COMISSÃO PASTORAL DA TERRA

 

Em novo artigo para a coluna #VozesDasMulheres do site da CPT Bahia, Maria Aparecida Jesus Silva, mulher negra e agente da CPT, fala sobre a investida ultraneoliberal do novo governo contra os direitos sociais e como isso impactará de forma mais dura sobre as mulheres, em especial as mulheres do campo. Confira:

(Maria Aparecida de Jesus Silva / foto: Ingrid Barros)

Embora tenhamos avançado na conquista dos direitos das mulheres em nível global, as desigualdades permanecem extremas e podem ser facilmente enxergadas com a verificação de dados estatísticos, ou simplesmente ao observar a rotina de homens e mulheres, sem a lente do patriarcalismo secular que corroi a sociedade. Desta forma, as políticas neoliberais retrógradas, adotadas nos últimos três anos no Brasil, têm consequências mais graves sobre as mulheres.

O governo de Michel Temer, aprovou a Reforma Trabalhista com a promessa de gerar empregos, entretanto, o desemprego já atinge 13 milhões de pessoas no país, afetando principalmente os(as) jovens, mulheres e negros(as). Segundo dados do segundo semestre de 2018 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o percentual de mulheres desempregadas é de 51%, enquanto pardos(as) e negros(as) corresponde a 64,1%.

Em relação aos homens, as mulheres brasileiras estudam mais, trabalham 73% a mais em casa, além do trabalho fora, onde ganham em média 76,5% do montante recebido pelos homens. Uma publicação recente da Revista Carta Capital (Maio, 2019), revelou que, além de trabalhar mais e nos empregos mais precários, a mulher negra e pobre, é quem mais paga impostos no país, dado o sistema de tributação, que não considera as desigualdades de renda e de acesso ao mercado de trabalho.

Para ilustrar esta realidade, gostaria de partilhar a experiência de dona Irá, trabalhadora diarista do Mercado do Produtor em Juazeiro (BA). Durante um Seminário da Campanha de Prevenção e Combate ao Trabalho Escravo na Bahia, realizado em 2016, na cidade de Senhor do Bonfim, a trabalhadora narrou sua saga, na luta pela sobrevivência, onde todos os dias acorda às 3h da manhã para deixar as refeições prontas. Do mercado do produtor até as fazendas, dona Irá e outras mulheres eram transportadas em caminhões baús, viajavam em pé e com as portas fechadas (imagino que o sistema de ventilação dentro de um transporte destes não é dos melhores).

Na fazenda, as mulheres realizavam a colheita, seleção e embalagem das frutas. O que mais me chocou durante o relato, foi o impacto deste tipo de trabalho para a saúde das mulheres, pois, lavavam o melão com água onde era adicionado um produto químico para garantir a conservação da fruta por mais tempo, essa água escorria diretamente sobre o corpo e com isso, muitas trabalhadoras passavam a apresentar doenças do colo do útero. O tempo de almoço era de uma hora apenas e recebiam por produção, para conseguir ganhar “alguma coisa”, ficavam até a noite e só chegariam a suas casas depois das 22h.

Imagino que ao chegar em casa, mesmo com todo o cansaço acumulado durante o longo dia, muitas, teriam que fazer a limpeza e organização do lar, para novamente se levantar na madrugada. Outro fato que não posso deixar de citar, é a disputa pela vaga de trabalho, mesmo chegando muito cedo ao Mercado do Produtor, diversas pessoas, tanto homens quanto mulheres, não conseguiam a diária, desolados(as), ou se entregavam a cachaça ali mesmo, ou voltavam para casa, retornando ao mesmo ponto no dia seguinte.

A experiência relatada não é uma exceção, mas a forma como o trabalho está organizado no Brasil. Gerar precariedades e exércitos de excluídos(as), é próprio do sistema capitalista com finalidade de garantir mais exploração, aumentando os lucros dos capitalistas. Neste sentido, estão direcionadas as políticas que vem sendo implementadas pelos governos do Brasil, a partir do golpe de 2016.

Assim como a Reforma Trabalhista só beneficiou os patrões, o congelamento e redução dos gastos públicos em serviços essenciais como saúde, educação, segurança, etc, já repercute de forma drástica sobre a população mais pobre, com perspectivas de agravamento. Se aprovada a Reforma da Previdência, diante das desigualdades expostas, novamente serão os pobres e principalmente as mulheres as mais afetadas, com agravantes para as camponesas.

Entre outras questões problemáticas, a nova proposta da Previdência, prevê a aposentadoria apenas por idade (mulheres urbanas sobe de 60 para 62 anos, mulheres rurais de 55 para 60 anos, igualando a idade entre homens e mulheres) com tempo de contribuição mínima de 20 anos (aumenta em 5 anos), além disto, o texto da PEC 06/2019, abre brechas para que não haja reajuste dos benefícios em valor real, direcionando para provável aumento das desigualdades, violências e pobreza, que recairão principalmente sobre as categorias historicamente mais vulneráveis.   

Não basta constatar a realidade caótica que se impõe não apenas às mulheres mas a toda a sociedade brasileira, é preciso uma atitude de mudança que vai desde a educação das crianças para a distribuição justa das tarefas domésticas, respeito às mulheres como pessoas – donas de si mesmas, à execução de políticas estruturais que promovam a igualdade de direitos e a proteção efetiva da vida. 

Como todas as conquistas populares só acontecem com luta e organização, temos o desafio de não nos deixar desanimar, miremos então o horizonte, e com cantos, poesias e rosas capazes de vencer os canhões, ocupemos as ruas, praças e parlamentos, para fazer valer a justiça, o direito, a dignidade e a vida, na certeza de que “os poderosos cairão dos seus tronos e os humildes serão elevados”, conforme o Magnificat, proclamado pela voz de uma mulher, conhecida como Maria de Nazaré. 

Maria Aparecida de Jesus Silva – Mulher negra, Agente da Comissão Pastoral da Terra, Bacharel em teologia, pedagoga, especialista em Desenvolvimento e Relações sociais no Campo.

 

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