no valor de R$ 1.500.000,00, por desmatamento ilegal; e) 05/10/2004, o IBAMA multa Regivaldo por desatamento e queimada ilegal de 500 ha de floresta, na fazenda Vale do Surubim, lote 83, no valor de R$ 750.000,00. Há uma segunda multa no mesmo valor por queimada ilegal da mesma área, apreensão de um trator de pneu, 500 estacas de acapu, bens no valor de 32 mil reais; f) 06/11/04, o IBAMA multa novamente Bida, valor de R$ 1.500.000,00, por queimada ilegal de mil hectares de floresta no lote 55.
Regivaldo atribui a Dorothy as denúncias contra ele e Bida e planejam sua morte: a) 11/05/2004, Regivaldo é chamado a se explicar junto ao INCRA de Altamira sobre denúncias de expulsões, ameaças e desmatamento ilegal. Regivaldo, acompanhado de Vitalmiro, exige do executor do INCRA que entregue a relação das pessoas que o haviam denunciado. Como foi negado, Regivaldo disse que sabia de quem se tratava e que seria “O PESSOAL DAQUELA IRMÃ DOROTHY, DE ANAPU”; b) ao prestar depoimento à PF em 07/04/2005, Regivaldo confirma ter conhecimento de várias denúncias que Dorothy havia feito sobre suas atividades: “Que o declarante tem conhecimento de que Irmã Dorothy fez várias denuncias contra a sua pessoa relacionadas à questão agrária, acreditando que tais fatos aconteciam porque Irmã Dorothy achava que as terras em conflito pertenciam ao declarante”; c) 12/01/2005, Regivaldo, ao ser informado por Vitalmiro e Tato das reuniões promovidas por Dorothy com o INCRA para a criação do PDS no lote 55 e dos conflitos com os colonos apoiados pela missionária, sentencia: “ENQUANTO NÃO SE DER UM FIM NESTA MULHER NÓS NÃO VAMOS TER PAZ NESTAS TERRAS EM ANAPÚ”; d) Última semana de Janeiro de 2005 - BIDA fica responsável por organizar a ação criminosa que objetiva de ceifar a vida de Dorothy. Contrata os serviços de um pistoleiro profissional da cidade de Marabá, conhecido como SAINTCLAIR. De acordo com depoimento de TATO, o pistoleiro passou uma semana em Anapu para fazer o serviço, não deu certo porque Dorothy estava viajando e não retornou naqueles dias: e) Primeira semana de Fevereiro de 2005 - TATO volta a procurar BIDA em Anapu para lhe falar dos problemas que estava tendo com os colonos apoiados por Dorothy no lote 55, tendo BIDA autorizado TATO a oferecer 50 mil reais para Rayfran das Neves assassinar a missionária. “FALA COM RAIFRAN QUE SE ELE QUISER TEM 50 MIL PARA MATAR A IRMÃ DOROTHY’; que Bida ainda acrescentou que o valor de 50 mil seria pago por ele próprio (Bida) e também por Regivaldo, vulgo Taradão”.
Pressões, ameaças e compra dos depoimentos de Tato, Rayfran e Clodoaldo: a) 12/04/2005, Elisabete Coutinho, esposa de Tato, presta depoimento à PF denunciando as pressões sobre seu marido para inocentar Bida e Regivaldo. “(...) Que nos telefonemas TATO se queixou que estava sendo muito pressionado e chantageado; (...) ficou claro que as pressões objetivavam fazer com que Tato não falasse verdades que incriminassem Bida e Regivaldo; (...) Que VALDIR, irmão de BIDA, tem feito diversos contatos com a depoente, via telefone; Que em todos os contatos VALDIR, tenta convencer a depoente a viajar para Belém, PA para convencer Tato a alterar seu depoimento, inocentando BIDA e TARADÃO; (...) VALDIR chegou a oferecer inúmeras vantagens à depoente para que a mesma convencesse seu marido a assumir a culpa do homicídio da Irmã Dorothy sozinho; Que, na ocasião, VALDIR ofereceu uma casa, R$ 100.000,00 (cem mil reais), além da dívida já descrita, pagamento de advogado, pagamento do carro que foi queimada (F350) e no caso de condenação de TATO o financiamento de sua fuga; b) 15/04 e 05/05/2009, Clodoaldo presta depoimento ao Ministério Público e Secretaria de Justiça afirmando que Regivaldo e Bida pagaram 300 mil reais a Tato pela gravação do DVD usado no julgamento que absolveu Bida: “Que o DVD que foi apresentado no último julgamento de Vitalmiro, quando este foi absolvido, custou R$ 300.000,00; Que é de conhecimento do declarante que no ano de 2008, a senhora ELISABETE COUTINHO, esposa de AMAIR FEIJOLI (TATO), viajou para o município de Altamira, onde se reuniu com VITALMIRO, REGIVALDO PEREIRA GALVÃO e o gerente de BIDA (conhecido por “Neguinho”); QUE nessa reunião a Sra. Elizabete Coutinho cobrou o restante do pagamento referente ao compromisso da gravação do DVD, e caso não fosse pago, ela levaria ao conhecimento do juiz um documento assinado por VITALMIRO BASTOS DE MOURA;”.
Não resta dúvida quanto à participação de Regivaldo Pereira Galvão como chefe da quadrilha que planejou e executou o crime que ceifou a vida de Dorothy. Sua condenação será um passo importante no combate à violência e à impunidade no campo no Pará, Estado onde 62% dos crimes agrários nas últimas décadas sequer foram investigados e o único mandante condenado cumprindo pena preso é Vitalmiro Bastos de Moura, conforme dados da CPT Pará.
Dorothy vive na luta do povo!
Belém-PA, 27 de abril de 2010.
Comissão Pastoral da Terra – CPT Regional Pará
Comitê Dorothy