“Dizer que o Estado protege e incentiva os movimentos sociais no campo é falso se medidos os favores dados à agricultura dita empresarial”. A opinião é de Rui Daher, administrador de empresas e consultor da Biocampo Desenvolvimento Agrícola.
“Dizer que o Estado protege e incentiva os movimentos sociais no campo é falso se medidos os favores dados à agricultura dita empresarial”. A opinião é de Rui Daher, administrador de empresas, consultor da Biocampo Desenvolvimento Agrícola, colunista do Terra Magazine, 06-04-2010.
Eis o artigo.
Vale a pena debater reforma agrária? Para aqueles que só se importam com o fato de que o PIB agropecuário irá crescer, em 2010, perto de 6,0%, certamente, não. Para quem se incomodou ao saber que Pedro Alcântara, um dos líderes da FETRAF (Federação dos Trabalhadores na Agricultura Familiar) foi assassinado com cinco tiros na cabeça, em Redenção, no Pará, a resposta é sim.
Desde que nos anos 1950, em Pernambuco, foram criadas associações de trabalhadores rurais, batizadas Ligas Camponesas, os proprietários de grandes extensões de terras e seus representantes na sociedade trataram de remeter para a vala do interesse político reivindicações legítimas. Na época, como pecha ao Partido Comunista Brasileiro, hoje, ao fazer do MST o braço rural do PT.
Tudo de um simplismo obtuso e juízo imediatista, pois focados apenas nos atos de invadir e desapropriar.
A coluna já discutiu o profundo fosso que existe entre o desempenho da agropecuária nacional contraposto a necessidades básicas de quem trabalha no meio rural. Se o último Censo Agropecuário já havia exposto o suficiente, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios mostra ainda mais. Enquanto na zona urbana a taxa de analfabetismo dos maiores de 15 anos é de 7,5%, no campo ela atinge 23,5% e 3/4 da população não completaram ensino fundamental. Mais: a renda média mensal per capita rural é de R$ 360,00, ou 46% da média urbana que é de R$ 786,00.
São fatos que parecem não preocupar confederações, bancadas, grandes produtores e uma opinião pública formatada pela mídia que apenas usa caneta marca-texto em marchas e invasões de sem terras. Não se trata, aliás, de constatação difícil. Bastaria ler os e-mails que a coluna recebe quando trata do assunto.
Aprofundar o tema, verificar como se vive nos assentamentos, ouvir seus membros, o que se reivindica, como funcionam suas escolas, quais seus obstáculos judiciais, não faz manchete. Fácil generalizar e tratar a todos como parasitas que só promovem baderna.
Acima do evento político, é preciso ficar claro que qualquer atividade da economia, ainda mais se produtiva, não se presta apenas a figurar em estatísticas e ranking mundiais de desempenho. São medíocres as referências à agropecuária como salvação da balança comercial, se tomadas apenas como resposta aos programas voltados à agricultura familiar.
Antes de tudo, esse resultado deve proporcionar segurança alimentar à população e bem-estar a quem vive do trabalho na atividade. E nisto vamos muito mal. O índice de Gini que o diga. Dizer que o Estado protege e incentiva os movimentos sociais no campo é falso se medidos os favores dados à agricultura dita “empresarial”. Empréstimos com juros favorecidos, perdão de dívidas, financiamento para mecanização, apoio técnico da Embrapa. Nada de condenável nisto. Pelo contrário, é preciso mais: infraestrutura para competir, seguro rural suficiente, garantia maior de preços mínimos.
O que não se admite é o uso tanto da pujança como da mazela para demonizar programas voltados ao trabalhador rural identificando-os sempre como atos retrógrados e desnecessários. Isto é embuste.
Acaba de ser lançado no Brasil o livro Combatendo a Desigualdade Social - O MST e a reforma agrária no Brasil (Editora UNESP), uma coletânea com artigos de pesquisadores de universidades nacionais e estrangeiras, organizada por Miguel Carter, da American University.
Sua leitura permitirá saber que é possível avançar e ser potência agrícola mundial num ambiente de democracia agrária, onde o trabalho seja compensado com uma vida digna.