Por Pe. Francisco de Aquino Jr*
*Doutor em Teologia, presbítero da Diocese de Limoeiro do Norte/CE, professor de teologia da Faculdade Católica de Fortaleza (FCF) e da Universidade Católica de Pernambuco (Unicap)
Do Boletim Rede de Cristãos | Artigo publicado no site do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), 08-08-2023
No dia 17 de maio deste ano, a Câmara dos Deputados instalou uma Comissão Parlamentar de Inquéritos (CPI) para investigar o MST. Articulada e controlada pela bancada ruralista e seus aliados, essa CPI é mais uma tentativa de criminalizar o MST e as lutas por Reforma Agrária e desviar a atenção da apuração dos atentados golpistas de 8 de janeiro.
A concentração da terra é uma das principais causas da desigualdade social e da fome do Brasil. Dados do Censo Agropecuário de 2017 revelam que, enquanto 1% dos imóveis do campo (acima de mil hectares) concentra 47,5% das terras agrícolas, 50% das propriedades (até 10 hectares) ocupam apenas 2,28% das terras. Nunca se fez reforma agrária no Brasil. E o pouco que se conseguiu é fruto de muita luta e até de muito sangue.
Segundo a Comissão Pastoral da Terra (CPT), entre 2013 e 2022 foram assassinadas 424 pessoas em conflitos no campo. Só em 2022, foram registrados 2.018 conflitos, envolvendo 909.450 pessoas e 47 assassinatos. Essa situação mostra a importância e a necessidade de movimentos camponeses como o MST. Eles são fundamentais na luta por Reforma Agrária e na defesa das famílias camponesas e de seus territórios. E justifica a necessidade de ocupação de terras como meio ou forma de pressão social e política. Sem organização, sem luta, sem ocupação não haverá Reforma Agrária nem justiça social no campo. E isso não é crime, é direito. Não é caso de polícia nem de CPI, mas de justiça social.
Crime é negar a função social da propriedade. Crime é deixar 33 milhões de pessoas passando fome. Crime é destruir o meio ambiente. Crime é atentar contra as leis de proteção ambiental, ‘abrindo a porteira para a boiada passar’. Crime é invadir terras indígenas, quilombolas e camponesas. Crime é formar milícia no campo e assassinar trabalhadores/as. Crime é trabalho escravo. E quem faz isso não é o MST nem os movimentos sociais… A propriedade privada é um direito legítimo e constitucional que deve ser garantido e protegido. Mas é direito de todos e não apenas de uma pequena elite que sempre usou o Estado para manter e ampliar seus privilégios. E não é um direito absoluto.
A própria Constituição Federal de 1988, ao falar dos direitos e deveres individuais e coletivos e coletivos (art. 5º), fala da “função social” da propriedade (inciso XXIII). Ela não pode estar acima dos direitos coletivos e atentar contra o bem comum da sociedade.
A Igreja católica, ao mesmo tempo em que afirma o direito de propriedade, insiste na função social da propriedade. Pio XI chama atenção para o caráter “individual e social” da propriedade (QA 45). Pio XII recorda que o direito de “propriedade” está subordinado ao direito mais fundamental e universal de “uso dos bens” (Rádio mensagem 01/06/1941). João XXIII insiste na “função social” da propriedade (MM 18, 27, 116). Paulo VI é ainda mais claro: “a propriedade privada não constitui para ninguém um direito incondicional e absoluto”; “o direito de propriedade nunca deve exercer-se em detrimento do bem comum (PP 23); “o bem comum exige por vezes a expropriação, se certos domínios formam obstáculos à prosperidade coletiva, pelo fato de sua extensão, de sua exploração fraca ou nula, da miséria que daí resulta para as populações, do prejuízo considerável causado aos interesses do país” (PP 24).
João Paulo II reafirma que “o direito à propriedade privada está subordinado ao direito ao uso comum, subordinado à destinação universal dos bens” (LE 14). E Francisco recolhe e sintetiza bem essa reflexão: E Francisco recolhe e sintetiza bem essa reflexão: “o princípio da subordinação da propriedade privada ao destino universal dos bens e, consequentemente, o direito universal ao seu uso é uma ‘regra de ouro’ do comportamento social e o ‘primeiro princípio de toda ordem ético-social” (LS 93); “o direito à propriedade privada só pode ser considerado um direito natural secundário e derivado ao princípio do destino universal dos bens” (FT 120).
Isso explica e justifica o empenho da Igreja em favor da Reforma Agrária e sua colaboração com os movimentos sociais que lutam para efetivar esse direito fundamental, bem como a defesa desses movimentos quando são atacados e criminalizados por sua luta pela Reforma Agrária e por justiça social. Está em jogo aqui a “destinação universal dos bens” que é condição para a justiça social, o bem comum e a paz social.“
Deus abençoe o MST e os movimentos que lutam por Reforma Agrária. Que continuem organizando o povo e ocupando terra, produzindo alimentos saudáveis e garantindo segurança alimentar.
Reforma agrária, já!!!! Viva o MST!!!