Em mobilização como forma de confrontar o acirramento das violências no campo, organizações e movimentos sociais apresentaram à sociedade, na manhã da terça-feira (2), a "Campanha Contra Violência no Campo: em defesa dos povos do campo, das águas e das florestas".
Texto: Mário Manzi - Assessoria de Comunicação da CPT Nacional
Fotos: Cláudia Pereira - Assessoria de Comunicação da Articulação das Pastorais do Campo / Barack Fernandes - Comunicação Contag
O lançamento da proposta de ação coletiva foi sediado em Brasília, no auditório do Conselho Nacional dos Direitos Humanos, (CNDH), no Edifício Parque Cidade Corporate, com a presença de mais de 120 participantes e foi transmitido ao vivo nas plataformas digitais. Na ocasião também foi distribuído um folder informativo sobre os objetivos e com a apresentação da Campanha.
A mobilização da campanha foi criada no final do ano de 2021 como iniciativa de, dentre outros objetivos, denunciar o contexto de agravamento dos conflitos, e como forma de recomendar “ações e políticas de proteção aos territórios e as vidas humanas ameaçadas”.
A mesa inicial foi composta por Darci Frigo, presidente do CNDH; Sandra Maria da Silva Andrade, da Comissão Terra e Água do CNDH; Dom José Ionilton, bispo de Itacoatiara e presidente da Comissão Pastoral da Terra (CPT); Simão Guarani e Kaiowá, da da Terra Indígena (TI) Dourados Amambai Peguá (MS); Ismael Cunha, da Comunidade Alegria, em Timbiras (MA); Alair Luiz dos Santos, da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag); Alessandra Farias, da Sociedade Maranhense de Direitos Humanos (SMDH); Eduardo de Oliveira, Secretário-executivo do Conselho Indigenista Missionário (Cimi). A mediação foi de Jordana Ribeiro, do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e de Carlos Lima, da coordenação nacional da CPT.
Frigo falou da atuação do CNDH ao ressaltar que o Conselho tem se desdobrado para atender às demandas de violação de direitos, em um contexto completamente adverso. “O CNDH é, na prática, a representação de Direitos Humanos [neste governo]”.
Em seguida, Sandra Maria emendou que a comissão da qual faz parte é uma das que mais recebe denúncias por conta de conflitos e que é necessária a realização de regulação fundiária como ferramenta de luta contra as injustiças no campo. "A violência não pára. Não temos reconhecimento dos nossos governos. É preciso que o governo retome a reforma agrária no país". Alair Luiz dos Santos complementou as alocuções ao relembrar que a reforma agrária deve vir acompanhada de apoio às pessoas assentadas ou que têm seus territórios reconhecidos, por meio de subsídios e apoio técnico e social às ações de implantação de infra-estrutura básica.
Ao contextualizar a criação da Campanha, Dom Ionilton pontuou sobre a proposta de motivar as lutas, ao somar forças entre as comunidades e as organizações que dão assistência e assessoria aos povos do campo, das águas e das florestas. "A paz no campo é fruto da justiça". O presidente da CPT também ressaltou a necessidade da titulação das terras indígenas e a garantia dos direitos sociais e do meio ambiente". Ao citar a Campanha "Eu voto pela Amazônia" da Rede Eclesial Pan-Amazônica (Repam-Brasil), Ionilton afirmou que "É este o Brasil que queremos", um país com acesso à terra, teto e trabalho. "Basta de violência no campo, queremos que a paz e a justiça se abracem".
A Campanha
Alessandra Farias falou em seguida sobre o esforço coletivo das 54 organizações envolvidas até o momento, e das comunidades, em se engajarem na Campanha, completando que as violências têm sido uma constante no campo e nas periferias urbanas. "[A ação busca] publicizar nossas práticas e experiências contra o projeto de morte do governo brasileiro e convoca as organizações aqui presentes e as não listadas para fazerem parte da campanha". Sobre a necessidade de juntar esforços, ela destacou que os Grupos de Trabalho estão abertos à colaboração e participação das companheiras e companheiros. "A campanha é uma luta é nossa, essa luta é do povo".
Voz das comunidades
Simão Guarani e Kaiowá (MS) fez memória às centenas de lideranças indígenas assassinadas desde a Constituição de 1988. "Esta campanha é para denunciar essa violência". Como exemplo, ele recordou o recente massacre contra os Guarani e Kaiowá em 2020. O avanço do agronegócio foi apontado dentre as causas de conflito contra seu povo, que resiste: "Estão plantando e colhendo em cima das comunidades indígenas. Mesmo o governo não demarcando, nós vamos demarcar".
Ismael Cunha, da Comunidade Alegrias em Timbiras (MA) abordou a resistência de seu povo no processo de retomada do território em contraponto ao avanço comandado pelo latifúndio. Segundo Cunha, o processo de grilagem é acompanhado do desmatamento, uma vez que os ditos proprietários entram no território da comunidade e derrubam as matas.
São mais de 450 famílias na área e, conforme alerta, de dois anos pra cá houve acirramento dos conflitos, incluindo assassinatos. "Agora quem está na lista para ser assassinado sou eu. O latifúndio quer passar por cima da gente". Ele afirma que as ameaças estão cada vez mais constantes, e citou ter recebido recados como "os madeireiros estão contratando grupos para te matar quando você chegar na cidade".
"Vivemos de fazer a nossa roça. A gente está nesta luta para não perder o território, a devastação é completa. Esperamos que a Campanha possa nos ajudar no sentido de permanência na terra", completou.
Dados sobre violência
Eduardo de Oliveira, Secretário-executivo do Cimi, apresentou dados do relatório do Conselho sobre o ano de 2020, quando ocorreram 182 assassinatos de indígenas. Oliveira lembrou também que desde 2017 nenhuma terra indígena no Brasil é demarcada no país. "O governo federal instalou no Brasil uma crise. Esta crise é um projeto, que visa retirar os direitos do povo". Sobre o contexto de seguimento desse processo de morte, Eduardo ressaltou a votação do Marco Temporal, pelo Supremo Tribunal Federal (STF), enquanto tese restritiva aos povos indígenas. "Metade dos territórios indígenas passam a ser desconsiderados", caso o Marco Temporal seja aprovado.
Andréia Silvério, da coordenação nacional da CPT falou em seguida ao comentar os dados de avanço da violência. Ela expôs que, de 1º de janeiro de 2016 até 25 de julho de 2022, a CPT registrou 276 ocorrências de assassinatos por conflitos no campo, sendo 98 destes de sem-terra e 54 de indígenas.
"Desse assassinatos, 41% estão relacionados com as violências sofridas contra as famílias, tais como ameaça de despejo judicial, ameaça de expulsão, despejo judicial, invasão, pistolagem, expulsão, destruição de casas, pertences e roçados. Com isso demonstra-se que as violências contra as pessoas não são processos isolados e estão relacionados à disputa por territórios".
Ao tratar dos dados, Silvério salientou que apenas neste ano de 2022 - com base nos dados atualizados até o dia 25 de julho -, foi registrado aumento de 38% em mortes causadas por pistolagem em relação ao ano de 2021.
Ela também recordou o ano de 2017, logo após a ruptura democrática, e quando ocorreram cinco massacres no campo ao citar o Massacre de Pau D'Arco (PA) como exemplo. O conflito vitimou dez trabalhadores rurais sem terra, dentre eles uma mulher. "Os casos de assassinatos não são isolados, mas fazem parte de uma estrutura de violência sistêmica". Em seguida fez memória ao Massacre do Rio Abacaxis (AM), que completa dois anos neste mês de agosto. No massacre seis pessoas, entre ribeirinhos e indígenas Munduruku, foram mortas.
Adesão
Representes das organizações foram chamados à fala. Alonso Batista dos Santos, da Contag, reiterou que a adesão à campanha segue disponível para que mais entidades e organizações possam se somar, e que, a partir do lançamento da Carta de Compromissos - que será em breve divulgada pela campanha -, candidatas e candidatos ao pleito deste ano poderão ser signatários do documento, como forma de se comprometerem com as propostas da Campanha.
Para aderir à campanha, acesse o formulário AQUI.
Assista a transmissão ao vivo: