COMISSÃO PASTORAL DA TERRA

 

Em artigo, o agente da CPT no Amazonas, Maiká Schwade fala sobre a tentativa do novo governo de desrespeitar os direitos do povo indígena Waimiri-Atroari de decisão sobre seus territórios tradicionais. Confira:

Maiká Schwade*
(fotos: Maiká Schwade e Adriana Huber Azevedo, do Cimi)

O presidente Bolsonaro ameaçou implantar o linhão de Tucuruí, atravessando a Terra Indígena Waimiri-Atroari, sem que os estudos ambientais e a consulta aos indígenas sejam concluídos. Os Waimiri-Atroari não concordam e querem garantir a liberdade de decidir livremente sobre os projetos que impactam em seu território.

O linhão de Tucuruí é uma linha de transmissão de energia elétrica que interliga Tucuruí, Santarém e Manaus ao Sistema Interligado Nacional. O projeto prevê também a interligação entre Manaus e parte do estado de Roraima, o que levaria a implantação de grandes torres de transmissão sobre o território Waimiri-Atroari.

A posição dos Waimiri-Atroari é muito clara. Os indígenas querem concluir seus estudos sobre os impactos do projeto do governo em seu território para então decidir se aceitam ou não sua implantação e, caso decidam autorizar, querem ter a liberdade para discutir as medidas mitigatórias necessárias e negociar uma contrapartida justa.

Para entender melhor essa questão e ouvir os indígenas, a Deputada Federal Joênia Wapichana (Rede/RR) organizou uma comitiva da Frente Parlamentar Mista em Defesa dos Direitos dos Povos Indígenas que visitou o território Waimiri-Atroari no dia 22 de abril último. Joênia é a primeira Deputada Federal indígena do Brasil, eleita em 2018 pela força dos povos indígenas de Roraima. A comitiva foi integrada também pelos deputados federais José Ricardo (PT/AM), Rodrigo Agostinho (PSB/SP) e Nilto Tatto (PT/SP), além de membros do Conselho Indígena de Roraima, Conselho Indigenista Missionário, Programa Waimiri-Atroari, Casa da Cultura do Urubuí e Comissão Pastoral da Terra.

A legislação garante a consulta prévia, livre e informada

A Constituição Federal brasileira assegura aos povos indígenas o usufruto exclusivo de seus territórios. E a resolução 169 da Organização Internacional do Trabalho determina a consulta prévia, livre e informada em caso de projetos que afetem os territórios indígenas. Essa resolução foi reconhecida pelo Brasil, que a incorporou a legislação nacional, tornando seu cumprimento obrigatório. Além disso, existe a legislação ambiental e as obras precisam passar por licenciamento.

Para burlar a legislação, o governo está ameaçando decretar questão de segurança nacional e impor o projeto sem consultar os indígenas. A justificativa não é plausível pois, apesar de Roraima receber energia elétrica da Venezuela, seu fornecimento pode ser garantido pelas termoelétricas existentes no território brasileiro até que todos os estudos estejam concluídos satisfatoriamente e que a consulta aos indígenas seja realizada. Além disso, a medida é um retrocesso e poderá implicar na imposição de projetos sobre territórios indígenas em outras partes do país.

Histórico de grandes projetos na terra Waimiri-Atroari

Os Waimiri-Atroari já sofreram com a implantação de três grandes projetos em seu território. Durante a ditadura militar (1964-1985) o governo implantou a rodovia BR-174 e a Hidrelétrica de Balbina, e autorizou a implantação de uma empresa mineradora no território indígena. O resultado mais trágico dessa política foi o genocídio desse povo que, entre 1968 e 1983, foi reduzido de 3.000 indivíduos para somente 332.

O caso rendeu a condenação do estado brasileiro no Tribunal Russel, uma corte internacional que julgava casos de violação aos direitos humanos. O genocídio foi relatado em detalhes, em 2012, pelo Comitê Estadual de Direito a Verdade a Memória e a Justiça do Amazonas e consta no relatório final da Comissão Nacional da Verdade. Além disso, o Ministério Público Federal acionou a justiça para que o estado repare os danos causados aos indígenas e seu território.

As lições históricas do caso Waimiri-Atroari deixam claro que a violação de direitos causa efeitos irreversíveis no conjunto da sociedade, tornando crônicos os problemas territoriais. Por isso, a Comissão Pastoral da Terra está buscando ouvir e apoiar as decisões dos Waimiri-Atroari no sentido de garantir a consulta prévia, livre e informada.

*Agente da CPT no Amazonas

 

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