Estudo aponta concentração de renda e terras como efeitos da produção de commodities no Cerrado.
(Por Rebecca Cesar | Imagem: Marizilda Cruppe / Greenpeace)
Estudo inédito apoiado pelo Greenpeace sobre as dinâmicas socioeconômicas na região de Cerrado denominada Matopiba mostra que municípios campeões na produção de soja na região não tem indicadores de desenvolvimento social condizentes com a riqueza que produzem na balança comercial.
Segundo o relatório “Segure a Linha: A Expansão do Agronegócio e a Disputa pelo Cerrado”, somente em 45 dos 337 municípios do Matopiba, que engloba os estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia, os indicadores de produção e de bem-estar superam a média dos respectivos estados. A grande maioria está na situação oposta: 196 municípios continuam pobres, com produção e qualidade de vida piores do que a média de seus estados.
“O estudo mostra que há muito mais pobreza e desigualdade do que riqueza e bem estar nesta região que é apresentada como modelo de sucesso pelo agronegócio”, afirma o autor do estudo, o Sociólogo e Doutor em Ciência Ambiental, Prof. Arilson Favareto, da Universidade Federal do ABC. Para o estudo, foram percorridos mais de 7 mil quilômetros nos quatro estados da região e realizadas cerca de 150 entrevistas com atores de diferentes segmentos. Foram analisados, ainda, dados públicos sobre a produção e comércio de commodities e indicadores socioeconômicos oficiais.
Dos 10 municípios campeões na produção de soja no Matopiba, apenas três estão no grupo com bons indicadores sociais, classificados como municípios “ricos”, onde há grande produção e bons indicadores sociais. Na outra ponta estão os municípios classificados como “injustos”, que totalizam 67 dos 337 municípios que compõem o Matopiba, onde, mesmo com alta produção de grãos, os indicadores sociais, como mortalidade infantil, acesso a educação, saúde e nível de renda, estão bem abaixo da média dos estado.
“O estudo também mostra que, mesmo nas cidades com bons índices sociais, as principais melhorias nas localidades não partem da iniciativa privada do setor, mas sim do próprio Estado, no processo de garantir financiamento e infraestrutura para que o negócio de commodities tenha competitividade para levar lucro a seus investidores, e não para o desenvolvimento local. Nas regiões onde a soja desponta, a concentração de renda e a pouca geração de emprego se aprofundam. Na prática, isso é a negação do ‘Agro é Pop’ que o setor tenta martelar para a sociedade”, explica Adriana Charoux, da campanha Amazônia do Greenpeace Brasil.
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Segundo o estudo, 60% da renda gerada no Matopiba fica concentrada em 0,4% das fazendas produtoras, enquanto 80% das fazendas ficam com apenas 5% da riqueza produzida na região. Sobre a geração de empregos, ao se considerar exclusivamente o emprego formal, não é na agropecuária que se concentram os vínculos. Quem prevalece é o setor de serviços, que concentrou 67,9% dos empregos, em média, nos municípios em 2014. Ou seja, os trabalhos temporários ou informais são os que prevalecem no setor agropecuário. E os formais, diretamente relacionados ao setor, raramente empregam mão de obra local, uma vez que requerem qualificação muito específica para seu desempenho.
Outro agravante é que, de acordo com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais – INPE, entre 2013 e 2015 foram subtraídos 36.900 km² da cobertura vegetal do Cerrado, boa parte no Matopiba. “É uma conta que não fecha. O desmatamento não pode ser visto como um custo inerente ao desenvolvimento quando, na verdade, toda a comunidade científica mundial vem alertando que é justamente o contrário. É a manutenção de nossa vegetação nativa que assegura o equilíbrio climático fundamental para garantir não apenas a segurança da humanidade, mas a sobrevivência do próprio agronegócio brasileiro.”, observa Charoux. “A produção com desmatamento faz com que o Brasil perca competitividade, ameaçando a geração de empregos”.
Não se trata de dizer que tudo de ruim se deve ao agronegócio, mas de chamar atenção para o fato do Brasil ser tão dependente de um setor que cobra tamanho custo ambiental. Os resultados do estudo chegam em um momento crítico para o Brasil, onde o País volta a questionar o valor da preservação dos recursos naturais em oposição a um suposto ganho econômico de curto prazo proporcionado pela manutenção de um modelo de desenvolvimento pouco diverso e extremamente excludente.