Comunicação foi apontada como central para a integração dos povos da Amazônia. Documento político aponta que ela deve ser vista de forma política como um direito dos povos, e não apenas como ferramenta.
(Por Gilka Resende – FASE / Equipe de Comunicação do VIII FSPA)
O Fórum Social Pan Amazônico (FSPA), realizado em Tarapoto, no Peru, trouxe uma novidade: pela primeira vez elegeu a comunicação como um eixo estratégico para a construção de alternativas ao atual desenvolvimento. Além de integrar a Carta de Tarapoto, reivindicações por uma “Comunicação para a vida” também foram direcionadas aos governos dos nove países que integram a região andino-amazônica. Organizações, movimentos sociais, coletivos de comunicação e redes de meios comunitários, indígenas, alternativos e populares exigiram novos marcos regulatórios e políticas públicas que garantam o direito à comunicação. As entidades que construíram o FSPA se comprometeram a se somar às lutas pela democratização da mídia.
Realizado entre de 28 de abril a 1º de maio, o Fórum reuniu cerca de 1500 participantes. Os resultados dos eixos políticos do evento foram compartilhados em plenária. A democratização da mídia foi apontada como central para o aprofundamento e ampliação da democracia na região. Um ponto defendido foi o estabelecimento de limites de propriedade e controle dos meios de comunicação. Também se falou da necessidade de se universalizar a internet e de se destinar, ao menos, um terço do espectro radioelétrico para que comunidade, organizações populares e povos panamazônicos possam criar seus próprios meios de comunicação. Essa medida seria importante para que a mídia deixasse de ser majoritariamente comercial.
Em documento, o Fórum destaca que é necessário criar meios públicos, pluralistas e independentes de governos. Estes estariam voltados para visibilizar a diversidade social e cultural dos países panamazônicos e teriam como uma de suas prioridades a defesa da Amazônia, da sua biodiversidade e do Bem Viver, fomentando o diálogo intercultural e a integração dos povos da região.
Conjuntura e comunicação
Leonel Herrera, que integra a Associação Latinoamericana de Rádios Educativas (Aler) em El Salvador, lembrou que a participação e a horizontalidade devem ser valores de uma comunicação que pretende fazer frente ao sistema. Ele destacou que Argentina, Bolívia, Equador e El Salvador deram passos no sentido de mudar a concentração da mídia. No entanto, ressaltou que essas normas nem sempre refletem mudanças nos territórios. Caso não sejam estruturais, elas ficam em risco diante das trocas de governos.
O papel da mídia no golpe pelo qual passa o Brasil foi lembrado durante o FSPA. Integrantes de delegações brasileiras pontuaram que nos últimos anos, mesmo com governos considerados progressistas, o país não avançou com políticas públicas para gerar o direito à comunicação. Delegações de outros países da região prestaram solidariedade ao Brasil, que agora sofre um ataque aos direitos historicamente conquistados, como o respeito aos direitos trabalhistas e o acesso a uma aposentadoria digna.
Muitos depoimentos trouxeram críticas à ideia amplamente difundida sobre a imparcialidade da mídia. A tão falada “liberdade de imprensa” foi questionada quando os interesses mais fortes na sociedade são os neoliberais. “A comunicação é um poder. Lamento o assassinato de comunicadores e de comunicadoras que denunciam diversos desmandos na América Latina. Isso também prejudica a Amazônia, que é um lugar de vida por sua biodiversidade, mas também por sua gente, seus costumes, sua cultura”, disse Maria Rosa Lorbes, da Associação de Comunicadores e Comunicadoras Católicos Signis AlC.
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Agir político
Organizações, movimentos sociais e outros grupos se comprometeram a agir, desde agora, contra a concentração dos meios de comunicação. Para fortalecer caminhos nessa direção, foram feitas propostas como: a mobilização de uma rede de comunicação em solidariedade à Panamazônia; a criação de espaços coletivos de formação de comunicadoras e comunicadores populares; e o aprofundamento de debates sobre a segurança da informação e o uso de softwares livres.
Bernarde Urquia, do povo indígena Shipibo Conibo, destacou que é preciso investir em uma comunicação que fortaleça iniciativas de educação popular nos territórios. “Nós, indígenas, fazemos uma comunicação não comercial. Explicamos na radio que o aluguel de Terras Indígenas para o monocultivo de mamão, por exemplo, não é bom. É que, depois de cinco anos, o solo fica destruído e os indígenas não conseguem plantar mais nada”, exemplifica. Ele integra a Rede de Comunicadores Indígenas da Região de Ucayali, na fronteira do Peru com o Brasil. “Gostaríamos de ter uma rádio comunitária. Como não temos, somos obrigados a pagar um horário em uma rádio comercial, ainda que nossa comunicação seja educativa”, contou.
Depoimentos como os de Bernarde se repetiram pela Universidade de San Martin, sede do Fórum. As comunicadoras e os comunicadores se dividiam entre o trabalho de fazer a cobertura e a missão de debater politicamente de forma transversal a comunicação nas atividades dos demais eixos políticos do evento: mulheres; mudanças climáticas; soberania e segurança alimentar; megaprojetos e extrativismo; juventudes; e cidade para viver na panamazônia.
Essa situação, aliás, foi apontada como uma dificuldade em se difundir os temas relacionamentos à comunicação até mesmo no interior da sociedade civil organizada. O número de comunicadores trabalhando do evento se contrastou, por exemplo, com os que puderam estar nos debates do eixo “Comunicação para a vida”. Para mudar essa situação, foi feita a proposta de se instituir encontros de comunicadores e de comunicadoras nos próximos FSPAs. De todo modo, o “agir comunicativo”, seja fazendo fotos, vídeos, rádio ou textos, foi visto como político. A equipe de comunicação do FSPA e os grupos de mídia presentes no evento foram saudados na plenária final.