Projeto Àwúre entrevista agentes regionais sobre a atuação da CPT junto às comunidades tradicionais e do campo, no combate à fome e fortalecimento de seus processos de resistência
Publicado em Àwúre
A pobreza anda de mãos dadas com a desigualdade social, a fome, exclusões de diversas natureza, a falta de oportunidades e de acesso a direitos básicos.
Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), divulgados em dezembro de 2022, mostram que, no Brasil, a pobreza bateu recorde em 2021: 62,5 milhões de brasileiras e brasileiros estavam abaixo da linha da pobreza, quase 30% da população do país. Desse total, 17,9 milhões estavam na extrema pobreza. Entre 2020 e 2021, houve um aumento recorde no número de pessoas vivendo abaixo da linha de pobreza, 22,7%, foi quando o número de pessoas nessa situação passou de 50,9 milhões para os 62,5 milhões de brasileiras e brasileiros.
A pobreza acarreta uma série de consequências para as famílias e para o país. A pobreza é definida como a falta de acesso a serviços essenciais (saneamento básico, saúde, educação, energia elétrica, entre outros), bens de consumo, sobretudo alimentos, e bens materiais necessários para a manutenção da vida em condições básicas de dignidade.
O Àwúre é uma iniciativa que reúne o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), o Ministério Público do Trabalho (MPT) e a Organização Internacional do Trabalho (OIT), tendo diversos parceiros e apoiadores, entre eles, a Comissão Pastoral da Terra (CPT). A CPT atua no contexto de injustiça social relacionada aos direitos à terra e ao território, apoia a luta dos agricultores para promover o avanço da reforma agrária, principalmente nas regiões mais pobres do Brasil, e a efetivação dos direitos dos agricultores e camponeses.
Cícera Gomes fala da importância da Comissão Pastoral da Terra e como o serviço pastoral se dá no atendimento as comunidades. Ela integra a Comissão Pastoral da Terra do Sertão Paraíba, na Diocese de Cajazeiras. Cícera trabalha na coordenação Regional Nordeste 2, que abrange quatro estados: Alagoas, Paraíba, Pernambuco e Rio Grande do Norte.
“A Comissão tem ações junto às famílias do campo na perspectiva do fortalecimento da agroecologia (alimentos saudáveis) para alimentar as famílias, a comunidade e o mercado local. Temos trabalho com as famílias a partir da pedagogia de Jesus tendo como base o evangelho orientando o fazer e cuidado com a vida e a “casa comum”. A CPT tem um importante papel na tarefa de desmitificar o fundamentalismo religioso. Ajudar as comunidades a tirar as vendas e enxergar melhor a realidade e o evangelho de Jesus conduz para a retirada e não para a permanência; a seguir a justiça; a enxergar a fome; a falta de moradia; as famílias sem-terra; as famílias despejadas como uma injustiças sociais e negação de direitos”, disse ela.
Já Francisco de Souza (Chiquinho) é agente da Comissão Pastoral da Terra no estado do Ceará e comenta o quanto as experiências ensinam a coletividade e o jeito de se relacionar com a natureza.
“Tem uma coisa muito importante do trabalho que a CPT faz com as famílias que é o processo de formação integral e permanente. A partir das experiências concretas dessas famílias, como uma forma de incentivar, de valorar por meio da experiência da mística e espiritual do trabalho da CPT, porque os contatos com as pequenas comunidades, com os povos e comunidades tradicionais, povos indígenas, quilombolas, de religiões de matriz africana, os posseiros, os pescadores, os camponeses e camponesas, os fundo de fecho de pasto na Bahia, os gerazeiros, sendo várias realidades do Nordeste, são experiências que nos ensinam o jeito de ser, e sobretudo, olhando para os povos indígenas, originários, eles nos ensinam outro jeito da gente se relacionar com a natureza, com a terra, com a mãe água, nos conectando com aquilo que é muito maior do que a nossa condição como pessoa humana, mas, sobretudo, com nossa espiritualidade porque tudo está interligado nessa construção de que precisamos cuidar do outro, que nós precisamos cuidar da comunidade, e do planeta”.
Felipe Oliveira da CPT AT – Araguaia Tocantins-, comenta a atuação da Comissão Pastoral da terra junto às famílias de modo a contribuir para que elas compreendam o papel do Estado.
“Por mais que a gente não tenha como levar políticas públicas para essas famílias do campo, nós tentamos fazer com que essas famílias se organizem para reivindicar a participação do Estado na vida delas, para que elas possam viver de forma digna. Seja na política pública de fomento, de acesso a estradas, à saúde, educação, energia, dentre outras. Tudo isso e, principalmente, para o tão sonhado acesso à terra sem o conflito. Então, nesse tipo de atuação, a CPT não faz o papel do Estado, mas contribui para que as famílias compreendam qual é o papel do Estado e cobrem dele que essas coisas sejam realizadas para que elas possam viver com dignidade. A importância da CPT gira em entorno de uma necessidade que não deveria haver, mas existe, e assim nos inserimos nesse meio”.
“O que observamos é que o objetivo da CPT e dos seus agentes, independente da atuação do Estado, é o mesmo: Contribuir com a valorização da cultura dos povos originários e comunidades tradicionais, aumentar a presença do Estado no campo, nas periferias e locais isolados, ampliar o acesso à cultura e aos direitos fundamentais. Estes são alguns dos desejos de quem faz um serviço que transforma a vida de comunidades brasileiras.”, diz Felipe.
O ESPERANÇAR
“Temos a esperança que nenhuma família camponesa seja despejada e que o governo Lula respeite os direitos dos povos do campo. O trabalho e o empoderamento das mulheres em todos os campos na produção e reprodução da vida”. Cícera Gomes – CPT Paraíba.
“Nós, como agentes da Comissão Pastoral da Terra, entendemos haver um novo respiro. Estamos apostando na construção, de reconstruir o Brasil, de refundar o Brasil. Obviamente que nós da CPT não depositamos todas nossas esperanças em governos, porque entendemos que os governos também cumprem uma agenda que por vezes não é a partir da escuta do povo, da vida e do sofrimento do povo. Mas nós também entendemos quem são os que estão do lado da defesa do direito dos povos, e aqueles que estão a serviço das grandes multinacionais, do capital financeiro, do agronegócio que destrói a vida e a dignidade das pessoas. Portanto, a esperança que nós temos é que os povos indígenas, quilombolas, povos de terreiros, camponeses e camponesas, as comunidades do campo possam ser vistas como uma parcela da população importante para recolocar esse país no trilho da construção coletiva. Francisco de Souza (Chiquinho) – CPT Ceará.
“Temos esperança que o diálogo seja mais flexível com o governo, coisa que não tivemos em quatro anos atrás. Esperamos que algumas situações sejam visualizadas pelos órgãos, principalmente a reativação do INCRA, que ele possa efetivar alguns trabalhos de campo para que alguns processos e passos simples, que estão travados em quatro anos, possam ter andamento. Então essa é a esperança!”. Felipe Oliveira faz parte da CPT AT – Araguaia Tocantins.
O Àwúre apoia toda e qualquer esperança que transforme o mundo em um local mais justo e feliz, com menos pobreza e nenhuma fome.