Realizado entre os dias 8 e 11 de junho, mulheres do campo, das águas e das florestas se reuniram na cidade de Brejo(MA) para partilhar vivências e denunciam o agravo das violências, invasões e avanço do agronegócio em seus territórios
Texto e Fotos Andressa Zumpano do setor de comunicação da CPT Nacional
A terceira edição do Encontro de Mulheres dos Territórios em Luta no Maranhão ocorreu na cidade de Brejo (MA) entre os dias 8 e 11 de junho. O evento foi organizado pela Comissão Pastoral da Terra (CPT) - regional Maranhão e contou com místicas, debates e oficinas que foram desde autocuidado até ações profissionalizantes.
Após dois anos de pandemia, mulheres do campo, das águas e florestas do Maranhão se reencontram com o intuito de partilhar vivências e denúncias acerca das violências que atingem seus territórios, bem como fortalecer suas alianças no enfrentamento aos agentes causadores destes conflitos.
O encontro se iniciou com a pergunta "Quais mulheres vivem dentro de mim?". Em círculo e coletivamente, as mulheres presentes manifestaram "a mulher guerreira, periférica, negra, agricultora, a mulher que luta pelo seu filho e pelo filho das outras, a mulher batalhadora…"
Em seguida, uma partilha sobre experiências em coletivas, com as companheiras Deuza Brabo, do coletivo Resistência Cultural Upaon Açu (Reocupa) ; Madai Garcia González, mexicana, integra as coletivas, Correr feminista e da Agenda Feminista Oaxaqueña; Rosa Gregório, do Movimento Interestadual de Quebradeiras de Coco Babaçu (MIQCB); Camila Leres, do Chapadinha Mofemn Movimento de Mulheres Feministas Negras; Ana Lúcia e Jaqueline Vaz , da coletiva Emaranhadas.
"Sou quebradeira de coco, mulher preta, eu sei de onde vim. O coco me lembra as mulheres da minha vida, da minha mãe, minhas duas tias, as histórias delas não morrem em mim, eu tenho obrigação de continuar. A gente não é só quebradeira de coco, a gente é fruto de uma grande luta", relata Rosa.
Já no espaço "E a Mulherada Falou: Comunicação a partir de nós – Narrativas dos corpos em luta", ainda no primeiro dia de encontro, facilitado pelas agentes do regional CPT-MA e Andressa Zumpano, do setor de comunicação nacional da CPT, reflexões acerca da comunicação a partir dos territórios foram pontuadas. A importância do domínio das narrativas sobre os seus corpos-territórios, bem como estratégias de ampliar as vozes das mulheres do campo, estiveram entre os principais elementos levantados pelas participantes do encontro.
Dentro da programação também estiveram presentes místicas de homenagem às mulheres vítimas da pandemia de COVID-19, com destaque para a carta em homenagem à liderança quilombola Fátima Barros e ritual realizado pelas mulheres indígenas do povo Akroá-Gamella.
Além disso, diversas oficinas foram ministradas durante o Encontro, com o objetivo de fortalecer os processos de autonomia e autoconhecimento, tais como: autocuidado; ações e prevenções contra o abuso sexual infantil e trabalho escravo infantil; pratos decorados de tecido de chita; ervas medicinais; tranças/turbantes e beleza afro e ciclos menstruais e absorventes ecológicos.
"O que ameaça nossos corpos?"
"A desapropriação do nosso território; venenos das fazendas; o preconceito com nossa cor; machismo; desmatamento; grileiros; poder político; derrubada de palmeiras; milicianos; queimadas". Estas foram algumas das tantas ameaças expostas pelas mulheres durante o Encontro.
A escolha da cidade de Brejo para a realização do encontro não se deu por acaso, a região conhecida como Baixo Parnaíba encontra-se atualmente como um dos celeiros em conflitos no campo no estado: alto índice de pulverização de agrotóxicos sob as comunidades e avanço dos grandes empreendimentos. Esses conflitos atingem, sobretudo, os corpos de mulheres e crianças que habitam o campo e estão em constante luta pela defesa de seus territórios.
Segundo o relatório Conflitos no Campo, da Comissão Pastoral da Terra, o Maranhão foi o segundo estado com maior número de assassinatos no campo em 2021. As violências de gênero, que atingem os corpos-territórios das mulheres do campo, também aparecem em dados quantitativos e qualitativos na publicação, que destaca como as principais delas: ameaças de morte, intimidação e humilhação.
"Entre as duas principais violências contra a pessoa sofridas por mulheres em conflitos no campo em 2021, a Ameaça de Morte e a Intimidação representam, respectivamente, 31,25% e 13,54% das violências sofridas por elas. Contudo, embora a humilhação seja apenas a quinta violência mais sofrida por mulheres, com 7,29% das violências, ela tem um peso maior do que para os homens", destaca o relatório.
Durante a pandemia, não somente ocorreu um agravo em conflitos nos territórios, como também um aumento alarmante nos dados de violência contra a mulher, principalmente no ambiente doméstico.
Segundo levantamento do Datafolha, encomendado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, "Visível e invisível: a vitimização de mulheres no Brasil", de 2021, 4,3 milhões de mulheres brasileiras de 16 anos ou mais (6,3%) foram vítimas de agressões físicas, sendo estas: tapas, socos ou chutes. Em suma, a cada minuto, 8 mulheres foram agredidas fisicamente durante a pandemia do novo coronavírus, no Brasil.
Mesmo diante desse cenário devastador, mulheres no campo e na cidade seguem em resistência, como linha de frente nas trincheiras de luta em defesa de seus corpos-territórios. "Nossas resistências são nossa união, as conversas, as partilhas de companheiras de cada território, principalmente de nossas mulheres de luta", reforça Craw Craw Akroá-Gamella.
Ato Político
O encerramento do III Encontro de Mulheres foi marcado pelo I Ato Político de Mulheres em Luta no estado, que tomou as ruas de Brejo (MA), no dia 10 de junho. A manifestação teve como objetivo denunciar a escalada de violência que atinge os povos do campo, das águas e das florestas na região.
Mulheres quilombolas, quebradeiras de coco babaçu, indígenas, marisqueiras, camponesas e ribeirinhas, denunciaram durante o ato as recorrentes ameaças e intimidações que recebem diariamente, promovidas pelo avanço do latifúndio, através de milícias armadas ou até mesmo do aparato estatal, que atua em favor do agronegócio; também acusam o crescimento do envenenamento por agrotóxicos, que contamina água, solo e corpos em suas comunidades; o cercamento e a derrubada das palmeiras de coco babaçu; a privatização das águas, que as impedem de adquirir seu sustento através da pesca.
"O nosso território está sem vida [...] Estão acabando com as nossas terras, nossas matas, nossos rios. Vocês também precisam dessa água para sobreviver na cidade, que está pegando fogo. Essa é a nossa vida, é fazer luta. Precisamos da solidariedade de todo o povo", declara a Craw Craw, indígena Akroá-Gamella.