Artigo de Mieceslau aborda a realização da 11º Feira de Sementes Crioulas, que ocorreu neste fim de semana. E foi nesta feira que aconteceu o lançamento do Banco Comunitário de Sementes Crioulas Lucinda Moretti. Confira:
Mieceslau Kudlavicz
Participar da 11° Feira de Sementes Crioulas, ocorrida entre os dias 10 a 12 de julho desse mês, em Juti, no Mato Grosso do Sul, concretiza um momento de extrema importância para alimentar nossa esperança, renovar nossas forças. E nos dar a certeza de que vale a pena continuar a luta por um modelo de agricultura familiar camponesa e de base agroecológica. Mas, a satisfação maior vem do fato de que nesta data foi inaugurado o primeiro Banco de Sementes Crioulas. Este recebeu o nome de Banco Comunitário de Sementes Crioulas Lucinda Moretti, em homenagem à Irmã Lucinda que acalentou este sonho durante anos, desde a realização da primeira feira em 2005.
Fundamental salientar que o local escolhido para a instalação do Banco foi uma área cedida pelo Sindicato Rural para o Instituto Cerrado Guarani, após sofre questionamentos por parte da irmã Lucinda sobre o crime que estava cometendo ao promover o desmatamento do Cerrado na referida área.
Desde a origem da agricultura, há 12 ou 15 mil anos, dois personagens caminham inseparáveis: os camponeses/as e as sementes. Dificilmente encontraremos um camponês ou camponesa que não entenda de sementes – um está intimamente ligado ao outro porque existe uma interdependência entre eles.
Por sua vez, não estamos falando apenas de produção. Falar da produção de sementes com o camponês é, ao mesmo tempo, resgatar valores culturais e religiosos. É dar-se conta de que quem controla as sementes também controla a fome e as consciências. É ter consciência de que perder a autonomia da semente é caminhar para o desaparecimento do camponês. Resgatar sementes crioulas é um ato político de luta contra o perigo dos transgênicos. É denunciar que a ciência dos transgênicos não tem por objetivo produzir alimentos para matar a fome, mas, sim, controlar as sementes, adubos, inseticidas, enfim, o conhecimento (tecnologias). Por isso, estimular e fomentar a produção de sementes é também incentivar um novo modelo de agricultura: agroecológica e de produção de alimentos. Sim, temos dois projetos de agricultura: o camponês produz comida e o agronegócio produz grãos.
Falar do projeto camponês de agricultura é defender a produção de sementes, é aprender a ter cuidado com a terra observando a época mais apropriada para o plantio. É identificar a terra mais apropriada para determinada semente, utilizando a adubação orgânica e adubação verde em vez de adubos químicos. Falar em produção de sementes é utilizar defensivos naturais para o controle de pragas em vez de venenos. É produzir alimentos mais saudáveis.
Porém, com a introdução da agricultura capitalista de base monocultora, utilizando as chamadas sementes “selecionadas” ou “certificadas”, induzida por ações políticas governamentais, se destruiu a base de auto-sustentação dos camponeses ao forçar o abandono dos seus conhecimentos tecnológicos de adubação, conservação do solo e, principalmente, da produção de sementes. Desta forma, os camponeses foram roubados em seus conhecimentos e desaprenderam a produzir seus próprios alimentos. Esqueceram como fazer e conservar suas próprias sementes. Desaprenderam a controlar os inços (ervas daninhas) e pragas com recursos da própria natureza. A sabedoria de produção agrícola, que durante milhares de anos, foi transmitida de geração em geração, que é a prática do ensino de pai para filho, foi abandonada no tempo. Os camponeses ficaram totalmente dependentes das grandes empresas que controlam as sementes, os adubos, os inseticidas e, principalmente, os conhecimentos.
Esta prática agrícola milenar precisa ser recuperada e repassada aos camponeses do século XXI. Pois o camponês precisa voltar a ser produtor de alimentos e, muito mais do que isso, precisa voltar a ser pesquisador da natureza, “cientista da roça” e produtor de conhecimentos necessários para a sua sobrevivência enquanto classe. E isso não significa deixar de produzir para o comércio, significa que o mercado não pode organizar o projeto camponês de agricultura.
Neste sentido, o resgate da produção de semente crioula é uma das ferramentas fundamentais para iniciar este processo de autonomia dos camponeses frente a produção agrícola. Semente crioula é uma semente comum, caseira, cabocla. Sempre foi desenvolvida pelos agricultores. É uma semente que está na mão dos agricultores e que não sofreu nenhum processo de modificação, a não ser pelo processo natural de seleção. Não são sementes compradas no mercado. São sementes que estão preservadas nas comunidades indígenas, quilombolas e camponesas.
Daí se explica a importância da criação deste Banco de Sementes que tem por objetivo fazer o resgate da biodiversidade local – evitando buscar de outras regiões do país. Enfim, fomentar o Banco é estimular a multiplicação e preservação de pequenas reservas de sementes. Proporcionar sementes para as comunidades, no sistema rotativo de troca, para aquelas já as perderam. Envolver a comunidade e organizar grupos de produção de sementes. Estimular o trabalho coletivo e o aprendizado coletivo. A criação deste Banco de Sementes Crioulas, também, renova nossa utopia em prol de um projeto camponês autônomo, sustentado no tripé: terra, trabalho e família.
Em meio a euforia, não podemos esquecer que este projeto tem muitos inimigos: as grandes corporações que controlam a agricultura química. Junto aos inimigos clássicos, temos também a resistência de muitos camponeses que seduzidos pela propaganda do moderno, não acreditam na potencialidade deste projeto de sementes próprias. Portanto, a batalha é externa e interna, e não podemos desistir. É imprescindível afirmar sempre que os camponeses e camponesas são reais guardiões e guardiães da agrobiodiversidade, logo são portadores da esperança.
14 de julho de 2015