Militante colombiana participou de Encontro da Articulação das CPT’s da Amazônia em São Luís, no Maranhão. Em entrevista, ela aborda os conflitos agrários na Colômbia, a expectativa para a nona edição do Fórum Social Pan-Amazônico (FOSPA) e a produção, juntamente com a Articulação, do Atlas de Conflitos Pan-Amazônicos. Confira:
Texto e imagens por Elvis Marques
Assessoria de Comunicação da CPT Nacional
“180 assassinatos de lideranças entre o período de abril de 2018 e abril de 2019”, denuncia a Olga Lucía Suárez Monrroy, licenciada em Pedagogia Social Comunitária e que há 7 anos trabalha na Associação Minga, na Colômbia. A militante, que a cerca de 18 anos está na luta em defesa dos direitos humanos, esteve no Brasil, mais especificamente em São Luís (MA), entre os dias 20 e 25 de maio, para um Encontro da Articulação das CPT’s da Amazônia.
No evento promovido pelos Regionais da Comissão Pastoral da Terra (CPT) que atuam na Amazônia Legal brasileira, Olga contribuiu com as discussões e elaboração do Atlas de Conflitos Pan-Amazônicos, falou sobre a organização do IX Fórum Social Pan-Amazônico (FOSPA), que será realizado entre os dias 22 e 25 de março de 2020 em Mocoa, Putumayo, na Colômbia, e abordou os conflitos urbanos e rurais em seu país.“Vivemos um contexto na América Latina que não é normal. O normal é vivermos bem”, analisa.
O que é a Associação Minga?
A Associação Minga, que significa “Mutirão”, nasceu em conjunto com a Constituição de 1991 e foi formada em 1993 por um grupo de pessoas que, a partir de suas trajetórias, adquiriram um compromisso com a construção de alternativas para a vida digna das populações mais vulneráveis do país.
Desde então, a Minga foi transformada de acordo com os diferentes contextos, sempre promovendo estratégias concretas para responder tanto à situação crítica de violação dos Direitos Humanos na Colômbia, às crises humanitárias, às expectativas das organizações com as quais trabalha, às necessidades de suas comunidades, bem como a construção de iniciativas esperançosas que cada momento exigiu.
FOSPA e Atlas
Em setembro de 2017, a Articulação das CPT’s da Amazônia – projeto da CPT que reúne os regionais presentes na Amazônia Legal – lançou o Atlas de Conflitos na Amazônia com o objetivo de visibilizar, principalmente através de mapas e gráficos, os conflitos no campo presentes nesta região. A publicação apresenta os conflitos que permaneceram vigentes nos últimos anos na região.
Acesse a publicação: Atlas de Conflitos na Amazônia
Já pensando os países da Pan-Amazônia, também em 2017, durante o FOSPA em Tarapoto, no Peru, uma das propostas apresentadas pela CPT aos participantes e realizadores do fórum foi a construção do Atlas de Conflitos Pan-Amazônicos, que será lançado na edição de 2020 do evento. A publicação contará com dados e casos de conflitos sobre o Brasil, Bolívia, Peru e a Colômbia.
Com o lema “Pela vida, defendemos a Amazônia”, Olga Lucía pontua que o FOSPA é um importante espaço de articulação entre as organizações de outros países, mais principalmente da Colômbia. “E o fórum é para gerar um processo em conjunto, que permite visibilizar as ações de cuidado e proteção da Amazônia”, destaca a integrante da Associação Minga, uma das organizadoras do IX FOSPA, que espera reunir cerca de 2 mil pessoas.
LEIA TAMBÉM: Conflitos no Campo Brasil 2016 será lançado no FSPA, no Peru
CPT’s da Amazônia se preparam para o VIII Fórum Social Pan Amazônico
Conflitos no campo brasileiro são denunciados na Universidade Nacional de San Martín, no Peru
FSPA: Moção de Solidariedade ao Povo Gamela (Brasil) vítima de ataque e Repúdio aos responsáveis
Para Edmundo Rodrigues, membro da CPT Araguaia-Tocantins, o Atlas de Conflitos Pan-Amazônicos “é um instrumento de luta, de resistência e de denúncia. E é importante para se ter uma noção mais ampla do que acontece nessa região e o que geram todos esses conflitos, além de fortalecer a articulação dos movimentos, pastorais sociais da região. E as CPT's da Amazônia se fortalecem e pensam estratégias conjuntas a partir do Atlas”, ressalta.
Confira alguns dados sobre conflitos urbanos e rurais na Colômbia, que são do Sistema de Informação sobre Agressões contra Defensores dos Direitos Humanos na Colômbia (SIADDHH). Esse Sistema é alimentado por dados de organizações de base presentes nos territórios, como a Associação Minga.
180 assassinatos de lideranças entre o período de abril de 2018 e abril de 2019;
Apenas em 2018 foram registrados 805 casos na Colômbia - que englobam assassinatos, ameaças de morte (que têm aumentado nos últimos tempos, principalmente via celular), atentados, agressões, desaparecimentos, prisões, ações de criminalização e roubo de informações sensíveis;
E apenas em 2018, desses 805 casos, foram registrados 155 assassinatos de lideranças rurais e urbanas no país. Desse total de mortes, 23 ocorreram na Amazônia;
Em 2019, apenas no 1º trimestre, já foram registradas 245 agressões individuais e 25 assassinatos, sendo 2 na região amazônica;
Amparo Fabiola Rodríguez foi uma das lideranças indígenas colombianas mortas em 2018. Crédito: Relatório SIADDHH
Confira a entrevista com Olga Lucía Suárez Monrroy:
Como surge a relação e parceria entre a Associação Minga e a Comissão Pastoral da Terra (CPT)?
Conhecemos a CPT em Tarapoto, no Peru, durante o VIII Fórum Social Pan-Amazônico (FOSPA). A partir daí nós estabelecemos uma abordagem especial e uma compreensão significativa para gerar ações que podem contribuir para o cuidado e a proteção da Amazônia. A relação com a CPT foi reforçada através do processo de caminhada para a IX Fórum, que será realizado em Mocoa, em Putumayo, na Colômbia [em março de 2020].
Essa relação também vem para estimular a iniciativa de ação para o mapeamento dos conflitos, o que nos permitiu conhecer mais uns aos outros e compartilhar experiências em face do trabalho de defesa e proteção dos direitos humanos. Agências internacionais de cooperação, como o Comité Catholique Contre la Faim et pour le Développement – Terre Solidaire (CCFD) [agência francesa], mostraram interesse em apoiar ações do FOSPA, para que organizações pudessem se encontrar e articular ações de fortalecimento de resistência e defesa dos territórios amazônicos.
Olga, diante do contexto de conflitos e dados apresentados por você, qual a importância de um evento internacional como o Fórum Social Pan-Amazônico (FOSPA) para a Colômbia e para os países da Pan-Amazônia?
O Fórum Social Pan-Amazônico (FOSPA) é um espaço de articulação, ação e reflexão relacionado à bacia amazônica que atravessa Brasil, Peru, Bolívia, Equador, Colômbia, Venezuela, República Cooperativa da Guiana, Suriname e Guiana Francesa.
Este é um cenário extremamente importante para os países que compõem a Amazônia, pois a partir daí pretendemos estabelecer objetivos que visem articular as agendas das organizações e redes amazônicas e tornar visíveis as propostas de defesa da Amazônia frente às mudanças climáticas e coexistência intercultural.
Queremos construir um processo de mobilização, debate e propostas e, ao mesmo tempo, um grande evento bienal que busca reunir e articular os movimentos sociais, povos indígenas e comunidades tradicionais dos nove países da bacia amazônica.
Nossos principais objetivos são conhecer culturas; romper o isolamento da resistência popular; o fortalecimento da luta antiimperialista; desenvolver a autonomia dos povos; promover a justiça social e ambiental, para se opor a modelos de "desenvolvimento" predatórios e prejudiciais para as pessoas que vivem na Pan-Amazônia; bem como discutir as alternativas e propostas que permitam construir a justiça e a igualdade social, com base em uma democracia participativa e intercultural.
Na área rural especificamente, como se dá as violências e violações de direitos das comunidades? E você pode citar algumas das estratégias utilizadas pelos povos e organizações para denunciar e superar esses problemas?
O ano de 2018 foi, sem dúvida, o pior ano para os defensores dos direitos humanos em todo o país, o que é demonstrado pelos dados de 805 na sua totalidade.
Diante de agressões individuais, atos representados em ameaças de morte, ataques, desaparecimentos, detenções, processos judiciais, assassinatos, roubos de informações e desaparecimentos. No nível coletivo, encontramos a ameaça coletiva, o assédio coletivo, as detenções arbitrárias, as acusações, entre outras.
A maioria dos casos ocorreram em áreas rurais e contra líderes indígenas, camponeses e membros de juntas de ação comunitária. É preocupante que uma parte do setor camponês e comunitário que foi atacado seja de líderes que estão direta ou indiretamente envolvidos na implementação do acordo final para o fim do conflito e a construção de uma paz estável e duradoura, principalmente aqueles na linha de frente do Programa Nacional Integral de Substituição Voluntária de Culturas de Uso Ilícito (PNIS) e outras comunais que fiscalizam ou denunciam casos de corrupção.
Os departamentos [estados] onde estes tipos de violência aumentaram são Cauca, Antioquia, Caquetá e Putumayo [esse é onde ocorrerá o FOSPA em 2020].
Existem várias estratégias para relatar e exigir garantias para o exercício do trabalho de líderes e defensores de direitos humanos.
Durante o ano de 2018, a comunidade internacional tem sido um importante apoio, pois diferentes pronunciamentos foram feitos para chamar a atenção do Estado colombiano para a situação crítica que os líderes sociais do país estão enfrentando.
Entre eles podemos citar os Direitos Inter-IACHR-, a Missão de Apoio ao Processo de Paz na Colômbia da Organização dos Estados Americanos (OEA), da União Europeia, países como a Suíça e a Noruega, Estados Unidos, através de sua Embaixada na Colômbia.
Da mesma forma, ao longo do ano, em geral, por escrito, rádio, televisão, internet, incluindo meios alternativos, nacionais e estrangeiros, foram feitos registros diários, crônicas, análises, reportagens especiais, campanhas, entre outros, de diferentes pontos de vista, nos territórios, a partir da dor, mas também com reconstruções da vida daqueles que lutam pelos direitos de suas comunidades. Sem dúvida, um aspecto muito importante para continuar sensibilizando o país e pressionando o Governo e o Estado a agir a partir do estrutural e não seguem políticas erradas para responder a situações e pressões, totalmente prolongando o problema. Também na academia, com seus professores e alunos, um importante trabalho foi feito para investigar, sensibilizar e ouvir mais sobre a importância das lideranças sociais e sobre a violência que elas vivem todos os dias nos diferentes territórios, reflexões que, sem dúvida, eles têm uma conclusão comum: a violência contra os defensores dos direitos humanos deve parar.