COMISSÃO PASTORAL DA TERRA

 

O texto a seguir foi construído por meio de um processo de escuta, durante o “levante da Esperança”, ocorrido na audiência pública sobre a Reforma da Previdência, realizada no último dia 17 de maio, no município de Esperança/PB. A atividade promovida pelo Polo Sindical da Borborema, juntamente com políticos locais, contou com a participação de camponeses, camponesas, juventude e suas organizações, além de parlamentares do estado e da região. As falas e depoimentos da juventude e dos camponeses e camponesas, nesta audiência, me remeteram à tarefa profética da denúncia e também do anúncio da Boa Nova, assim como fez Jesus de Nazaré, assassinado por sua fidelidade na defesa da vida. Presente na atividade representando a CPT, escuto, nessas falas, o chamamento para continuarmos nas ruas, defendendo a vida aonde ela estiver sendo ameaçada, e isso me fez pensar um pouco mais sobre o nosso “que fazer?”.

(Por Vanúbia Martins – Agente pastoral da CPT em Campina Grande (PB) e coordenadora regional da CPT NE2 / Foto: Ingrid Barros)

Levantar a Esperança

Ser pastoral, ser cristã/ao é ter a ética de denunciar graves ameaças à vida, especialmente à vida dos/as mais vulneráveis. Então, a pergunta não cala: onde estão as igrejas locais? Estão no dia a dia da vida do povo, pela paz e na luta por justiça. Não é essa a nossa tarefa? Um constante tempo de manifestar nosso repúdio às tentativas de morte ao povo? Uma constante luta junto dos vários grupos para garantir direitos que são retirados ou negados aos trabalhadores e às trabalhadoras do campo e da cidade? Direitos esses – sejam legais, constitucionais ou legítimos – sempre frutos de conquistas e lutas do povo organizado.

Lembro que a Constituição Federal de 1988 fora escrita a várias mãos, na medida do possível, e é fruto de lutas e angústias dos filhos e das filhas deste país, vítimas do genocídio indígena e da escravidão. Este povo em ebulição foi quem apontou a necessidade de construir ações para o equilíbrio do meio ambiente; para a proteção da saúde de qualidade e universal (construiu o SUS); para a educação pública de qualidade e em sintonia com as diferentes culturas; assim como para uma alimentação adequada, que fala das tradições; além de trabalho, moradia digna, transporte, lazer, segurança (há alguns anos perdendo de 7X0 para o crime organizado), previdência social, proteção à maternidade e a todas as pessoas desamparadas.

Mesmo com essa construção, para os excluídos e excluídas, a vida sempre se misturou à luta para que o Estado cumprisse sua obrigação constitucional. Bom dizer também que esta cobrança gerou anos de acusações e perseguições àqueles e àquelas que lutam por justiça. Matar quem luta por justiça não é novo no Brasil, mas o derramamento de sangue de quem defende a Vida tem piorado e se ampliado.

Na disputa entre “excluídos e excluídas” e “homens de bem(ns)”, nos deparamos constantemente com a defesa “incontestável” da economia em detrimento das vidas. Precisamos sempre lembrar, como reza ou como mantra, que “somos fruto de uma educação colonialista e colonizadora”. Precisamos desaprender para não propormos, como saída, mais do mesmo, nem para negociarmos a vida.

Desde sempre, os direitos sociais tiveram menor peso na balança dos investimentos públicos. Poucos foram priorizados, e nos casos em que conseguiram ser efetivados, foram de modo fragilizado, ou apenas utilizados como cortina de fumaça para amenizar momentos de tensão e conflitos.

No atual momento, o Estado “emborca a cuia” e “vira do avesso” a ideia de melhoria na vida do povo, quando faz uma opção pelos cortes nos recursos públicos direcionados às populações mais vulneráveis. Esses cortes são como uma retaliação a um curto período de tentativas de cumprimento constitucional para a redução da pobreza extrema. Falamos apenas de 2001 a 2012, quando ocorreu um rompante de resgate da dignidade humana, mesmo sem mexer um milímetro nos problemas estruturais.

Essa retaliação foi elaborada por uma espécie de “ego ferido” que alardeia supostas dores advindas da “dignidade abalada” por terem que caminhar “juntos e misturados” nas universidades, nos shoppings e aeroportos com um Brasil bem brasileiro. A moral exposta esconde o velho medo de ver avançada a luta pela distribuição justa dos bens naturais do país, que pertencem, por direito, a este povo que somos, de várias cores e muitas nações; nações estas não reconhecidas pela maioria da população que se imagina “branca”, de uma “branquitude” imposta por uma educação colonizadora, descontextualizada e separa das vidas. Nessa lógica, seguem matando indígenas; retirando o direito à demarcação de seus territórios; e propagando discursos preconceituosos para justificar a grilagem de territórios de comunidades quilombolas.

A proposta da “Reforma da Previdência” e, no mesmo rumo, os cortes na educação pública apontam um verdadeiro desmonte não só de políticas públicas, mas de um país. Vê-se o desmonte do sistema previdenciário brasileiro, que tem uma matriz solidária, duramente conquistada para a proteção social de pessoas que, por vários motivos, estão expostas à vulnerabilidade social. A educação pública tem o caráter de mitigar dívidas históricas com o povo trabalhador, mas o governo atua exatamente para exterminá-lo e/ou colocá-lo “no seu devido lugar”: a ignorância e a senzala.

As mulheres não chegam do mesmo modo à cozinha e os/as negros/as jamais voltarão à senzala. Apesar da cultura escravista que nos impõem, somos um povo de comunidades onde cultura e natureza foi, é, e sempre será, nosso projeto de vida. Mesmo que alguns não nos considerem “civilizados/as”, preferimos nossa profana barbaridade a este “sagrado” que destrói. Estamos injuriados e injuriadas com a regra imposta. Qual regra? A regra de ampliar o sacrifício dos mais pobres, dos povos originários, dos negros, das mulheres, dos trabalhadores e das trabalhadoras rurais, das pessoas com deficiência; a regra de ampliar a falta de perspectiva. A falta dela está materializada no aumento do suicídio entre a juventude, que nos mostram com clareza o desânimo e as tristezas da alma.

Nós, gente do povo, queremos a liberdade de ser quem somos ao nosso modo, indígena, quilombola, camponês, camponesa. Não se trata da liberdade de comprar e, como dizem os Zapatistas, vender(se) no mercado para homogeneizar-se no vestir, no comer, no pensar e no repetir seguidamente o lema: “Ordem e progresso”, Deus, Pátria, família e Estado acima de tudo. Repito: prefiro nossa profana barbárie a este “sagrado”. E repito o que afirmam os subcomandantes Zapatistas: é necessário “construir nosso próprio caminho para a vida. O nosso [é] baseado em algumas das raízes das comunidades originárias (ou indígenas)”.

Adiante! Na construção da alegria e do Bem Viver porque somos irmãs e irmãos vivendo na mesma “casa comum”!

Adiante! Na fraternidade, na minoridade e na alegria do apego à terra!

Adiante! Esperançando e seguindo a ação do Espírito Santo que, livre das amarras do corpo, não cessa de agir!

Adiante! No agir em favor da justiça, porque o espírito é livre!

Adiante! Em favor das liberdades e das vidas!

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