"Agronegócio, grandes hidrelétricas, asfalto, exploração de minérios para venda como commodities, desencadeiam processos de destruição da natureza, de saberes acumulados durante milênios e incalculáveis fontes de pesquisa". O comentário é de Egydio Schwade em artigo publicado pelo Conselho Indigenista Missionário (CIMI).
Egydio Schwade é um dos fundadores do Conselho Indigenista Missionário - Cimi e primeiro secretário executivo da entidade, em 1972. Hoje é colaborador do Cimi, residindo em Presidente Figueiredo-AM. Eis o artigo:
Cada gesto que fazemos em direção à mãe-terra desencadeia um processo de conseqüências boas ou más sobre a vida no Planeta. Quando este gesto ou investimento é correto desencadeia um processo de consequências a favor da vida, alcançando o objetivo da ação e outros no seu caminho.
Em uma estrada com declive a água das chuvas prejudica não apenas a estrada, mas causa erosão e assoreamento em todo o seu caminho rumo ao mar. O que se faz costumeiramente, à frente o poder público, é levar essas águas o mais depressa possível para dentro do igarapé, rio ou mar, acumulando um problema atrás do outro. A água abre sulcos cada vez mais profundos nas laterais da estrada, causa frequentes avalanches, transporta toneladas de terra que vão assorear igarapés e rios, prejudicando a flora e a fauna aquáticas... Ou seja, se desencadeia um processo de destruição que futuramente exigirá fortunas para ser reparado.
Acolhendo esta água no sítio ao lado resolvemos o problema dos usuários da estrada: a erosão. Economizamos o dinheiro para a manutenção da estrada. No sítio a água canalizada irriga as plantas. E, abrindo buracos ao longo do canal, de espaço em espaço e enchendo-os com matéria orgânica resultante de poda ou lixo orgânico, estes formarão “ilhas de fertilidade”, onde poderão ser cultivados frutos, hortaliças ou plantas medicinais. Os canais ainda absorverão e filtrarão parte da água que abastecerá o lençol freático... Assim a simples canalização da água para dentro de um sítio pode desencadear ações a favor da vida e do planeta.
Semelhantemente, repetimos, a cada hora do dia que passa ações de consequências positivas ou negativas. A existência de sauveiros ou formigueiros de saúvas tem a sua finalidade positiva. São amaciadores e adubadores da terra árida e mediante os canais que criam no solo abastecem as águas os lençóis freáticos. Mantidos sob controle mediante água e serragem, protegem-se as flores e fruteiras e mantém-se a terra adubada e úmida... Combatidos com veneno desencadeamos processo inverso, de malefícios para a vida na terra. Destruímos a finalidade de sua existência, envenenamos a terra e os alimentos que ela produz. E os processos nefastos se prolongam ao infinito. O governo ainda não avaliou e talvez nunca vá avaliar os prejuízos que causou à Amazônia, ao mundo e continua causando com a entrega do chapadão dos Parecis e do estado de Tocantins ao agronegócio, que destruiu milhões de sauveiros que regulavam as águas rumo ao rio Amazonas e ao mar.
Visite-se Santarém, considerada uma das concentrações humanas mais antigas das Américas. Vejam o que a Prefeitura e a população vêm fazendo com a “terra preta”, a melhor terra de toda a região amazônica. O que gerações e gerações de humanos acumularam com sua sabedoria para o cultivo da terra está sendo diariamente “enxotado” às toneladas, como lixo, para o Rio Tapajós, para o rio Amazonas, para o mar... para ser substituída por asfalto e cimento.
Agronegócio, grandes hidrelétricas, asfalto, exploração de minérios para venda como commodities, desencadeiam processos de destruição da natureza, de saberes acumulados durante milênios e incalculáveis fontes de pesquisa.
Todas as metrópoles são arsenais ou fábricas de burrice porque se estruturam todas sobre processos iníquos. É asfalto e cimento cobrindo a mãe-terra. São arranha-céus que exigem milhões de toneladas de seixo ou brita que vão aniquilando o alimento e os refúgios da fauna dos rios ou desmontam com potentes dinamites milhões de toneladas de rochas, abalando a estrutura do solo e do subsolo...
A exploração da floresta para transformar sua madeira em mercadoria não é sustentável, pois também desencadeia processos nefastos para a humanidade. O madeireiro não reconhece e não vê valor nos cipós e na variedade imensa de plantas valiosas não-madeireiras, nem os animais silvestres e nem o abrigo das águas.
O sustento e o incentivo cego às fábricas de carros e de plásticos descontrola a humanidade com relação ao destino do lixo inorgânico...
O “cidadão” se transforma em um “urbanagem”, em “urbanoide”. Viciado por milhares de leis escritas acaba estruturando sobre elas toda a sua “sabedoria” e ”ciência”. A ciência congênita, ou consciência, fica em segundo plano ou até totalmente esquecida, tornando o cidadão um “paraplégico” entregue aos “cuidados” de um Estado cego, sempre descontrolado pelas forças ou interesses que o comandam. Assim em meio a toda esta crematística, como Aristóteles denomina este tipo de “economia” que vem sendo praticada pelos Estados, é salutar pensar na transformação do sistema político e social vigente e não apenas em paliativos.