Os mais de 200 jovens também debateram temas como agroecologia, política, comunicação popular e atuação na igreja. Encontro aconteceu na Escola Família Agrícola do Bico do Papagaio, em Esperantina.
(Texto e imagens por Rafael Oliveira – CPT Araguaia-Tocantins)
Animação, espontaneidade, descontração, fortalecimento, memória... muitos são os substantivos, adjetivos, termos gramaticais que poderiam tentar traduzir o III Acampamento da Juventude Romeira, realizado nos dias 12 e 13 de maio na Escola Família Agrícola Bico do Papagaio Padre Josimo (EFA-BIP), em Esperantina (TO).
Mas certamente apenas os cerca de 220 jovens que participaram da atividade de encerramento da Semana da Terra e das Águas Padre Josimo – que neste ano fez memória aos 32 anos do assassinato do “padre negro de sandálias surradas” –, podem sentir a profundidade do encontro.
Jovens que vivem em assentamentos, em acampamentos de beira de estrada, em bairros urbanos periféricos, de Norte a Sul do Tocantins, debateram, trocaram experiências, conheceram realidades. Mergulharam em novas fendas da história de Padre Josimo. Descobriram sua atuação fundamental junto ao povo pobre da região do Bico do Papagaio na década de 1980, mas não somente isso.
Entre depoimentos de pessoas que conviveram com Josimo, os jovens ouviram que ele não se preocupava exclusivamente com as questões agrárias. “Josimo ia na minha casa e logo perguntava das crianças, olhava os pezinhos delas para conferir se não tinha nenhum machucado, queria saber como eu estava no trabalho. Ele nos ajudava a fazer os bolos dos festejos, pegava as formas quentes que ele mesmo dizia que era para nós não pegarmos a quentura das brasas do forno”, contou, bastante emocionada, dona Marlene, ex-professora e moradora de Buriti do Tocantins.
Segundo dona Marlene, a preocupação de Josimo era, inicialmente, com a estabilidade familiar daquelas pessoas que o acompanhavam nos trabalhos de base. “Teve uma época que eu precisei me afastar da atuação na igreja por problemas na escola. Um dia eu o chamei para conversar e ele disse que não queria perder meu trabalho na igreja, mas que em primeiro lugar vinha a minha família e que tudo isso iria passar”, recorda.
A composição da programação do III Acampamento da Juventude Romeira ainda levou à juventude oficinas sobre agroecologia, política, comunicação popular e atuação dos leigos na igreja. Posteriormente, na apresentação do que foi discutido, meninas e meninos demonstraram rico discernimento sobre o papel da juventude em todos esses temas. Em destaque, a recusa aos atuais modelos de produção do agronegócio, que destroem o meio ambiente, expulsam famílias de suas terras, escravizam trabalhadoras e trabalhadores e envenenam o alimento e as águas dos rios.
Noite Cultural também fez memória ao Padre Josimo. Felipe Heitor criou cordel sobre o “padre negro de sandálias surradas”.
Nessa mesma linha, condenaram o monopólio da mídia tradicional, que segundo eles próprios, quer acabar com sua cultura, com seus modos tradicionais de vida e disseram não ao “Agro é Pop”. Conheceram entre seus colegas experiências de jovens que trabalham a comunicação popular em suas comunidades, denunciando as irregularidades em blogs, na rádio comunitária e nas redes sociais.
A memória a Josimo era feita a cada instante. Em alguma música dedicada ao mártir, na bandeira pintada com seu rosto, e até mesmo no cordel criado pelo jovem Felipe Heitor, do município de São Sebastião, onde o padre viveu sua luta com maior intensidade. Na arte de Felipe, apresentada na Noite Cultural, as palavras gritaram: “Herói esse, meu povo / Que para sempre será lembrado / Podem até matar Josimo / Mas jamais matarão seu legado. / Legado esse que vou levar / Pro resto de minha vida / Pois a luta daquele homem / Não pode ser esquecida”. (leia o cordel na íntegra ao final do texto)
E com todos esses elementos, Josimo deixava de ser somente memória e se fazia presente nos sorrisos, nos olhares de curiosidade, nas falas fortes – até nas tímidas -, nas expressões de questionamento e nas inquietações de cada jovem presente. A imersão na vida daquele padre, filho de dona Olinda, que ousou desafiar limites, mantém a esperança de justiça social, seja no campo ou na cidade.
Os gritos de “Josimo Vive” ecoaram e continuarão voando longe, rompendo todas as cercas. A voz do profeta não foi calada.
Padre Josimo, por Felipe Heitor
Agora eu vou falar
A história de um homem guerreiro
Negro, forte e valente
Seu sangue era brasileiro
Ele não temia nada
Nem mesmo uma bala
Calou a sua voz
Pois até o último suspiro
Ele ainda lutou por nós
Nascido em uma família humilde
Desde cedo ele se perguntava
Por que alguns tem muito
E outros já não tem nada?
Sendo que todo mundo trabalhava
Desde o idoso até as crianças
Mesmo sabendo que a luta ia ser difícil
Ele não perdeu a esperança
Garra e força já estavam
No sangue daquele pobre menino
Que ao nascer a dona Olinda
Lhe deu o nome de Josimo
Josimo se tornou padre
E sua luta começou
Ele carregava uma arma
Arma essa que se chamava AMOR
Eita que ele amava
O povo pobre de raiz
Que mesmo sem ter nada
Ainda assim era feliz
Trabalhava sorrindo e cantando
De noite e de dia
Podia faltar dinheiro
Mas não faltava alegria
Padre Josimo lutava por esse povo
E pros fazendeiros dizia contente
Respeite o meu povo
Pois pobre também é gente
Foi aí que ele despertou
A fúria de muitos fazendeiros
Que no dia 10 de maio de 86
Mataram aquele guerreiro
Por que fizeram isso?
Eita povo sem coração
Mataram não só um homem
Mas sim o herói de uma região
Herói esse meu povo
Que para sempre será lembrado
Podem até matar Josimo
Mas jamais matarão seu legado
Legado esse que vou levar
Pro resto de minha vida
Pois a luta daquele homem
Não pode ser esquecida
Por isso eu me emociono
E peço a todos com o peito cheio de verdade
Gostaria de uma salva de palmas a Josimo
O nosso eterno Padre.