COMISSÃO PASTORAL DA TERRA

 

Documento é resultado de debate realizado com lideranças de diferentes partes durante o seminário ‘Amazônia: territórios de lutas e resistência´, realizado no início de novembro, em Santarém (PA).

(texto e foto: Assessoria de Comunicação da Terra de Direitos)

Em um momento em que os olhos do Brasil se voltam para a Amazônia – que tem sido palco de intensos conflitos e violações de direitos – os povos da região reafirmam na Carta dos Povos da Amazônia o compromisso de defesa coletiva de seus territórios. Assinado por 26 organizações e movimentos sociais, o documento denuncia o avanço de um modelo de desenvolvimento baseado na exploração e na violência e reivindicam o respeito aos modos tradicionais de vida dos ocos da região.

As áreas que queimam todos os dias, que perdem vegetação nativa toda semana, são as mesmas onde o gado e a soja avançam na base de um modelo predatório que envenena nosso chão, nossos rios e nossos pratos somente para alimentar o mercado financeiro”, destaca o texto. Dados do Sistema de Alerta de Desmatamento (SAD), divulgados pelo Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), apontam que, somente em setembro deste ano, a Amazônia perdeu mais de 800 km² de floresta em decorrência do desmatamento. Apesar do aumento do desmatamento e das queimadas, o governo de Jair Bolsonaro (PSL) é responsável pela redução de 25% do orçamento do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), segundo informações divulgadas pela agência Reuters.

O documento também denuncia as violações trazidas pela mineração e por megaprojetos. “Nesse mesmo chão estão construindo portos, ferrovias e ampliando estradas para viabilizar a exportação de commodities – não para favorecer nossos modos de vida e a produção da agricultura familiar, mas para reforçar as desigualdades sociais”.

Articulação

A carta é resultado dos debates realizados durante o Seminário Amazônia: territórios de lutas e resistências, que aconteceu em Santarém (PA) entre os dias 5 a 7 de novembro.

O evento foi organizado coletivamente pelas entidades Terra de Direitos, Sindicato dos Trabalhadores Rurais, Agricultores e Agricultoras Familiares de Santarém (STTR),  Federação de órgãos de Assistência Social e Educacional (FASE),  Comissão Pastoral da Terra (CPT) da prelazia de Itaituba, Pastorais Sociais da Arquidiocese de Santarém, Associação de Mulheres Trabalhadoras Rurais de Belterra (AMABELA), Conselho Indígena Tapajós Arapiuns(CITA) e pela Federação das Organizações Quilombolas de Santarém (FOQS).

Presidente do STTR, Manuel Edivaldo destaca que o evento buscou proporcionar uma reflexão mais qualificada sobre os desafios da região a partir de quem vive a realidade local. “Vimos a necessidade de a gente discutir também a Amazônia com os povos da própria Amazônia, com suas lideranças, e diante dos acontecimentos que estão ocorrendo aqui na nossa região”.

Confira aqui mais detalhes sobre as discussões realizadas no seminário

Baixe a carta aqui ou leia abaixo:

Carta dos Povos da Amazônia

Nós, organizações populares, movimentos sociais, pastorais sociais, entidades de direitos humanos, nos encontramos onde dois grandes rios – o Amazonas e o Tapajós – também se encontram em Santarém, oeste do Pará, entre os dias 05 e 07 de novembro de 2019, para, assim como essas águas, também crescermos. Aqui, nos manifestamos por meio dessa Carta para reafirmar o compromisso com os povos da Amazônia e denunciar as violações aos nossos territórios. No dia 1 de novembro fomos informados do assassinato de mais um defensor da floresta, Paulo Paulino Guajajara, que, ao que tudo indica, ocorreu a mando de madeireiros que exploravam ilegalmente a Terra Indígena de seu povo, no Maranhão.

Mais uma vez sangramos diante do desenvolvimento violento que nos assola. Mais uma vez é o capital que tenta colonizar nossos corpos, nossas vidas e nossos territórios. Falamos de uma região onde as corporações do setor minerário são as maiores violadoras de direitos humanos e agora reforçam o lobby no Congresso Nacional para avançar sobre as Terras Indígenas. Onde os projetos de assentamento coletivos são fragilizados pela nova lei fundiária, e o INCRA na Amazônia cada vez mais se coloca como órgão para viabilizar o mercado de terras e não a reforma agrária.

Nossos rios, igarapés e nosso litoral são também nossos territórios e ainda não foram reconhecidos. As áreas que queimam todos os dias, que perdem vegetação nativa toda semana, são as mesmas onde o gado e a soja avançam na base de um modelo predatório que envenena nosso chão, nossos rios e nossos pratos somente para alimentar o mercado financeiro. Nosso povo adoece quando o ar puro da floresta é substituído pela fumaça das queimadas e é contaminado pelo glifosato.

Nesse mesmo chão estão construindo portos, ferrovias e ampliando estradas para viabilizar a exportação de commodities – não para favorecer nossos modos de vida e a produção da agricultura familiar, mas para reforçar as desigualdades sociais. Para que esses grandes projetos aconteçam, já tivemos mais de cinco unidades de conservação reduzidas. Há também projetos de construção de hidrelétricas que já devastaram a Amazônia e que ainda representam ameaças para nós. O cenário atual da educação é precário, mesmo que o país possua uma legislação capaz de produzir avanços significativos para reparar todo atraso histórico.

O grande retrocesso da política educacional desse governo trouxe o empobrecimento da educação pública, na formação fundamental básica, a negação de verba para as universidades federais comprometendo a permanência de nossos jovens, o retrocesso aos direitos garantidos através de políticas de ações afirmativas o que resultou em grande evasão dos jovens indígenas e quilombolas das universidades.

Neste contexto, as vidas das mulheres são as mais afetadas pelas desigualdades impostas por esse modelo que expropria nosso tempo, nos invisibiliza nas relações de produção, nos criminaliza, nos violenta cotidianamente, seja pelo machismo ou pelo atual governo que legitima as violências.

Mesmo diante do aumento das violações na Amazônia, assumidas pelo próprio presidente da república, afirmamos mais uma vez que resistiremos! Eles combinaram de destruir a Amazônia, mas nós combinamos de defendê-la! E convocamos os demais trabalhadores e trabalhadoras a se somarem nessa luta!

Defendemos a Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) que garante direito ao nosso território, para além do direito à consulta prévia, livre e informada. Elaboramos vários Protocolos de Consulta e aceitamos somente essa forma de regulamentação. Resistiremos em defesa da Convenção 169 e da Constituição Federal de 1988.

Defendemos o fortalecimento da agroecologia como alternativa ao modelo capitalista de agricultura. Que os modos de viver e fazer das comunidades tradicionais sejam reconhecidos e protegidos. Somos nós que protegemos a floresta!

Defendemos a democracia como bandeira neste momento histórico do país em que o fascismo é concreto e evidente.

Resistiremos! Amazônia livre!

Paulo Guajajara, Presente! Marielle Franco, Presente! Lula, Livre!

Santarém, Oeste do Pará, 07 de novembro de 2019.

 

Assinam esta carta:

Associação de Mulheres Trabalhadoras Rurais de Belterra – AMABELA

Associação de Mulheres Trabalhadoras Rurais Flores do Campo

Associação de Mulhetes Trabalhadoras Rurais de Santarém

Associação Agroecológica Tijupá

Articulação das Mulheres da Amazônia Paraense

Coletivo de Estudantes de Direito Indígenas e Quilombolas - CEDIQ

Comissão Pastoral da Terra – CPT Prelazia de Itaituba

Confederação Nacional de Fortalecimento das Reservas Extrativistas Costeiras Marinhas - COFREM

Conselho Indígena Tapajós Arapiuns – CITA

Conselho Indigenista Missionário – CIMI

Coordenação Nacional da Comunidade Negras Rurais Quilombolas – CONAQ

Federação de órgãos de Assistência Social e Educacional – FASE

Federação das Associações de Moradores e Comunidades do Assentamento Agroextrativista da Gleba Lago Grande - FEAGLE

Federação das Organizações Quilombolas de Santarém – FOQS

Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro - FOIRN

Movimento dos Atingidos por Barragens – MAB

Movimento pela Soberania Popular na Mineração – MAM

Movimento dos Pequenos Agricultores - MPA

Movimento de Pescadores e Pescadoras - MPP

Movimento dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais Sem Terra – MST

Organização do Povo Apurinã e Jamamadi da Boca do Acre - OPIAJBAM

Pastorais Sociais da Arquidiocese de Santarém

Sindicato dos Trabalhadores Rurais, Agricultores e Agricultoras Familiares de Santarém – STTR Santarém

Sindicato dos Trabalhadores Rurais, Agricultores e Agricultoras Familiares de Santarém – STTR Itaituba

Terra de Direitos

União das Mulheres Indígenas da Amazônia Brasileira - UMIAB

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