A Articulação das CPTs da Amazônia realizou, entre os dias 7 e 9 de fevereiro, uma reunião ampliada entre os regionais que constituem a articulação, com participação de assessores e da Coordenação Nacional da CPT.
Texto e fotos: Mário Manzi - Assessoria de Comunicação da CPT Nacional
O grande encontro foi sediado no Sítio da Congregação das Servas de Maria Reparadoras, na região metropolitana de Rio Branco (Acre), e teve como objetivos discutir e avaliar as estratégias desenvolvidas pela articulação. Na ocasião foram partilhados os conhecimentos e experiências daqueles e daquelas que estão ativamente envolvidos na luta pela terra na Amazônia, a fim de seguir com os processos de defesa da vida, do meio ambiente e dos direitos socioterritoriais na Amazônia.
A programação do Encontro abordou assuntos relevantes, tais como organização, desafios, planejamento e avaliação das ações da articulação. Foi um momento de reflexão sobre os compromissos coletivos, com o intuito de aprimorar as atividades desenvolvidas pelos regionais da CPT na Amazônia.
Durante a mística de abertura, foi realizada uma defumação acompanhada de um cântico tradicional do povo indígena Wapichana. As pessoas presentes foram convidados a apresentar suas árvores regionais e discutir seus significados em relação à luta e resistência em seus territórios, utilizando sementes colocadas no centro do círculo.
Por que estamos aqui?
A pergunta que abriu as discussões do encontro contribuiu para reafirmar a importância da articulação e para estimular a reflexão sobre a necessidade de unir esforços para enfrentar os desafios que se apresentam na região amazônica. A partir dessa reflexão, as e os participantes puderam discutir estratégias e ações para fortalecer a luta em defesa dos direitos das comunidades locais e para promover a preservação ambiental na região.
Histórico
O surgimento da Articulação, assunto abordado em seguida, teve como motivação a proposta de uma agência de cooperação que buscava auxiliar na captação de recursos para a Amazônia, região que historicamente enfrenta diversos conflitos. O objetivo inicial da criação da Articulação era de buscar recursos para as comunidades locais e para a promoção de seus direitos.
Com o desenvolvimento da Articulação, os agentes pastorais da Amazônia começaram a discutir seus territórios e a buscar formas de atuar de forma articulada.
Anteriormente, já havia uma ação articulada em andamento na Grande Região Norte e na Grande Região Noroeste. Entretanto, o processo de pensar em uma articulação mais abrangente teve início durante um encontro realizado em Ananindeua, no Pará, no ano de 2015. Nesse encontro, foi discutido qual projeto de articulação seria necessário e houve um compromisso de repassar a ideia para os regionais, a fim de dar continuidade ao processo.
Um dos pontos destacados foi a importância de viabilizar a realização de projetos e ações que pudessem enfrentar a devastação causada por grandes empreendimentos na Amazônia, tais como a construção da Usina de Belo Monte (PA), da Estrada de Ferro Carajás EF-315 (PA e MA) e instalação de grandes barragens de usinas, garimpo e os processos de urbanização desordenados no Rio Madeira (RO).
Durante a apresentação, foi enfatizado também que era necessário buscar formas de diálogo interno na região amazônica para enfrentar esses desafios. Nesse sentido, a Articulação das CPTs da Amazônia tornou-se uma ferramenta de incidência política nas ações do governo, a fim de lutar pelos direitos das comunidades locais e pela preservação do meio ambiente na região amazônica. Ao passo que, se mantinha o desafio de pensar em um projeto que abrangesse toda a região amazônica.
Neste contexto, o lançamento do "Atlas de Conflitos da Amazônia Brasileira" foi um marco importante para a Articulação, visto que inspirou a organização do "Atlas de Conflitos Socioterritoriais Pan-Amazônico". Dentre as realizações da Articulação, foram destacadas a inserção no Comitê Internacional do Fórum Social Pan-Amazônico e a conquista de maior participação dos regionais da CPT da Amazônia nos espaços de discussão da Rede Eclesial Pan-Amazônica (Repam-Brasil), bem como a realização do Sínodo para a Amazônia. Esse avanço foi fruto de um processo de relacionamento que permitiu, por exemplo, a elaboração de denúncias internacionais.
Partilhas
Durante a reunião, agentes, coordenadoras e coordenadores dos regionais foram convidados a compartilhar experiências e desafios enfrentados em seus estados. Foi uma oportunidade para que cada uma e cada um pudesse trazer informações valiosas sobre a situação de conflitos no campo e como isso afeta as comunidades e povos tradicionais assistidos.
Os relatos foram abrangentes e abordaram uma série de questões, desde disputas de terras e recursos naturais até a violência e a pressão exercida por empresas e grupos interessados em explorar a região. Alguns agentes destacaram, por exemplo, a presença de madeireiras ilegais e garimpeiros em suas áreas de atuação, enquanto outros falaram sobre a ameaça representada por grandes projetos de infraestrutura que visam cortar a floresta para construir estradas, hidrelétricas e outras obras.
Os agentes também mencionaram a crescente vulnerabilidade das comunidades e povos tradicionais, que enfrentam a degradação do meio ambiente, a perda de suas terras e modos de vida, bem como a violência e a intimidação de grupos armados. Também foram relatadas as dificuldades em lidar com a falta de assistência do Estado, que muitas vezes não fornece recursos ou proteção adequados às comunidades em risco, ou mesmo por conta de situações em que o Estado é o agente causador de conflitos.
Em resumo, a troca de informações durante a reunião foi uma oportunidade valiosa para identificar os principais desafios enfrentados pelos agentes da CPT na Amazônia e como a Articulação pode contribuir para enfrentar esses problemas. Além disso, o momento permitiu que cada regional aprendesse com as experiências uns dos outros, consolidando ainda mais a unidade e o trabalho conjunto.
Síntese
O professor Afonso Chagas, encarregado de resumir as discussões do Encontro, realizou uma análise sucinta da conjuntura. Ele enfatizou a importância de reconhecer que estamos diante de um processo histórico que não é linear, mas marcado por avanços e retrocessos. Chagas destacou que a realidade é extremamente complexa e que é necessário adotar uma perspectiva mais ampla e aprofundada para compreendê-la adequadamente. Além disso, ele reforçou a ideia de que é preciso entender a realidade em contínuo movimento, já que as dinâmicas sociais, econômicas, políticas e ambientais estão em constante processo de mudança.
Chagas também ressaltou um ponto crucial que diz respeito à violência. De acordo com ele, a violência não é apenas um ato pontual, mas se transforma em uma mentalidade que está presente em muitas localidades do país. Assim, ações abusivas das forças policiais passaram a ser toleradas e mantidas. Esse cenário reforça a necessidade de se pensar em estratégias de enfrentamento à violência presente em diversas instâncias da sociedade brasileira.
O professor ainda ressaltou a importância de que a construção coletiva seja dialógica, dialética e libertadora. Nesse sentido, ele citou a frase de Paulo Freire, “É fundamental diminuir a distância entre o que se diz e o que se faz, de tal forma que, num dado momento, a tua fala seja a tua prática”, indicando a necessidade de agir em consonância com o discurso. Segundo ele, cada indivíduo deve ser o protagonista de seus compromissos, assumindo responsabilidade pelas ações que realiza. Além disso, enfatizou a importância do planejamento e da realização de ações unificadas e sincronizadas para se alcançar os objetivos coletivos.
Adicionalmente, o professor reforçou a relevância de catalogar e obter acesso a informações sobre órgãos públicos e internacionais, a fim de acioná-los de maneira efetiva na busca por soluções para os conflitos no campo, especialmente na região amazônica. Acredita-se que a mobilização dessas instituições pode ser uma ferramenta crucial para avançar significativamente na resolução dos problemas enfrentados pelas comunidades e povos tradicionais da região. Portanto, é imprescindível que haja um esforço conjunto na identificação e articulação com esses órgãos, de modo a obter o apoio necessário para enfrentar os desafios enfrentados pela região.
Chico Mendes
No encerramento do encontro, os participantes tiveram a oportunidade de assistir a um vídeo de Ângela Mendes, filha do líder seringueiro Chico Mendes e atual presidente do Comitê que atua em homenagem ao legado deixado por seu pai. O material audiovisual, enviado exclusivamente para o encontro, foi exibido como uma forma de relembrar a importância da luta pela terra e pela justiça social no Brasil, além de destacar o papel crucial desempenhado pela CPT na Amazônia.
Ângela enfatizou que a CPT tem sido uma das principais organizações a atuar na defesa dos direitos das comunidades e povos tradicionais, especialmente na região amazônica, onde os conflitos têm se intensificado nos últimos anos. Ela também falou sobre a vida e obra de seu pai, Chico Mendes, que dedicou sua vida à luta pelos povos da floresta amazônica e se tornou um símbolo da defesa ambiental e dos direitos humanos.
O vídeo foi uma oportunidade única de inspiração e reflexão, pois mostrou como a luta pela justiça social e ambiental é uma batalha contínua e sempre necessária. Além disso, ele serviu como uma homenagem aos inúmeros defensores dos direitos humanos que têm perdido suas vidas lutando por um mundo melhor e mais justo.
Xapuri
"Da semente plantada por Chico Mendes,
Nasce a luta por justiça e preservação,
Com a força da natureza e dos povos,
Seguimos em defesa da Amazônia."
No dia seguinte ao encontro, as e os participantes tiveram a oportunidade de visitar a cidade de Chico Mendes, Xapuri. A cidade está situada a cerca de 190 quilômetros da capital do estado, Rio Branco (AC).
A visita começou com uma emocionante homenagem ao líder seringueiro, com a primeira parada sendo feita no túmulo de Chico Mendes. Ali, as pessoas presentes puderam prestar suas homenagens e reflexões sobre sua luta e seu legado.
Após a visita ao cemitério, os participantes tiveram a oportunidade de conhecer um pouco mais sobre a história da cidade e sua relação com a luta pela terra e pela justiça social. Xapuri foi o local onde Chico Mendes viveu e lutou pelos direitos dos trabalhadores rurais e pela proteção da floresta amazônica.
O segundo momento foi dedicado à visita na Fundação Chico Mendes, onde foram relembradas aquelas e aqueles que perderam suas vidas na luta pela terra e pelo território, e refletir sobre o legado de resistência desses líderes e lideranças. A reflexão coletiva buscou discutir quais são os principais enfrentamentos e sonhos dessas comunidades, e como essas memórias são trazidas para o chão sagrado da floresta. A Fundação Chico Mendes se tornou, naquele momento, um espaço de memória e resistência, um lugar onde as histórias de luta e as memórias das e dos que tombaram continuam a inspirar e guiar a luta pela justiça social, por terra e território no Brasil.
Após a visita à Fundação, as e os participantes seguiram para a casa onde Chico viveu e foi brutalmente assassinado em 1988. A casa, que hoje passa por um processo de revitalização, foi um local de grande emoção para as e os presentes, que puderam conhecer mais sobre a vida e o legado do líder seringueiro.
O guia da visitação foi Padre Luis Ceppi, um companheiro de luta de Chico, que compartilhou com o grupo histórias e detalhes sobre os últimos momentos de vida do líder seringueiro. A visita foi uma oportunidade de conhecer a casa onde Chico Mendes viveu com sua família e de refletir sobre a luta que ele travou na defesa por direitos.
Ao final da visita, as pessoas presentes entoaram a canção "Chico Rei Seringueiro", de Tião Natureza, uma emocionante homenagem ao legado de Chico Mendes e aos valores que ele defendeu ao longo de sua vida.
O encerramento da visita à cidade de Xapuri foi marcado por um momento comovente, na praça central da cidade, ao lado da Igreja de São Sebastião. Ali, Padre Luis guiou os presentes em uma reflexão sobre a figura de Jesus Crucificado como um seringueiro, tema central do painel que ilustra o local.
O painel é uma referência à resistência e aos modos de vida dos povos da floresta. Ceppi destacou que a imagem de Jesus como um seringueiro é uma representação poderosa da luta por justiça social e ambiental, e como essa luta é uma extensão da mensagem de amor e compaixão que Jesus pregava.
Ao final do encontro, os presentes entoaram o "Pai Nosso dos Mártires". Foi um momento de profunda comoção e que reforçou o compromisso dos presentes com a luta por uma Amazônia mais justa e solidária.