350 cientistas espanhóis alertam para a ameaça de destruição dos ecossistemas em países de onde a Europa importa produtos do agronegócio, como a soja no Cerrado brasileiro, que provoca impacto à biodiversidade e ao clima; o manifesto foi apresentado em um seminário online sobre o projeto de regulamento que está sendo debatido na União Européia
Via Ecologistas en Acción
Enquanto os Ministérios do Ambiente e o Parlamento Europeu debatem a proposta legislativa apresentada em novembro do ano passado pela Comissão Europeia para travar o desmatamento associado à importação de determinadas matérias-primas e produtos, a comunidade científica se mobiliza para manifestar a necessidade de frear a destruição das florestas.
Durante o período 1990-2008, a UE-27 foi responsável, através de suas importações, por cerca de 36% de todo o desmatamento incorporado nos produtos agrícolas e pecuários comercializados internacionalmente. A Espanha se destaca como um dos países com maior responsabilidade por essa tendência destrutiva, sendo o terceiro maior importador de desmatamento no período 2005-2017.
No manifesto apresentado, a comunidade científica alega, entre outros pedidos:
- Inclusão na futura lei europeia de, para além das florestas, ecossistemas de grande valor ecológico, como prados, savanas, turfeiras ou zonas húmidas, que possam funcionar como sumidouros de carbono.
- Aplicação na legislação futura uma lista completa de produtos associados ao risco de desmatamento e degradação florestal. Isso deve incluir (além dos já propostos, como soja, óleo de palma, madeira, cacau, café e carne bovina) toda a pecuária, borracha e milho.
- Exigência de rastreabilidade até o local de produção das matérias-primas.
- Garantia de direitos humanos reconhecidos internacionalmente, em especial os direitos dos povos indígenas e comunidades locais. Isso implica que os direitos de posse e o direito ao consentimento livre, prévio e informado sejam respeitados.
- Cobertura mínima e suficiente dos operadores e do volume de mercadorias, distribuída em toda a UE, para evitar distorções do mercado.
A publicação do manifesto ocorre poucos dias antes da realização do Conselho, no dia 28 de junho, em que os ministros europeus do Meio Ambiente votarão o texto negociado há meses com a presidência francesa. No documento, cientistas espanhóis denunciam questões de vital importância para que a norma que está sendo negociada atenda aos objetivos propostos.
Os participantes do seminário online, na ocasião, também abordaram sobre todos esses objetivos, ao mesmo tempo em que apontam o Regulamento proposto como uma oportunidade de combate ao desmatamento.
Ana Echenique, representante do CECU, lembrou que "os consumidores europeus já apoiaram, na consulta realizada há dois anos, uma lei exigente que impeça que o desmatamento acabe no seu prato".
Alberto Abad, em nome do Coordenador de Comércio Justo, expressou: "O que exigimos é um aspecto tão fundamental como garantir que os direitos humanos sejam respeitados nos produtos que consumimos diariamente".
“A tramitação do Regulamento deve estar atrelada a uma profunda reflexão sobre as causas do desmatamento, como as políticas neoliberais da Organização Mundial do Comércio e uma PAC que promoveram um modelo agropecuário dependente da importação de soja e que expulsaram milhares de pequenos e médio produtores”, destacou Andoni García, do Executivo do COAG.
Estes pedidos não vêm apenas de organizações ambientais, agrícolas e de consumidores e comércio justo, mas diferentes empresas do setor têm sublinhado a necessidade de apostar numa regulação mais rigorosa, que inclua outros ecossistemas fundamentais na captura de CO2 para além das florestas. Ao mesmo tempo, ressaltam que estão preparados para sua aplicação e que trabalham há anos em Due Diligence para cumprir o European Timber Regulation (EUTR), embora sua aplicação tenha sido muito desigual.
Na opinião dos organizadores, como destacou Isabel Fernández, do Ecologistas en Acción, essa seria a única forma de estender a proteção a savanas como o Cerrado, de onde vêm 65% das importações europeias de soja e carne bovina.
No final do webinar, Miguel Díaz, porta-voz de Amigos da Terra, exortou o governo espanhol a pressionar por um acordo "à medida das circunstâncias", incentivando a sociedade civil a continuar o seu trabalho, "porque uma sociedade mobilizada, crítica e transformadora é mais importante do que nunca”.
Desmatamento continua ininterrupto
Entre 2004 e 2017, mais de 43 milhões de hectares de ecossistemas florestais foram perdidos nos trópicos e subtrópicos, em regiões da América Latina, África Subsaariana e Sudeste Asiático.
Em um contexto de múltiplas crises ambientais e climáticas — quando a profunda perda de biodiversidade em escala planetária tem gerado constantes surtos de zoonoses e o desmatamento tem causado escassez de água, contribuindo para o aumento de eventos climáticos extremos —, a destruição das florestas é uma grave questão ambiental para todo o planeta.
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