COMISSÃO PASTORAL DA TERRA

 

Entre os dias 23 e 27 de outubro de 2019, nós, da advocacia e assessoria jurídica popular, estudantes de direito, militantes de movimentos sociais diversos, como indígenas, quilombolas, sem terras, feministas, sem tetos, camponeses, LGBT's, negras e negros de todo o Brasil, estivemos reunidas em Belém do Pará para discutir os rumos de nossas lutas.

Em 24 anos de existência foi a primeira vez que o Encontro Nacional da RENAP [Rede Nacional de Advogadas e Advogados Populares] ocorreu no Norte do país. E, a abertura na sede da Ordem de Advogados do Brasil, Seção Pará, demarcou a presença de movimentos sociais e de comunidades numa casa que deve servir à luta pela democracia e pela efetivação dos direitos humanos de todas e todos.

Foram 23 estados da federação presentes no encontro, aproximadamente 130 participantes, 04 dias intensos de discussão, de poesia, de mística e de reafirmação do nosso compromisso com as lutas populares e com uma vida livre de violência, exploração e opressão para todas nós.

As pessoas homenageadas pela RENAP no encontro foram Marielle Franco, vereadora negra do PSOL assassinada no Rio de Janeiro em 2018; Dilma Ferreira, coordenadora regional do Movimento dos Atingidos por Barragens em Tucuruí, Pará, assassinada em março de 2019; e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, preso injustamente desde o ano de 2018.

Vivemos tempos que se intensificam os ataques aos direitos dos povos. De destruição dos direitos trabalhistas, já aniquilados pelo governo golpista de Temer, e agora aprofundados com a devastação dos direitos previdenciários.

Além disso, a Emenda Constitucional nº 95 – emenda do “fim do mundo” – que impõe cortes brutais nos recursos orçamentários para as áreas sociais tais como saúde, educação, assistência, cultura, dentre outras, aponta um cenário cada vez mais dramático de redução do estado e de negação de direitos.

Ao lado destes ataques, vem, cada vez mais escancarada, a intensificação da repressão aos movimentos sociais, seja com o aumento no número de assassinatos de defensoras e defensores de direitos humanos, seja através da violação de garantias individuais e repressão violenta a manifestações e ocupações, num quadro de agravamento da criminalização de quem luta por seus direitos.

Sabemos também que essa repressão violenta é marca de um estado racista que se construiu em cima do sangue das pessoas negras e indígenas, e que usa do estado penal, da polícia e do sistema de justiça para aniquilar esses povos. Denunciamos, portanto, o genocídio do povo negro, a política violenta sobre os territórios negros, urbanos e rurais, e o criminoso pacote "anti-crime" do ministro da justiça, que nada mais é que a intensificação de uma licença para matar e encarcerar essa população.

Denunciamos também a LGBTfobia e a transfobia como responsáveis pelo assassinato de diversas pessoas no Brasil todos os anos. Segundo o grupo gay da Bahia, só em 2019, 420 pessoas, entre travestis, transexuais, gays, lésbicas e bissexuais, foram assassinadas ou se suicidaram em 2019.

Junto a isso, denunciamos a existência de um modelo predatório com a natureza, que tem promovido historicamente a destruição de nossos rios, mares e da nossa terra e floresta. A região norte, em particular, é palco de um processo intenso de expansão de grandes empreendimentos e do agronegócio, que violentam nosso povo e ameaçam a vida e sustentabilidade de todas nós.

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O óleo no mar, a lama, a contaminação dos rios, os incêndios criminosos promovidos pelos latifúndios e o veneno na nossa comida são fruto de uma política que não preserva a vida, que é racista, patriarcal, capitalista e que visa o lucro acima de tudo. Contra ela, nós seguiremos em luta, reafirmando sempre que o respeito à natureza passa pela efetivação dos direitos dos povos indígenas, quilombolas, comunidades tradicionais, trabalhadoras e trabalhadores rurais de terem acesso às suas terras e territórios.

Por nós, mulheres, em toda a nossa diversidade, também seguiremos lutando. A intensificação da violência contra os povos recai sobre nós de maneira particular, o que se verifica no aumento da violência doméstica e familiar, dos crimes sexuais e dos alarmantes dados de assassinato de mulheres no Brasil, o feminicídio, sobretudo das mulheres negras. As mulheres, especialmente as pobres, negras e indígenas, vem vivenciando o ataque aos seus direitos reprodutivos e a criminalização quando decidem interromper a gravidez, ocorrendo uma desqualificação enquanto sujeitos políticos e de direitos.

A advocacia popular do Brasil, diante desse quadro de aprofundamento de violações de direitos, deve estar (e estará) cada vez mais ao lado das lutas sindicais, campesinas, indígenas, quilombolas, de comunidades tradicionais, de religiões de matriz africana, de negras e negros, de feministas, de mulheres, urbanas e rurais, de pessoas sem teto, de pessoas LGBTI+, de crianças e adolescentes, pessoas com deficiência e pessoas idosas.

Avançaremos cada vez mais na construção e no fortalecimento da RENAP, por compreendermos como um importante espaço de luta que se dá ao lado dos movimentos sociais, povos e comunidades. E devemos igualmente contribuir na construção de uma proposta popular de democratização do sistema de justiça para que esteja efetivamente comprometido com as causas populares.

Hoje, nós falamos tudo isso e reafirmamos nosso compromisso a partir do Norte do Brasil. Na terra da cabanagem, dos encantados, do conhecimento tradicional e ancestral, nós reaprendemos que a luta, ainda que árdua, é nosso caminho possível para a transformação dessa realidade.

Lutar, construir a advocacia popular!

Pátria Livre, Mátria Livre,

Venceremos!

Belém, 26 de outubro de 2019.

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