“Não se importe se não há luz no fim do túnel, nem mesmo se não existe túnel. Lembre-se sempre da frase lapidar de João da Cruz em sua longa noite escura: ‘é por não ver por onde vou, que vou’.”
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(Por Roberto Malvezzi, Gogó* / Foto: Joka Madruga).
Escrevo para mim mesmo e tantos outros que estão como eu.
A imposição ditatorial dos valores e regras do extremo liberalismo sobre o povo brasileiro, sem que tenhamos qualquer possibilidade aparente de defesa, jogou um mar de pessimismo e imobilidade sobre as multidões. Como pessoas desse povo, também é impossível escapar ilesos.
Mas, para quem está desanimado, é preciso lembrar outras situações.
Lembre-se dos milhões de pessoas que estão sendo violentadas e assassinadas pelas guerras na Síria, no Iraque, no Sudão e no Afeganistão.
Lembre-se do povo palestino, confinado em seu território, sem poder controlar inclusive o uso das águas que brotam em seu território.
Lembre-se dos migrantes, dos “desplazados ambientales”, expulsos de suas terras e de seus familiares, migrando incertos pelos mares e novas terras.
Lembre-se das pessoas sepultadas no mar, dos que são mortos nos muros, dos que morrem no deserto buscando outro lugar.
Lembre-se dos 900 milhões de pessoas ao redor do mundo que passam fome todos os dias, dos 1,2 bilhão que passam sede, e dos 2,5 bilhões que não têm saneamento básico.
Lembre-se dos sem terra, dos sem teto, dos indígenas e negros que sofrem ataques, suportam opressões e humilhações há mais de 500 anos.
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Você pode vasculhar sua memória e lembrar-se de parentes, vizinhos e amigos que estão em situação pior que a sua.
Não estou propondo a imobilidade e nem o desespero. Mas, é dessas pessoas que Francisco nos fala todos os dias. Temos hoje a globalização das desumanidades e é contra ela que somos chamados a reagir.
Não se importe se não há luz no fim do túnel, nem mesmo se não existe túnel. Lembre-se sempre da frase lapidar de João da Cruz em sua longa noite escura: “é por não ver por onde vou, que vou”. Portanto, mesmo que não haja um fósforo brilhando na escuridão, continuemos andando.
Lembremo-nos também do Hay kay de D. Hélder: “a noite estava tão escura, tão sem um ponto de luz, tão noite, que cheguei a me angustiar, apesar do amor profundo que sempre tive pela noite. Foi quando ela me segredou que, quanto mais noite é a noite, mais bela é a manhã que ela carrega em si”.
Fazer o pequeno, plantar a semente, divulgar as lutas, participar das lutas, fazer formação de base, fazer orações pessoais e coletivas, participar dos mutirões, organizar a esperança, essas são as tarefas da hora.
Nem a escuridão total imobiliza quem se move pela fé.
* Atua na Comissão Pastoral da Terra (CPT) e no Conselho Pastoral dos Pescadores na região do São Francisco. Articulista do Portal EcoDebate, e possui formação em Filosofia, Teologia e Estudos Sociais.