COMISSÃO PASTORAL DA TERRA

 

Mulheres agentes da CPT no Maranhão refletem sobre a luta por territórios livres no campo e a luta das mulheres por corpos como "territórios"livres também. Confira:

“Defender o território-terra e não defender o território-corpo das mulheres é uma incoerência política”. Lorena Cabnal (Feminista Comunitária da Guatemala)


LINALVA CUNHA CARDOSO SILVA* 
JAQUELINE FREITAS VAZ** 
SILMARA MORAES DOS SANTOS***
(foto: Andressa Zumpano)

As mulheres dos territórios maranhenses acompanhados pela Comissão Pastoral da Terra – Regional Maranhão, reivindicam e almejam o lugar, a terra, o corpo como territórios “livres”, nesse caso, sem as aspas que trazemos e que nos remetem a tantos problemas que nos levam a construir, junto a elas, caminhos para romper com a ausência de liberdade sob as várias formas de violência e violações de direitos por elas sofridas. Para tanto, poder (re) conhecer que a identidade pode ser um importante ato revolucionário nesse processo de luta, muito contribui para que essas demarquem um posicionamento de toda essa rede de vida plural, existente nos territórios e que, para as mulheres, têm se manifestado na defesa da terra, do corpo e do território enquanto lugar de morada, de passagem e expansão de tudo que se aprende e se compartilha enquanto sagrado e atemporal.

Como exemplo disso temos as mulheres do Quilombo Lagoa Grande, situado no município de Presidente Vargas, região Norte do estado, a 165 km de São Luís (MA). A origem do quilombo vem das inúmeras fazendas de escravos que existiam naquela região, sendo ela também conhecida como: terras de pretos do Vale do Munim, segundo José Reinaldo Miranda de Sousa. Uma região, também conhecida como território das águas, banhada pelo Rio Munim. O Quilombo Lagoa Grande tem 28 mil ha e possui lagos e lagoas diversas, uma delas deu nome ao lugar, e justamente nestas águas é que foi possível experienciar as manifestações de cuidados e práticas que religam as mulheres a este chão, como verdadeiras guardiãs do sagrado. Elas fazem a proteção através do plantio das matas ciliares e a conservação das águas, principalmente das nascentes que são, segundo elas, a morada das mães d’águas, seres encantados que fazem a defesa física e espiritual do território. Dentre as práticas herdadas por suas ancestrais, está a proibição do uso de qualquer produto de origem industrial, já que essas águas também são utilizadas para lavar roupas e para fins domésticos.

Trazer à tona os cuidados, a luta e resistências secular das mulheres de Lagoa Grande é, acima de tudo, sublevar uma percepção sobre o modo de fazer, de criar e de viver dessas mulheres que (re) significam essa luta perene demonstrada em muitos aspectos como: nas práticas de feitura e ingestão dos remédios caseiros, do artesanato do babaçu, na escolha das sementes para plantar, no ciclo lunar de colheita das ervas e das cascas de árvores, nas danças, nas músicas, no chacoalhar dos maracás, no batuque do tambor,  na lida na roça, no cuidado e proteção com os igarapés, na personificação das palmeiras de babaçu, denominadas por elas como mães-palmeiras, na quebra do coco, na feitura do azeite e em tantas outras relações construídas ao longo dos tempos que fortalecem uma luta política, por muitas vezes, sufocada pela invisibilidade e, portanto, pelas violências plurais /sofridas por elas em seus territórios. 

Mesmo silenciadas e oprimidas, essas mulheres preservam o ofício de parteiras, benzedeiras e mães de santos, que usam da arte, da cultura e da manifestação religiosa para apresentarem seus conhecimentos empíricos de cura do corpo e da alma. E tem sido através das ervas, dos chás e dos banhos que essas mulheres resistem, se fazem presença e são sementes “sábias e misteriosas” (ESTÉS, 2007, p. 48) dentro do território, lançando-se em diferentes situações. Esse conhecimento por elas adquirido, sobre seus corpos, sobre as vivências de suas ancestrais e o modo como isso chega às mulheres jovens das comunidades, diz muito sobre o que, segundo elas, tem relação com a natureza, com a proteção que fazem dela e com as ervas que curam umas às outras, principalmente em relação às doenças sofridas pelas mulheres, causadas também, pelas violências físicas, psicológicas e moral sofridas, muitas delas, por seus parceiros e lideranças locais.

Por muitos aspectos, essas mulheres vêm reafirmado sua existência enquanto categoria coletiva que politiza seu modo de fazer, dentro do “campo da significação ambiental” (ALMEIDA; DOURADO, 2013, p. 28). Pois, a proteção e o cuidado com o território perpassam, segundo elas, por saberes, pela reafirmação da identidade dentro dos processos plurais existentes principalmente, dialogando com a importância dessas experiências dentro de um contexto socioeconômico, cultural, político e ambiental, com base em suas raízes históricas.

Em resposta às ameaças ao patriarcado e ao sistema capitalista vigente, que se retroalimentam e se apresentam em diversas formas através dos grandes projetos existentes como: os linhões, a plantação de eucalipto, a soja, a mineração, as barragens, os portos e o MATOPIBA, que incidem sobre os territórios e corpos, principalmente das mulheres, elas têm fortalecido ainda mais sua organização política, enquanto guardiãs nos territórios, e, com isso, demonstram uma simbiose existente entre elas e a natureza, de modo que essa luta seja constante, pois defender o corpo da mãe terra, é defender o seu próprio corpo e das futuras gerações. Assim, as dores sentidas nos corpos físicos são entendidas por elas como dores sentidas pela própria mãe terra, conforme cita Dona Lucimar Sousa: “O corpo da mulher é um território, e esse território precisa ter saúde, física e mental, se a mulher fica doente, o território todo adoece, pois é ela que ajuda a cuidar dele. Por isso que temos que ter o nosso território vivo para poder plantar o nosso alimento sem veneno, com o uso do veneno, nós e o território morremos”.

*Agente da CPT/MA do Sub-regional Centro Sul na coordenação do Projeto Rede de Ação Integrada de Combater a Escravidão - RAICE nos municípios de Codó e Timbiras/ MA.
**Agente voluntária da CPT/MA no Sub-regional Centro Sul no Projeto Raice em Codó e Timbiras/MA.
***Agente da CPT/MA do Sub-regional Norte e coordenadora da equipe Norte.


REFERÊNCIAS:

ALMEIDA, Alfredo W. B. de; DOURADO, Sheilla Borges (Orgs.); ed. Ver. E aum. Conhecimento tradicional e biodiversidades: normas vigentes e propostas identidade coletiva e reivindicações. Manaus: UEA Edições: PPGSA/ PPGAS, UFAM, 2013.
ESTÉS, Clarissa Pinkola. A ciranda das mulheres sábias: ser jovem enquanto velha, velha enquanto jovem. Tradução de Waldéa Barcellos. – Rio de Janeiro: Rocco, 2007.

 

Save
Cookies user preferences
We use cookies to ensure you to get the best experience on our website. If you decline the use of cookies, this website may not function as expected.
Accept all
Decline all
Read more
Analytics
Tools used to analyze the data to measure the effectiveness of a website and to understand how it works.
Google Analytics
Accept
Decline
Unknown
Unknown
Accept
Decline