Na tarde da última sexta-feira, 06 de maio, foi realizado um ato em memória e por justiça pelo assassinato do jovem camponês, professor, gay Lindolfo Kosmaski. O ato ocorreu em frente à Secretaria de Educação, no centro de São João do Triunfo, região sul do Paraná, cidade em que Lindolfo morava.
Texto: Setor de Comunicação do MST-PR - Via Página do MST
Foto: Wellington Lenon
No dia 1º de maio, completou-se um ano do assassinato, na época com 25 anos, que o camponês, gay e professor foi brutalmente assassinado. Seu corpo tinha marcas de tiros e foi carbonizado, comprovando mais um crime de ódio contra um LGBT.
“Todos sofrem a dor de ver um jovem que trouxe seu legado, e foi rompido por ser quem ele é. Esse menino foi morto por discursos de ódio, essa cultura de ódio que está instalada nessa sociedade”, afirmou Clau Lopes, da direção do Sindicato dos Trabalhadores em Educação Pública do Paraná (APP-Sindicato) e do Conselho de Direitos Humanos (Coped).
Imagens do ato realizado na sexta-feira (6). Fotos: Wellington Lenon
Vida de Lindolfo
Lindolfo nasceu no dia 11 de setembro de 1995, no município de São João do Triunfo, no estado do Paraná, em uma comunidade camponesa de pequenos agricultores e agricultoras, chamada Coxilhão de Santa Rosa.
Sempre muito estudioso, em 2014 após terminar o ensino médio, participou da Jornada de Agroecologia na Escola Milton Santos (EMS), um centro de formação do MST, no município de Maringá, Paraná. Também tinha o sonho de cursar medicina, e decidiu atuar na Escola Latina Americana de Agroecologia (ELAA), na Lapa/PR. Ali fez o curso de agroecologia e licenciatura, consolidando sua paixão pela agroecologia e Educação do Campo.
Em 2015 estudou no curso de Licenciatura em Educação do Campo, Ciências da Natureza com ênfase em Agroecologia em parceria com a ELAA e a UFPR/Setor Litoral. Neste período conhece o MST e passa a participar das atividades, se reconhece como gay e começa a participar do Coletivo LGBT do Movimento.
Em 2018, ao concluir o curso volta para sua comunidade, em São João do Triunfo e continua os estudos no Programa de Pós Graduação em Ciências e Matemática, na Universidade Federal do Paraná (UFPR). Dois anos depois, em 2020, concorre a vereador pelo Partido dos Trabalhadores (PT) no município, para tentar contribuir com a sua comunidade e nesse período também atuava como professor da Rede Estadual de Ensino do Paraná em quatro escolas.
Lindolfo Presente
Foto: Wellington Lenon
“Reunidos nesta praça também nos tornamos sementes, hoje ele se soma a muitas outras vidas que se perderam nesse país pelo ódio e LGBTfobia. Fica para nós a tarefa, a missão política e humana de acolher, e de lutar, defender todas as outras crianças e jovens que também são LGBT, pois não queremos que sejam mais números nessas estáticas fria e cruel”, disse Vinicius de Oliveira, dirigente do coletivo LGBT do MST/PR.
Amandha Felix, coordenadora da Escola Latino Americana de Agroecologia (ELAA) leu a poesia feita por Luna, amiga de Lindolfo: “Ontem, 1 de maio, dia de luta para trabalhadoras e trabalhadores, assim como todos os dias, para nós não tem muita folga, mas ontem foi um marco, o primeiro de maio vai ser mais forte ainda para mim, esse jovem da foto é mais um rapaz Latino americano, querido e admirado por muitos. Mas por aqui agora desejo levantar a denúncia, que não passe em branco a morte de um dos nossos, jamais. Lindolfo camponês, professor das bandas de Triunfo, gay assumido, levantava nossa bandeira da vida campesina e LGBT, um amigo passageiro mas que marca para toda vida. Lembrarei sempre assim, de um sorriso bem bonito. Mas a partir de sua partida, fica aqui dentro de mim o recado de levantar para lidar com a nossa juventude camponesa. Também temos o direito de amar quem quisermos. Não vamos nos calar diante dessa injustiça. Desejo paz aonde ele estiver, e para nós a força para o que der e vier. Lindolfo PRESENTE!”.
Ao final do ato, todos se encontraram no local onde uma cruz em homenagem à Lindolfo foi colocada. Este local é próximo onde seu corpo foi encontrado. Ali, além de uma fala de encerramento em agradecimento a presença de todos (as), alunos zambianos cantaram uma canção de sua terra natal em homenagem à Lindolfo.
“O Lindolfo está presente, ele não morre nunca, ele é semente e de girassol que sempre estará voltado ao sol. Que a vida dele não tenha sido em vão, que todos comecem a respeitar e ter mais amor as outras pessoas”, comentou Simone vice-presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais, e ex-professora de Lindolfo.
Dados da violência LGBT
Desde 1990, quando a Organização Mundial da Saúde (OMS) retirou a homossexualidade do Código Internacional de Doenças (CID), a data de 17 de maio é lembrada como Dia Mundial de Combate à Homo-lesbo-transfobia. Porém, de acordo com o relatório da Associação Internacional de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transgêneros e Intersexuais (ILGA), o Brasil ocupa o primeiro lugar nas Américas em quantidade de homicídios de pessoas LGBTs e também é líder em assassinato de pessoas trans no mundo.
Foto: Wellington Lenon
Segundo levantamento do grupo Acontece Arte e Política LGBTI+ e Grupo Gay da Bahia, divulgado no dia 14 de maio, em 2020, houve o registro de 237 mortes violentas de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais. Foram 224 homicídios (94,5%) e 13 suicídios (5,5%), e um aumento de travestis assassinadas. Ao todo, 161 travestis e mulheres transexuais (70%), 51 gays (22%), 10 lésbicas (5%), 3 homens transexuais (1%), 3 bissexuais (1%) e 2 homens heterossexuais confundidos com gays (0,4%).
Violência no campo
Os dados de violência contra a pessoa, divulgados na publicação Conflitos no Campo Brasil 2021, apresentaram, pela primeira vez, informações quanto à orientação sexual e à expressão de gênero das vítimas de violência no campo. A iniciativa, que permite a inserção de tais informações no banco de dados do Centro de Documentação Dom Tomás Balduino (Cedoc-CPT), faz parte do empenho em registrar os casos de LGBTIfobia no campo brasileiro.
Em 2021, cinco pessoas foram vítimas de violência no campo, conforme já consta nos dados publicados no relatório. As violências citadas são: humilhação e prisão; assassinato; intimidação e tortura. As categorias que sofreram violências foram duas - indígenas e sem- terra -, sendo quatro destas vítimas identificadas como sem-terras e uma indígena - uma mulher e quatro homens.
Histórico
O conflito envolvendo o indígena registrou dois tipos de violência em conjunto, humilhação e prisão, tendo sido uma pessoa da categoria "empresário" o agente causador do conflito. No dia 26 de agosto de 2021, no município de Crateús (CE), durante ocupação do território sagrado Cruzeiro Sagrado do Pajé Potyguara, na Terra Indígena (TI) Potyguara Lagoinha, uma liderança indígena LGBTI+, do sexo masculino, foi detida enquanto acampava, junto a sua comunidade, na terra sagrada. Dentro da viatura policial, o jovem teve convulsões em decorrência da ação.
Na Gleba Bacajá, município de Anapu (PA), no dia 13 de fevereiro de 2021, dois homens homossexuais foram vítimas de intimidação por um grileiro da região. Segundo o registro, dois homens foram até a casa das vítimas, proferindo ameaças, ostentando armas e incendiando a habitação, sob alegação de que a família deveria deixar a área por não ser proprietária do imóvel. No momento da intimidação, o filho de uma das vítimas estava no local.
Área de ocorrência de massacre, no mês de julho do último ano, o Acampamento Tiago do Santos também registrou uma ocorrência de tortura promovida por forças policiais, contra uma mulher sem-terra, lésbica, no dia 16 de fevereiro de 2021. A ação foi realizada por cinco policiais, que estavam em duas viaturas, em Nova Mutum-Paraná, distrito de Porto Velho (RO). Segundo o relato da vítima, os agentes a torturaram com a finalidade de obter informações sobre as lideranças do acampamento. A violência foi acompanhada de insultos, ameaças e intimidação corporal e psíquica.
Sobrevivente do massacre de Pau D'Arco, Fernando dos Santos Araújo, homem gay, sem-terra, foi assassinado com um tiro no dia 26 de janeiro do último ano, na mesma área onde, quatro anos antes, havia escapado da morte no incidente que tirou a vida de dez trabalhadores rurais sem-terra - nove homens e uma mulher - em ação empreendida pelas polícias militar e civil do estado do Pará, na Fazenda Santa Lúcia/Acampamento Nova Vida, município de Pau D'Arco (PA). Fernando era testemunha chave do massacre e sua morte, mesmo após um ano, segue sem respostas e sem responsabilização dos culpados.
*Editado por Solange Engelmann / Com informações da CPT Nacional