COMISSÃO PASTORAL DA TERRA

 

Levantamento feito pelo De Olho nos Ruralistas mostra que candidatos à prefeitura já estiveram envolvidos em algumas das principais investigações já feitas sobre extração ilegal de madeira.

 

(Por Alceu Luís Castilho – De Olho nos Ruralistas | Imagem: MMA)

Dono de um patrimônio de R$ 24 milhões (R$ 5 milhões em dinheiro), o candidato à reeleição na prefeitura de Marcelândia (MT), Arnóbio Vieira de Andrade (PSD), declarou à Justiça Eleitoral uma empresa chamada Ava Desmatamento e Pecuária. O nome não é à toa: as atividades estão bem interligadas na Amazônia Legal. Pecuarista, ele registrou também na Justiça Eleitoral a propriedade de duas motosserras à gasolina, profissionais, modelo 381 – destinada a corte de árvores de médio porte.

Mas sejamos justos: não encontramos nenhuma denúncia de crime ambiental contra o prefeito. O mesmo não se pode dizer de outros candidatos no Arco do Desmatamento. Várias operações – mais ou menos famosas – de combate à exploração ilegal de madeira na Amazônia tiveram a presença de políticos candidatos em 2016. Entre 52 dos municípios que mais desmatam no Brasil, 18 madeireiros tentam ser prefeitos. E a maior parte deles já esteve envolvida em alguma denúncia relativa à extração proibida ou outro tipo de crime ambiental relacionado à madeira.

É o caso do candidato à reeleição em Feliz Natal (MT), Toni Dubiella. Ele já presidiu o Sindicato das Madeireiras do município. Declarou R$ 14,8 milhões em bens este ano (bem mais que os R$ 3,7 milhões de 2012), entre eles a Madeireira Vinícius Ltda, onde trabalham 120 pessoas. O próprio site da prefeitura traz um Dubiella sorridente, se promovendo, e contando que, quando jovem, deixou a pequena empresa de seu pai em busca de seus sonhos: “tornar-se um empresário madeireiro”.

O Ibama de Sinop registrou em 2013 um auto de infração contra a empresa. Em 2015, teve a pena prescrita por um crime ambiental denunciado em 2008: a venda de 68 mil metros quadrados de madeira serrada sem licença. Não foi um caso isolado. Segundo o Ministério Público, ele dificultou a ação dos fiscais do Ibama durante uma inspeção em 2010. Estavam armazenados sem licença pedaços serrados de madeira itaúba, champagne, cupiúba, cambará, cedrinho, sucupira preta, angelim e cambará-rosa. Todos apreendidos. O Tribunal de Justiça do Mato Grosso acolheu no ano passado a denúncia.

Outro caso emblemático é o de Eudes Aguiar (DEM), prefeito de Brasnorte (MT) candidato à reeleição em uma coligação chamada É Pra Frente que se Anda – com PP, PT e PMDB, entre outros. Dono da madeireira Imperatriz, ele foi preso em 2005 numa das maiores operações já feitas contra o desmatamento, a Curupira. A ofensiva da Polícia Federal e do Ministério Público Federal ocorreu em 16 municípios de oito Unidades da Federação. Com 95 acusados de integrar o que foi chamado, então, de “maior quadrilha” a praticar crimes ambientais no país. A madeira retirada ilegalmente encheria 66 mil caminhões.

Em 2010, Aguiar foi flagrado em Jaraguari (MS) transportando galos de rinha em uma caminhonete. Mas é mesmo pela madeira que ele costuma ser investigado. Ele e a madeireira são réus em ação civil pública movida pelo Ministério Público mato-grossense. E a punição em relação à Operação Curupira ainda se arrasta, mais de dez anos depois: ele e mais cinco pessoas são acusados pelo Ministério Público Federal em pedido de prisão temporária. E tudo isto em relação a um esquema que mobilizou 450 policiais, em 2005, e teria rendido R$ 890 milhões à quadrilha – nos valores da época.

Outros se lembrarão da Operação Arco de Fogo – mais um nome pelo qual é conhecido o Arco do Desmatamento. Em Rondônia, em 2008, um dos que estiveram na mira da Polícia Federal foi o prefeito de Nova Mamoré (RO), Laerte Queiroz (PMDB), candidato à reeleição em coligação que inclui o PT, o PPS e o PV. A declaração de bens de 2012 registra a participação na empresa S.F. Madeiras, ao lado de Salete Queiroz. Ambos foram denunciados em 2014 por “fraude para legalizar madeira clandestina”, em 2007 e 2008, segundo o Ministério Público do Estado de Rondônia. As guias florestais tinham informações falsas. O TJ-RO aceitou este ano a denúncia por falsidade ideológica.

A lista dos madeireiros

Entre 308 candidatos em 52 dos municípios que mais desmatam no Brasil, são 18 os madeireiros. Fora os simpatizantes. E a maioria não quer ser vice, não. Apenas três deles tentam ser vice-prefeitos. Os demais tentam a reeleição, como Andrade, ou chegar pela primeira vez à prefeitura, comandando secretarias como a da Agricultura e Pecuária ou a do Meio Ambiente. O levantamento foi feito nas últimas semanas pelo De Olho nos Ruralistas, na reportagem especial Eleições 2016 – O Arco Político do Desmatamento. PSDB e PMDB são os partidos com mais candidatos madeireiros:

 

A lista acima exclui candidatos que não declararam nenhuma empresa do setor, mas são diretamente ligados a madeireiros. Caso da ex-deputada estadual Luciane Bezerra (PSB), candidata em Luara (MT). Ela é nora do madeireiro Orivaldo Bezerra, investigado pela Polícia Federal por retirada de madeira de terras indígenas. Ou do prefeito de Lábrea (AM), Gean Barros (PMDB), genro de Oscar Gadelha, dono de uma micro empresa destinada à “extração de madeira em florestas plantadas”. Barros e Gadelha foram flagrados utilizando trabalho escravo em propriedade reivindicada pelo prefeito, em plena Reserva Extrativista do Médio Purus, na beira do Rio Umari.

Candidato à reeleição, Gean Barros tentou impedir fiscalizações de crimes ambientais nas reservas, no sul do Amazonas. Ao lado do deputado estadual Adjuto Afonso (PDT) e do ex-diretor-presidente do Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas, Graco Fregapani, ele mobilizou a população para expulsar fiscais do Instituto Chico Mendes (ICMBio) do município. Eles tinham ido checar a denúncia de que a unidade de conservação estava sendo utilizada para a extração de madeira. O nome de Gadelha aparece desde os anos 90 em denúncias de venda ilegal de toras.

Outro candidato à reeleição, Antonio Rufatto (PSDB), já presidiu o Sindicato dos Madeireiros de Paranaíta, no Mato Grosso. Em 2016, não declarou nenhuma madeireira, só fazendas. Seu irmão, Lir Rufatto, também filiado ao PSDB de Paranaíta, é madeireiro no Mato Grosso e no sul do Amazonas. Está na lista suja do trabalho escravo, por exploração no km 180 da Rodovia Transamazônica, no distrito de Santo Antônio do Matupi, em Manicoré (AM). É um local – que deveria ser um assentamento do Incra – conhecido como o “180”, pivô dos conflitos com os Tenharim, da terra indígena vizinha.

Lir Rufatto – conhecido na família como Moreira – responde a vários processos criminais pelo país. Pertence a uma família de madeireiros: uma das empresas está no nome de sua mulher, Vitória. Antonio Rufatto, o irmão candidato à reeleição, já foi absolvido num processo que apontava sua madeireira, a Perimetral, como beneficiária do furto de autorizações do Ibama para transporte de madeira. O caso ocorreu em 2005 e foi arquivado em maio deste ano. Segundo o desembargador que relatou o caso, o juiz não deveria ter acolhido a denúncia, pois Rufatto já era prefeito.

Tucanos e madeireiros

Poucas madeireiras foram declaradas pelos candidatos por valores acima de R$ 100 mil. Uma exceção é a empresa do tucano João Rogério de Souza, que tenta voltar à prefeitura de Nova Bandeirantes (MT). Ela vale R$ 500 mil. Pouco em relação ao total de bens do político, R$ 7,6 milhões – sete vezes mais que em 2008. A madeireira J.R. de Souza, ou União, já foi alvo de auto de infração do Ibama em outro município do Mato Grosso, Sinop, em 2008. Com apreensão de madeira.

A madeireira do candidato Milton Amorim (PSDB) em Colniza (MT), a Santa Clara, foi declarada por apenas R$ 25 mil. O município ficou conhecido em 2015 como “o município que mais desmata no Brasil”. Entre agosto e dezembro, respondeu por 19% de todo o desmatamento no Mato Grosso. O pecuarista Miltinho, presidente do Sindicato Rural do município, assinou no ano passado um termo de ajustamento proposto pelo Ministério Público do Estado por causa dos danos ambientais causados pelos resíduos de sua serraria, “casca, cavaco, costaneira, pó de serra, maravalha e aparas”.

Outro tucano que assinou um Termo de Ajustamento de Conduta foi Altamir Kurten, candidato em Cláudia (MT) e dono da Kurten Madeiras do Norte. A promotora Luane Rodrigues Bonfim determinou em julho que ele não corte a mata nativa ou área de proteção permanente de sua propriedade, bem como não utilize “fogo para a limpeza de área”. Sob pena de levar uma multa diária de R$ 5 mil. A Kurten Madeiras foi declarada por R$ 95 mil apenas, mas o candidato registrou na Justiça Eleitoral um empréstimo de R$ 911 mil à madeireira.

Em defesa do setor

A madeireira mais valiosa entre as declaradas pelos candidatos no Arco do Desmatamento é a 3F Madeiras, do prefeito de Aripuanã (MT), Ednilson Faitta (PMDB). Ele declarou cotas no total de R$ 1,44 milhão, metade do capital da empresa. Ele preside desde 1999 a Associação das Indústrias Madeireiras de Aripuanã, mas abriu a serraria 3F em 2010. Seu vice, Junior Dalpiaz (PDT), já assinou documento cobrando do governo valorização do que chama de “setor florestal” – a exploração de madeira é a principal atividade econômica do município – e defendendo o manejo em terras indígenas.

Nem sempre é fácil localizar a madeireira do candidato. No caso de Valdinei Correa Pereira, o Valdinei do Posto (PMN), candidato a vice-prefeito em Pimenta Bueno (RO), localizamos uma de suas duas empresas, a Rondo Madeiras, esta de Espigão D’Oeste (RO), pelo CPF. A outra, a Madbel Madeiras, já estava mencionada em uma condenação feita pelo Tribunal de Justiça em 2015. Em 2009, Valdinei foi flagrado pela Polícia Rodoviária Federal transportando um reboque furtado. Em 2012, ele era procurado, como sócio da Rondo Madeiras, mas estava em “lugar incerto e não sabido”.

Memória

Em alguns casos, o político vai reconstruindo seu perfil rumo a algo mais amigável – e as notícias sobre exploração de madeira vão ficando distantes. O prefeito de São Félix do Xingu (PA), João Cleber de Sousa Torres (PMDB), era mencionado pelo Ministério Público Federal em 2003 como um dos principais mandantes de uma “máfia da grilagem” na região. Candidato à reeleição em município que ainda lidera o ranking de homicídios na Amazônia, ele era descrito pelos procuradores como dono das madeireiras Impanguaçu e Maginga. Em 2016, João Cleber declarou possuir um total de R$ 20 milhões em bens, oriundos principalmente de 15 mil cabeças de gado.

Quem também andou se beneficiando do esquecimento foi o ex-deputado estadual Paulo Jasper, o Macarrão (DEM), candidato em Tailândia (PA). Em 2008, era apontado como integrante de uma quadrilha da madeira que lucrava R$ 90 milhões com fraudes, segundo promotores paraenses. O município chegou a ser ocupado por tropa da Força Nacional. Áreas devastadas havia mais de 15 anos eram “esquentadas” a partir de papéis fraudulentos: duas fazendas existiam apenas em cartório, para justificarem o desmatamento. Quem denunciou o esquema foi um antigo sócio de Macarrão.

E tem mais. O tucano Paulo Pombo Tocantins, candidato à reeleição em Paragominas (PA), é dono do único cartório no município. Vejamos esta notícia de 2003, do Greenpeace: “Madeireiros destroem castanhais dentro da área proposta para a criação de reserva em Porto de Moz”. Os ativistas percorreram a estrada que ligava o plano de manejo, pertencente a Paulo Tocantins, e encontraram toras abandonadas, tocos e trilhas de arraste de toras por tratores. Segundo a organização, ele fornecia madeira para várias indústrias madeireiras: Eidai do Brasil, Intelnave e Tropical. Em 2004, o Greenpeace atualizou o caso: a madeira apreendida pelo Ibama tinha sumido.

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