por Bruno Santiago
Via Campanha Nacional Em Defesa do Cerrado
No dia 14 de junho, segunda-feira, representantes de organizações, comunidades tradicionais e movimentos sociais da Campanha Nacional em Defesa do Cerrado se reuniram com o Fórum Fundiário dos Corregedores-Gerais da Justiça (CGJ) da Região do Matopiba. O encontro contou com a participação de desembargadores corregedores dos estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia, além da presença do representante do Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), Marcelo Chalréo.
Por parte da Campanha Nacional em Defesa do Cerrado, participaram representantes da Associação dos Advogados dos Trabalhadores Rurais (AATR), dos regionais da Comissão Pastoral da Terra (CPT) no Tocantins, Maranhão e Piauí, da APA-TO (Alternativas para a Pequena Agricultura no Tocantins), de Comunidades Tradicionais de Fundo e Fecho de Pasto na Bahia e do Conselho Indigenista Missionário (Cimi).
Representando o Fórum de Corregedores participaram do encontro o presidente corregedor, desembargador Paulo Velten (CGJ-MA), a juíza Ticiany Gedeon (Coordenadora do Núcleo de Regularização Fundiária do MA), a desembargadora Etelvina Felipe (CGJ-TO), a juíza Liz Rezende (CGJ-BA); o desembargador Raimundo Holland Moura de Queiroz (CGJ-PI), o desembargador Osvaldo Bomfim (CGJ-BA), o juiz José Alfredo (CGJ-BA) e o juíz Fernando Lopes (CGJ-PI).
A articulação de organizações, comunidades e movimentos da região do Matopiba, que em 2021 vem realizando ações para frear o avanço dos conflitos por terra e os processos de grilagem de terra, pleiteou a reunião com o Fórum de Corregedores para evidenciar os processos de violações de direitos territoriais vivenciados pelos povos e comunidades tradicionais do Cerrado nos estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia, requerendo atuação e apoio do Fórum no combate à grilagem de terras.
Após uma fala inicial de apresentação da articulação, Mauricio Correia, advogado popular e coordenador da Associação dos Advogados de Trabalhadores Rurais (AATR), compartilhou a preocupação que as comunidades e organizações possuem com relação às recentes alterações legislativas e o papel dos corregedores e dos núcleos de regularização fundiária.
“Existem brechas que colaboram com a desorganização fundiária, como é o caso da previsão legal de validação de matrícula, que facilita a apropriação ilegal de terras ocupadas por povos e comunidades tradicionais, muitas vezes terras públicas, devolutas”, explica o advgado, que solicitou ao Fórum maior fiscalização e que avaliasse possibilidades de resolução para os problemas relacionados à ausência de efetivação da política de titulação dos territórios, enfrentados pelos povos do Cerrado.
Em resposta às demandas da Articulação, os juízes corregedores presentes apresentaram as ações que o Fórum e as instâncias de regularização fundiária dos Estados vem implementando na região do Matopiba. Joice Bonfim, advogada popular e secretária executiva da Campanha Nacional em Defesa do Cerrado, chamou atenção para o fato de que os povos indígenas e as comunidades tradicionais não contam com uma política efetiva que assegure de fato suas proteções no âmbito do direito à terra e aos seus territórios.
“Antes que qualquer processo de regularização fundiária em terras públicas seja implementado é preciso que seja feita uma busca ativa para garantir a titulação coletiva dos territórios destes povos”, destaca. Bonfim também questionou o Fórum de Corregedores com relação à participação dos povos indígenas e comunidades tradicionais nas ações de regularização de terras que estão sendo implementadas.
Nessa toada, Marcelo Chalréo, do CNDH, apontou para o fato de que os conflitos e violências no campo na região do Matopiba têm se agravado nos últimos anos, e que a gravidade deste cenário tem relação direta com a disputa por terras nos territórios. Durante a reunião, representantes da articulação de comunidades e organizações do Cerrado mencionaram casos de conflitos e ações discriminatórias que prosseguem sem resolução.
O recém lançado Caderno de Conflitos no Campo 2020, da CPT, divulgou dados alarmantes relacionados à região do Matopiba. De acordo com a publicação, a Bahia e o Maranhão figuram entre os três estados brasileiros com mais casos de pessoas que sofreram criminalização por estarem envolvidas em conflitos no campo brasileiro, ocupando a segunda e a terceira posição, contabilizando 21 ocorrências na Bahia e 11 no Maranhão. Vale destacar que seis pessoas envolvidas em conflitos foram assassinadas nos dois estados em 2020, sendo cinco mortes no Maranhão e uma na Bahia.
Quando se trata de conflitos por terra, o estado do Maranhão contabiliza 203 ocorrências, no Tocantins foram 55, o Piauí registrou 18 casos e na Bahia foram 127 conflitos em 2020. No total, os quatro estados do Matopiba totalizam 403 conflitos por terra registrados pela CPT em 2020. Segundo a publicação da Pastoral da Terra, entre 2019 e 2020 houve um crescimento de 25,08% de conflitos por terra no Brasil.
Compromissos e próximos passos
O Fórum Fundiário dos Corregedores-Gerais da Justiça da Região do Matopiba se mostrou aberto a receber as demandas da articulação da Campanha em Defesa do Cerrado e deixou a sugestão de que os encontros, a partir de agora, sejam periódicos, aprimorando o diálogo entre os juízes corregedores e os povos indígenas e comunidades tradicionais que resistem em seus territórios.
O desembargador corregedor Paulo Velten convidou formalmente a Articulação para participar da próxima reunião do Fórum de Corregedores do Matopiba. Marcelo Chalréo, em nome do CNDH, propôs que o Fórum de Corregedores e representantes do Conselho Nacional de Direitos Humanos dialoguem sobre as ações do Fórum no campo da regularização de terras.
Como resposta às demandas da Articulação, o grupo de juízes corregedores presentes se comprometeu em recepcionar e discutir os casos de grilagem sistematizados pela AATR e Articulação Matopiba e adotar mecanismos específicos de monitoramento das ações discriminatórias em suas regiões.
Quando questionada sobre os próximos passos da Articulação da Campanha em Defesa do Cerrado no Matopiba, Joice Bonfim explica:
“A Articulação seguirá mobilizando para que a regularização fundiária no Matopiba caminhe no sentido de priorizar a titulação dos territórios de povos indígenas e comunidades tradicionais, bem como dos assentamentos de reforma agrária; e ao mesmo tempo frear a legalização do ilegal, ou seja, a grilagem de terras promovida por produtores de outras regiões e fundos internacionais”, finaliza a advogada.
Foto: Thomas Bauer