Mais 400 quilos de carne, duas toneladas de arroz e cerca de duas toneladas de feijão são servidos diariamente na cozinha do 18º Acampamento Terra Livre (ATL)
Ao lado da plenária do 18° Acampamento Terra Livre é possível ouvir o barulho das panelas batendo, facas cortando e ver os carregamentos que chegam a todo momento. O calor dos fogões em pleno vapor espalha um aroma de comida farta e saborosa. O alimento por aqui tem história e sabor de luta. Não é para qualquer um a missão de saciar a fome dos mais de 7 mil indígenas de 200 povos presentes em Brasília até o momento. E este desafio coube aos guerreiros do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).
Mais 400 quilos de carne, duas toneladas de arroz e cerca de duas toneladas de feijão são servidos diariamente nesta cozinha, preparados pelas mãos cuidadosas de 31 homens e mulheres do campo, com a orientação de 3 nutricionistas. Nilma de Jesus Ribeiro, do Assentamento Roseli Nunes, coordena a equipe e conta que “como MST, a gente procura sempre trabalhar com a alimentação orgânica. Tudo o que estamos fazendo aqui na alimentação Indígena é orgânico e saudável. Usamos só temperos naturais, bastante alho e cebola, porque é o alho que dá sabor na comida, não precisa colocar condimentos que tem muita química. É muito interessante porque a gente começa a aprender um com a cultura do outro”.
Este espaço, no entanto, não alimenta somente o corpo. A cozinha do ATL 2022 alimenta o sonho de quem acredita na tão necessária unidade dos povos para retomar o Brasil. É o que nos explica Dinamam Tuxá, representante da Apoinme na coordenação executiva da Apib. “Nesse momento o ATL busca implementar para nosso povo uma alimentação mais saudável, com uma identidade, que tem uma luta. Todo alimento que vem aqui, vem fruto de uma história de resistência que é a história do MST, que luta pelos seus territórios também. Que luta pelo seu espaço, pela Reforma Agrária. E nós temos pautas em comum. Por vários anos, nós estamos caminhando de forma conjunta, mas sempre num campo político. Em alguns momentos temos a luta conjunta na prática, mas isso era difuso dentro do campo de atuação dos movimentos sociais e no Acampamento Terra Livre nós conseguimos concretizar de fato a luta dos povos indígenas e a luta do MST, representada através dos seus alimentos”.
A produção vem das áreas de reforma agrária do Distrito Federal e entorno, como os assentamentos Oziel Alves, Pequeno Wiliam, Roseli Nunes e dos estados do Goiás, Rio Grande do Sul e Minas Gerais, conta Adonildo Rodrigues Souza. Coordenador do MST e acampado da área 8 de março, em Planaltina, para ele o trabalho na cozinha é a prática da solidariedade que só existe entre a classe trabalhadora. “Para nós, esse espaço é de grande importância, não só de estar montada a cozinha, mas do cultivo da relação de solidariedade. Apesar da pouca diferença que temos, são as causas, as pautas que nos unem para lutar contra esse governo fascista que todo dia tenta prejudicar nós trabalhadores. É evidente que este governo atua para exterminar os pobres”, afirma.
Ele explica que o cardápio foi pensado para abranger a diversidade cultural do Brasil e o acompanhamento de profissionais nutricionistas busca nutrir a força para a lutar. “Como num país igual ao Brasil, em que não se investe na agricultura familiar e reforma agrária a gente consiga tirar tantos alimentos da agricultura, sem nenhuma política para isso. Quem alimenta o povo brasileiro são os agricultores familiares”, assinala Adonildo. E Nilma mostra orgulhosa os alimentos no estoque. “Estamos oferecendo o melhor do que nós temos, a mandioca, o cuscuz o inhame, batata doce, banana, laranja. A carne também é toda orgânica”.
Dinamam destaca a presença do MST nesta edição do ATL tem uma intencionalidade. “Nós sabemos que essa unidade é o que nós precisamos para combater esse mal que foi instalado no Brasil. Esse mal do ódio, do racismo estrutural, do racismo institucional que esses dois movimentos vêm sentindo, principalmente com essa política que não reconhece a agricultura familiar, que não reconhece a agricultura tradicional, que não fomenta ações voltadas para o fortalecimento das nossas práticas tradicionais e familiares. Então, nós tomamos a decisão de se unir para fortalecer a nossa cadeia de produção, para fortalecer essa relação que é para além de política, é uma relação de luta. Essa é uma unidade para todo povo brasileiro, em nome do bem comum ”.