Donald Trump anunciou, nesta terça (28), que vai desfazer políticas de combate às mudanças climáticas implementadas por seu antecessor, Barack Obama, e divulgou medidas para impulsionar a indústria do carvão, sob a justificativa de que isso vai gerar empregos – por mais que outras fontes energéticas já têm se mostrado mais vantajosas economicamente. Também cortou diretrizes para combater o aquecimento global – o que deve tornar mais difícil aos Estados Unidos cumprir o Acordo de Paris, que previa a redução de emissões de gases causadores do efeito estufa.
(Por Leonardo Sakamoto, Blog do Sakamoto | Imagem: ABC News/Reprodução)
Trump, durante sua campanha à Presidência, disse que o aquecimento global era uma invenção dos chineses para atrapalhar a economia dos EUA.
De qualquer maneira, ele conseguiu uma foto para postar nas redes sociais ao lado de trabalhadores do setor.
''Temos cinco minutos para a meia-noite''. Lembro que a declaração do chefe do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas das Nações Unidas, em 2013, funcionou como um chacoalhão para muita gente. Segundo ele, temos muito pouco tempo para evitar a tão falada catástrofe em nosso sistema climático. Muitos já afirmam que passamos o ponto de não-retorno. Ou seja, ocorrerão catástrofes. A questão é de qual tamanho.
O ''Relógio do Juízo Final'', um medidor simbólico mantido pelo Boletim dos Cientistas Atômicos, nos Estados Unidos, mostra o quão perto estamos de destruir nossa civilização por tecnologias que criamos. Inicialmente, ele retratava o risco de armas nucleares, mas, recentemente, passou também a considerar mudanças climáticas, biotecnologia e nanotecnologia, entre outras, que podem, mesmo sem intenção, passar a régua na humanidade.
Na pior situação do relógio, chegamos a 2 minutos da meia-noite (em 1953, com sucessivos testes nucleares do EUA e da União Soviética) e, na melhor, a 17 minutos (com a redução do arsenal nuclear ao fim da Guerra Fria).
Desde então, o reloginho foi se aproximando do fim dos tempos e, em 2017, foi ajustado para 2 minutos e 30 segundos para a meia-noite. Entre os motivos principais, ameaças nucleares, mudanças climáticas e Donald Trump – reúne as duas preocupações anteriores, segundo o grupos de cientistas responsável pelo relógio.
Como já disse aqui mais de uma vez, nossa sociedade não evoluiu pensando em um plano B e agora que ajustamos o termostato do planeta para a posição “Gratinar os Consumistas Lentamente” ficamos nos debatendo, com discursos mequetrefes, de que a economia não pode pagar pelas necessárias mudanças no modelo de desenvolvimento pela qual passa a solução.
LEIA TAMBÉM: Aprender a pensar a vida e o Brasil a partir dos seus biomas
Matopiba é morte, queremos a vida
Cerrado fica de fora da meta do clima do País
Aquecimento pode triplicar seca na Amazônia
Não é à toa que uma das mais estranhas e, ao mesmo tempo, brilhantes alianças táticas no parlamento brasileiro seja entre a bancada do fundamentalismo religioso e a bancada ruralista. De um lado, os fundamentalistas ajudam a garantir a manutenção de um desenvolvimento a qualquer preço, passando por cima do meio ambiente, como se não houvesse amanhã. Do outro, os fazendeiros contribuem para que os direitos humanos sejam rasgados diante de uma visão distorcida de religião, garantindo que não faça muito sentido existir um amanhã.
O pacto é perfeito. Pois só restará lamentar. Ou rezar. Até porque, do ponto de vista do meio ambiente ou da dignidade humana, antecipam todos o Dia do Juízo Final.
Vale lembrar que o governo federal, sob a administração Michel Temer, quis mostrar que vai ser difícil cumprir as metas com as quais o próprio país concordou no Acordo de Paris. Isso pode ser notado pelo comportamento do ministro da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Blairo Maggi, durante a Conferência do Clima das Nações Unidas, em Marrakech (COP 22), em novembro de 2016.
Trump divulgou medidas para impulsionar a indústria do carvão. Imagem: Reprodução/Twitter
Só para lembrar: ele afirmou que é a “consciência” dos produtores que mantém a floresta em pé, que assassinatos de ambientalistas no Brasil são “problemas de relacionamento” e que a agropecuária “não é a vilã” das mudanças climáticas. Blairo também deixou claro que as metas que o país assumiu são apenas ''intenções'' e condicionou o seu cumprimento a acesso a recursos.
''Nós não temos condições financeiras, monetárias, de levar adiante a intenção que o Brasil colocou. Eu gosto dessa palavra: intenção. A intenção que o Brasil assumiu perante o mundo não pode ser obrigação do produtor brasileiro, tem de ser a intenção do produtor brasileiro também.'' Ele disse que a fatura custará entre 40 e 50 bilhões de dólares.
De acordo com carta entregue ao ministro pelo Observatório do Clima, uma coalizão de 26 organizações da sociedade civil brasileira que atuam contra as mudanças climáticas, “apenas em 2016, o Plano Safra destinou R$ 202 bilhões ao financiamento do setor agropecuário, cuja inadimplência histórica média é de cerca de 5%. Somente o custo de equalização dos juros do Plano Safra, em julho de 2015, atingiu R$ 13,4 bilhões''. Segundo o Observatório, portanto, há dinheiro para bancar essa estimativa do ministro. Basta, apenas, que o próprio setor agropecuário pague suas dívidas.
Mas Blairo tem experiência nesse tipo de guerra de discurso. Diante de acusações de aumento no desmatamento da Amazônia, o então governador do Estado do Mato Grosso Blairo Maggi fez chantagem, insinuando que o país teria que escolher entre seguir as regras ambientais, e passar fome, ou desmatar – e garantir soberania alimentar. Forma de maniqueísmo que não cabe em um estadista, mas interessa à parte dos empresários que lucra fácil com a expansão agropecuária.
É possível crescer economicamente, mas com responsabilidade. Respeitando o zoneamento econômico da região, que diz o que pode e o que não pode se produzido em uma área; realizando uma regularização fundiária geral e confiscando terras roubadas do Estado; executando uma reforma agrária com a garantia de que os recursos emprestados pelos governos às pequenas propriedades – responsáveis por garantir o alimento na mesa dos brasileiros – sejam, pelo menos, da mesma monta que os das grandes; preservando os direitos das populações tradicionais, cujas áreas possuem as mais altas taxas de conservação do país; mantendo o exército na caserna e longe da política fundiária e indígena. Ah, e sem usar trabalho escravo.
Enfim, mudando o modelo de desenvolvimento, o que inclui alterar o padrão de consumo, uma vez que nós do Sul Maravilha comemos e bebemos a Amazônia, o Cerrado, o Pantanal, a Mata Atlântica, arrotando alegria. Agimos com esses biomas e com outros países mais pobres como os países desenvolvidos, por vezes, agem conosco.
A globalização é linda. Tudo se encaixa. Inclusive, a exclusão.