A Via Campesina comemora seus 30 anos de vida e resistência junto aos povos do campo ao redor do mundo. No marco do dia 17 de abril, dia Internacional das Lutas Camponesas, a Articulação divulgou uma Declaração Política, fazendo memória aos trabalhadores rurais sem-terras mortos no Massacre de Eldorado dos Carajás (PA), e dando início às comemorações de seu aniversário.
Ontem, 26 de abril, a Via Campesina realizou um ato de comemoração do seu 30º aniversário na Escola Operária Campesina "Francisco Morazán", em Manágua, Nicarágua. Participaram presencialmente militantes de 24 países de organizações da América Latina, América do Norte e Europa, com participação virtual de muitas outras organizações e países. Confira a Declaração na íntegra:
(tradução: Cristiane Passos - CPT / fotos: Via Campesina)
Declaração Política da Via Campesina no marco de 17 de abril de 2022 -
Dia Internacional das Lutas Camponesas
Neste 17 de abril, Dia Internacional das Lutas Camponesas, rememoramos 26 anos do massacre de camponeses em Eldorado dos Carajás no Brasil e resistimos à criminalização, opressão e repressão das lutas pela vida. Neste dia, também iniciamos as comemorações dos 30 anos da Via Campesina na construção de lutas coletivas, esperança e solidariedade a serviço da humanidade.
Nós, Via Campesina, a voz internacional de milhões de camponeses, mulheres e homens, jovens, pequenos e médios agricultores, agricultores familiares, trabalhadores sem-terra, povos indígenas, migrantes e trabalhadores agrícolas, recusamos desaparecer e continuamos crescendo e nos fortalecendo. Com persistência, perseverança e esperança, colhemos grandes vitórias: o reconhecimento e adoção da Soberania Alimentar por alguns países, o reconhecimento e apoio à prática da Agroecologia pela Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) e a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Camponeses e Outras Pessoas que Trabalham em Áreas Rurais (UNDROP) aprovada pela Assembleia Geral da ONU. Continuamos ocupando espaços multilaterais de governança alimentar e influenciando o debate em prol da Soberania Alimentar, Agroecologia e Reforma Agrária Popular.
Estamos atentos ao atual contexto global e à necessidade de fortalecer nossa luta. O conflito geopolítico se agrava à medida que a ordem liberal internacional é desafiada pelas demandas de uma ordem mundial multipolar, e aumenta a ofensiva imperialista contra as massas e a criminalização dos movimentos populares. As crescentes violações dos sistemas democráticos se dão também pela mídia corporativa, através da censura e vigilância. Isso está ocorrendo em conjunto com o agravamento da crise sanitária e climática devido à pandemia da COVID-19, durante a qual as instituições de saúde pública foram sub-financiadas e sua privatização agravou o sofrimento. Com isso, estamos testemunhando níveis recordes de pobreza, fome e desigualdades em nível global, além do aumento da criminalização às demandas por justiça social e dignidade. Milhões de migrantes foram forçados a deixar seus territórios e países onde enfrentaram mais injustiças.
No ano passado, em 2021, comemoramos um quarto de século construindo e promovendo a Soberania Alimentar, além de iniciar o debate para refletir criticamente sobre nossas conquistas, vitórias e ações propostas para o futuro, como nossa participação no Nyèlèni Global Forum em 2023.
O que precisamos de governos e instituições para continuar alimentando o mundo?
• Implementar uma reforma agrária democrática e ampla que permita a soberania dos povos sobre seus recursos naturais e seus alimentos, tanto no processo produtivo quanto no processo de distribuição.
• Reconhecer o trabalho que já estamos fazendo e promover exemplos bem-sucedidos de nossa capacidade de alimentar a maioria da população. Enquanto produzimos e abastecemos a maior parte dos alimentos no mundo, nossos mercados são esquecidos por governos, instituições e transnacionais na formulação de políticas. O comércio é necessário, mas outro tipo de comércio, que não seja baseado na exploração das pessoas e da natureza, que beneficie as comunidades e não as corporações.
• Promover a Agroecologia Camponesa como solução para a crise climática, a perda da biodiversidade e a fertilidade do solo. Diante de práticas agrícolas industriais insustentáveis, vemos uma oportunidade única para a agroecologia, pois muitos países querem fazer a transição para “métodos agrícolas sustentáveis” e reduzir o uso de agroquímicos.
• Implementar a UNDROP, criando um procedimento especial da ONU e implantando a declaração na FAO, bem como em outras agências sediadas em Roma relacionadas às políticas de alimentação e agricultura, e também na Década da Agricultura Familiar da ONU. Isso permitirá que o UNDROP seja uma referência para políticas que reformulem ou transformem nossa sociedade.
Como projetamos o progresso de nossas lutas desde a Via Campesina?
•Formação e sensibilização em massa dos nossos membros sobre a UNDROP, para que liderem a ampla promoção dos componentes essenciais das políticas públicas em seus países, a favor da Soberania Alimentar, da Agroecologia e do reconhecimento e respeito aos direitos dos camponeses.
• Construir e fortalecer a diversidade e a inclusão contra a violência e a opressão. Abraçar a diversidade é a chave para “Construir o Movimento para mudar o mundo”. Hoje, jovens, mulheres, diversidade cultural e de gênero (LGBTQI) são a maioria e fazem parte da liderança do nosso movimento.
• Construir o Feminismo Camponês e Popular para definir e moldar as relações de gênero em nosso movimento como ferramenta política contra todas as formas de violência.
• Fortalecimento do Coletivo de Migrantes e Assalariados Agrícolas como espaço de visibilização de seus problemas.
• Avançar no nosso trabalho contra a impunidade das empresas transnacionais (TNCs) e contribuir para o processo de vinculação de tratados para regulá-las.
• Para entender a complexidade e fluidez deste mundo, adaptamos nossas estratégias:
- Construindo novas alianças e fortalecendo as existentes dentro e ao longo de cada fronteira, para aprender e compartilhar nossas experiências por meio de análises e treinamentos coletivos, bem como defender um futuro baseado na Soberania Alimentar.
- Aumentando e fortalecendo nossa formação política e técnica. Promoveremos métodos populares e 'tecnologias' camponesas que envolvam mulheres e jovens na defesa dos meios de subsistência dos camponeses. Mais uma vez, devemos dominar as novas formas de comunicação a serviço da humanidade, para chegar a tantas pessoas que defendem seus direitos e apoiam a Soberania Alimentar.
Não há futuro sem Soberania Alimentar! Vamos globalizar a luta, globalizar a esperança!