Nesta sexta-feira (4), o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), repudiou, por meio de nota, a posição do governo federal de afirmar que a exploração mineral em terras indígenas, no Brasil, poderia amortizar o impacto da crise de importações brasileiras de fertilizantes. O documento ressalta que o impacto da ação será "gravíssimo para a saúde das comunidades"e que "compromete a determinação livre destes povos de escolher seus próprios caminhos".
Confira a nota na íntegra:
Nota do Cimi: governo Bolsonaro usa guerra na Ucrânia para fazer avançar seu projeto de morte contra povos indígenas
Governo utiliza a situação vivida na Europa para ampliar sua guerra particular contra os povos originários no Brasil
O governo de Jair Bolsonaro redobrou nos últimos dias sua ofensiva contra os direitos dos povos indígenas no país e o assédio a seus territórios. Em declarações públicas, Bolsonaro afirmou que o conflito entre Rússia e Ucrânia teria impacto nas importações brasileiras de fertilizantes e que a solução passava pela exploração mineral em terras indígenas dentro do país. Desta forma, o governo utiliza a situação vivida na Europa para ampliar sua guerra particular contra os povos originários no Brasil.
Esta atitude não é nova e reflete a verdadeira face do atual governo. Em janeiro de 2020, o Executivo enviou ao Congresso Nacional o Projeto de Lei (PL) 191/2020 que pretende regularizar a mineração e a exploração de hidrocarbonetos em terras indígenas, desconsiderando o direito dos povos originários à autodeterminação e à consulta prévia, livre e informada. Em 2021 e em 2022, este Projeto de Lei foi indicado pelo governo como um dos projetos legislativos prioritários para apreciação no Congresso Nacional.
Segundo dados da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e da entidade Amazon Watch, no relatório Cumplicidade na Destruição IV, mais de 500 empresas mantêm ativos 2,5 mil pedidos de mineração na Agência Nacional de Mineração/ANM afetando 261 terras indígenas.
Nos últimos dias, Bolsonaro encontrou no conflito entre Ucrânia e Rússia novo combustível para aumentar sua pressão sobre os povos indígenas. Além das declarações públicas em redes sociais do presidente, a base governista no Congresso Nacional já está pedindo adesão entre os deputados federais a um Requerimento de Urgência assinado pelo líder do governo na Câmara, Ricardo Barros, solicitando a apreciação rápida e em plenário do PL 191, sem passar pelo devido procedimento de análise nas Comissões.
Esta estratégia de acelerar a aprovação de iniciativas legislativas diretamente em plenário já foi utilizada pelos aliados do governo no Congresso em 2021 e mostra claramente a intenção de aprovar nesta legislatura, de qualquer forma, os projetos que atendem aos interesses dos setores de apoio ao governo Bolsonaro.
Um dos principais focos de pressão neste momento está no interesse do governo de liberar a exploração de potássio nos territórios do povo indígena Mura, na região do Baixo Rio Madeira, próximo da foz com o Amazonas. Isso resolveria, segundo Bolsonaro, a previsível queda na importação de potássio da Rússia por causa do atual conflito na Europa, argumento que vem sendo refutado estes dias por especialistas na área.
Entretanto, o interesse do Estado sobre este território vem de antes. Em 2019, o governo Bolsonaro se reuniu em várias ocasiões com representantes do banco canadense Forbes & Manhattan, que está por trás das empresas Belo Sun – interessada na exploração de ouro, na Volta Grande do Xingu – e a Potássio do Brasil – com interesse na exploração de potássio nas terras do povo Mura. Já durante os anos de 2020 e 2021, em plena pandemia, houve pelo menos sete reuniões entre o Executivo e representantes diretos da Potássio do Brasil e o empreendimento foi contemplado dentro da chamada política Pró-Minerais Estratégicos na qual o governo se compromete a facilitar o licenciamento ambiental.
O povo Mura luta pela demarcação e homologação de seus territórios. Na região do Baixo Rio Madeira, pelo menos 29 terras indígenas Mura apresentam alguma pendência no procedimento administrativo de demarcação; dentre elas, 17 terras indígenas estão sem nenhuma providência por parte da Funai e algumas das terras já homologadas estão sendo contestadas na Justiça por particulares.
O interesse da empresa Potássio do Brasil na exploração mineral na região poderá afetar diretamente a vida das comunidades Mura. Em audiência de conciliação celebrada em 2017, foi determinado que o licenciamento ambiental de empreendimentos que afetem o povo não poderia avançar sem o devido processo de consulta prévia, livre e informada, conforme o Protocolo de Consulta elaborado pelas comunidades.
O acirramento da hostilidade de Bolsonaro contra os povos indígenas pretende responder aos interesses de setores da mineração e do agronegócio, na tentativa de manter apoios eleitorais e de consumar, antes das eleições de 2022, seu projeto de poder e de morte. É importante destacar que o agronegócio brasileiro continua batendo recordes de produção de grãos para a exportação e aumenta os lucros para grandes grupos econômicos enquanto crescem no país os indicadores de pobreza e exclusão, acompanhados de uma subida permanente do preço dos alimentos.
A expansão do agronegócio, apresentada falsamente como solução para a soberania alimentar do país, só é possível por meio da apropriação de grandes extensões de terra, do desrespeito aos direitos territoriais dos povos indígenas e de outras comunidades tradicionais, da liberação indiscriminada e criminosa de agrotóxicos proibidos em outros países e, finalmente, do crescimento permanente da demanda por fertilizantes. E, mais uma vez, os territórios indígenas são percebidos como a principal barreira ao expansionismo do capital e do veneno.
A liberação da mineração dentro de terras indígenas teria como resultado impactos gravíssimos para a saúde das comunidades e para seu entorno, inviabilizando seus projetos de vida. Afeta diretamente o usufruto exclusivo das comunidades sobre seus territórios e compromete a determinação livre destes povos de escolher seus próprios caminhos.
O Conselho Indigenista Missionário (Cimi) denuncia esta estratégia recorrente e cada vez mais acintosa de atropelar os direitos territoriais indígenas, o direito à consulta e à autodeterminação dos povos originários e os direitos da natureza para satisfazer a ganância insaciável dos setores empresariais mais reacionários da sociedade. A defesa dos direitos dos povos indígenas e a proteção ao meio ambiente fazem parte da luta mais ampla por um mundo mais justo, igualitário e plural. Conclamamos a todos os segmentos da sociedade, organizações indígenas e indigenistas, sociedade civil organizada, partidos e deputados, Ministério Público Federal e a todas e todos a somar esforços para impedir esta iniciativa perversa do governo.
Brasília, 04 de março de 2022.
Conselho Indigenista Missionário – Cimi