COMISSÃO PASTORAL DA TERRA

 

As iniciativas do regional do Mato Grosso buscam fortalecer os povos do campo na luta pela Reforma Agrária

 

Por: José Carlos Correia Paz 'Frei Zeca', Gloria María Grández Muñoz e Luana Bianchin (CPT-MT)

Edição: Comunicação CPT Nacional

 

 

Com o objetivo de fortalecer os 27 grupos acampados e pré-assentados e as comunidades camponesas, a CPT/MT realizou, no mês de setembro, três importantes atividades: a 7ª Romaria do Cerrado, o 5º Intercâmbio Estadual de Mulheres Camponesas e a 10ª Festa da Troca de Sementes Crioulas.

As experiências realizadas no último mês garantem o fortalecimento dos territórios, promovem a troca de saberes e, diante deste processo formativo, contribuem para o reconhecimento e avanço da organização coletiva. Além de criarem um ambiente de interação e de comprometimento entre as comunidades, as atividades ressaltam também a importância da tomada de consciência dos camponeses e camponesas no compromisso de cuidado com os biomas Cerrado e Pantanal, por meio da valorização do seu próprio modo de vida, cultura e tradição, do resgate das sementes crioulas e do protagonismo das mulheres no campo. 

7ª ROMARIA DO CERRADO E DO PANTANAL

Foto: 7ª Romaria do Cerrado e do Pantanal. Crédito: CPT-MT

O despertar da CPT/MT para o cuidado com o Cerrado teve início na região sul a partir de 2011, com a Campanha da Fraternidade, que tinha como tema “Fraternidade e a vida no planeta” e o lema “A criação geme como em dores de parto”. As comunidades acompanhadas pela CPT que vivenciam a realidade da escassez de água e a seca dos rios começaram um trabalho de diagnóstico de nascentes para recuperação na região.

Atualmente, por meio de mutirões, projetos, o apoio da prefeitura do município de Rondonópolis e iniciativas privadas, já são mais de 150 nascentes protegidas na região, contribuindo para alimentar os cursos d’água que correm por toda a região do Cerrado e alimentam o Pantanal, como mostra o mapa abaixo.

Mapa: Cerrado e Pantanal Interligados pelas Águas. Crédito: Lucas Ngulube

Somado a essas ações, em 2011 aconteceram várias reuniões da grande região Centro-Oeste da CPT (MS, MT e GO), que fomentaram ações sobre a proteção do bioma Cerrado e deram início à Articulação das CPTs do Cerrado, responsável por diversas ações em todos os estados que compõem o bioma, em busca da valorização e proteção do berço das águas.

No Mato Grosso, as atividades começaram na cidade de Rondonópolis e, a partir de 2014, as articulações cresceram e impulsionaram a 1ª Romaria do Cerrado, com reflexões em defesa do bioma, das águas e o plantio de árvores. A partir disso, as romarias entraram no calendário anual das comunidades da região sul, onde já se realizava o trabalho de proteção e recuperação de nascentes.

Em 2023, a 6ª Romaria do Cerrado ocorreu na cidade de Nossa Senhora do Livramento/MT, organizada pela CPT/MT em parceria com as comunidades rurais, lideranças da Paróquia N. Sra. do Livramento, FASE, Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais (STTR) de N. Sra. do Livramento e a Articulação das CPTs do Cerrado. Para fortalecer a temática na região da baixada cuiabana, o tema escolhido foi “Nossa Senhora do Livramento em Romaria na Defesa do Cerrado e Pantanal” e o lema “Cerrado, berço das águas”.

Neste ano de 2024, a 7ª Romaria do Cerrado e do Pantanal aconteceu no dia 22 de setembro em Poconé (MT), com objetivo de alertar que “Sem Cerrado, não há Pantanal”, ou seja, que os biomas estão interligados e, por isso, é importante o olhar coletivo para o cuidado com as águas. A Romaria foi organizada pela CPT/MT — em parceria com as lideranças da Paróquia N. Sra. do Rosário, Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais (STTR) e comunidades de Poconé.

Com o tema “Cerrado e Pantanal precisam de água, não de fogo!” e o lema “Em procissão as comunidades rezam pela chuva”, o regional mato-grossense propôs reflexões sobre como o Cerrado e o Pantanal ainda são a casa de povos e comunidades tradicionais, que sofrem com a realidade devastadora do desmatamento, das queimadas e incêndios criminosos, garimpos e demais agressões à Mãe Terra, o que compromete a biodiversidade e afeta diretamente a humanidade. Para Baltazar Ferreira, agente voluntário da CPT-MT na Região Sul presente na Romaria, “é urgente a necessidade de proteger as águas do Cerrado e a valorização de toda a sociobiodiversidade que conectam os dois biomas, pois a preservação do Cerrado é fundamental para a saúde e o equilíbrio do Pantanal.

O evento contou com momentos de grande espiritualidade e união, além da celebração da fé e o fortalecimento dos laços comunitários. Houve também as tradicionais rezas cantadas, pedidos de graça da chuva e reflexões acerca da consciência de cuidado com a Casa Comum. Por fim, o encerramento da Romaria contou com apresentações culturais da dança do Siriri, realizada por jovens das comunidades de Poconé.

V INTERCÂMBIO ESTADUAL DE MULHERES CAMPONESAS

Foto: V Intercâmbio Estadual de Mulheres Camponesas. Crédito: CPT-MT

Na caminhada da CPT-MT, a presença das mulheres camponesas sempre foi determinante para a prevalência à frente dos processos de luta, organização política e produtiva.  A realização destes Intercâmbios anima e desafia a dar resposta concreta diante de situações diversas que colocam as mulheres em condições de ameaça à existência e organização. Foi de encontro em encontro de mulheres, nas regiões acompanhadas pela CPT-MT, que cresceu a urgência e vontade de se ampliar um evento de maior alcance, a cada dois anos, para o intercâmbio e a celebração de conquistas, a projeção de estratégias conjuntas que contribuem para a superação dos desafios impostos pelas realidades de vulnerabilidade econômica e social e o enfrentamento de violências.

Em 2012, surge a proposta do Intercâmbio de Mulheres da CPT/MT, incentivada pela irmã Vera Maria Lobo, que — juntamente com outras integrantes da Comissão — aceitou o convite-desafio das Camponesas para essa experiência. Vera Maria fez sua Páscoa definitiva em 03 de maio de 2023 e deixou um legado de amor e ternura pela vida, bem como o trabalho cotidiano para o fortalecimento do protagonismo feminino na caminhada para a emancipação.

O I Intercâmbio Estadual de Mulheres da CPT-MT aconteceu em 2013, no município de Várzea Grande; já a segunda edição do evento, na cidade de Porto Alegre do Norte, no ano de 2015. O terceiro encontro reuniu as mulheres em Nova Canaã do Norte e a penúltima edição ocorreu no município de Juscimeira, com o tema “Mulheres Sementes de Fé, Luta e Resistência” e o lema: “Organizadas abrimos Novos Caminhos”. Cada Intercâmbio trouxe momentos de reflexão, celebração, comercialização dos produtos elaborados pelas trabalhadoras rurais, por meio de Feiras de Economia Solidária e, ainda, foram redigidas Cartas abertas à sociedade, para levar a reflexão, denúncias, anúncios e compromissos das camponesas com a construção do bem viver.

Após um período de 5 anos sem possibilidades de realização do Intercâmbio Estadual de Mulheres Camponesas, devido à pandemia de Covid-19 e suas consequências, o regional mato-grossense organizou outro momento de escuta das diversas vozes e experiências de luta, resistência e esperanças, além das dificuldades e sofrimentos vivenciados pelas mulheres do campo, de modo a construir uma nova sociedade.

O V Intercâmbio aconteceu nos dias 26 e 27 de setembro de 2024, no município de Várzea Grande, com objetivo de ser um espaço de partilha, aprendizado e fortalecimento das lutas. A quinta edição também contou com momentos de estudo das mulheres da Bíblia e as contribuições das Irmã Mara Buttini e as Irmãs da Divina Providência, que — por meio do relato de suas histórias — inspiraram as jornadas das demais irmãs.

 Além disso, houve a exibição do filme-documentário “Chumbo” (2022), com direção de Severino Neto, que conta a história da comunidade Quilombola do Chumbo, localizada no município de Poconé, a cerca de 120 quilômetros da capital Cuiabá (MT). Mais que contar uma história sobre a mão de obra escravizada, o filme também traz à tona assuntos como preconceito racial, ausência de oportunidades de trabalho e exploração sexual infanto-juvenil. Após a exibição do filme, houve um espaço para debate com a participação de Maria Conceição e Jusiane, mulheres da Comunidade Quilombola do Chumbo e que fazem parte do grupo de mulheres entrevistadas no documentário.

            Outro momento importante da programação foi o espaço dedicado à saúde da mulher, voltado ao aspecto da saúde mental, com assessoria da psicóloga Camiéle Benedita, que buscou trazer um olhar para as comunidades e as realidades vivenciadas pelas camponesas. A psicóloga comenta: “parte dessa realidade é de muita violência, conflitos e condições de vulnerabilidade, o que impossibilita as mulheres de praticarem o autocuidado. O espaço foi importante para refletir a necessidade e urgência de políticas públicas que atendam às necessidades das mulheres, como a concretização dos assentamentos de reforma agrária e incentivo à produção e geração de renda, e assim, as mulheres camponesas podem, minimamente, pensar e se dedicar ao bem-estar do corpo, da mente e do espírito”.

            Por fim, houve o espaço para refletir os próximos passos a partir das realidades presentes, com encaminhamentos e planejamento de ações que contribuam para a organização das mulheres nas comunidades e fortaleçam os grupos já existentes. Como parte do encontro, as camponesas participaram da X Festa da Troca de Sementes Crioulas e puderam ressaltar a importância do papel das mulheres no trabalho de resgatar e cuidar das sementes crioulas para a continuidade da produção de alimentos saudáveis e a manutenção da cultura e dos modos de vida.

X FESTA DA TROCA DE SEMENTES CRIOULAS

Foto: X Festa da Troca de Sementes Crioulas. Crédito: CPT-MT

A Festa da Troca de Sementes Crioulas tem uma longa história na Baixada Cuiabana, em Mato Grosso. A 1ª Festa das Sementes ocorreu em setembro de 2003, na comunidade de Barra do Buriti, município de Jangada, e desencadeou um processo dinâmico de resgatar e cuidar da própria semente tradicional e crioula, e a partir disso, acontece, anualmente, a Festa da Semente nos municípios de Jangada, Nossa Senhora do Livramento e Acorizal, com a participação dos camponeses e camponesas da região da Baixada Cuiabana, além de representantes das demais regiões do estado, o que garantiu uma grande diversidade de sementes e mudas e troca de experiências.

Em encerramento das atividades do último mês, no dia 28 de setembro de 2024, foi realizada a X Festa da Troca de Sementes Crioulas, na Comunidade Buriti Grande, em Nossa Senhora do Livramento (MT), com o tema "Semente, memória e resistência popular" e o lema "Viola na mão, semente no chão em defesa da nossa tradição!".

A festa foi realizada pela CPT-MT e as comunidades Buriti Grande, Buriti do Atalho, São Manoel do Pari, Brumado, Cachoeirinha, Chico Leite e Paratudal, além do apoio do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais (STTR) de N. S. Livramento, a União Nacional das Cooperativas de Agricultura Familiar e Economia Solidária (Unicafes) do Mato Grosso (MT), o Projeto Maria Terra (IFMT/CONAB), Coopernossasenhora, o Núcleo de Estudos Ambientais e Saúde do Trabalhador (NEAST/UFMT), FASE, a Articulação das CPTs do Cerrado e o Grupo de Intercâmbio em Agroecologia (GIAS).

A programação contou com apresentações culturais de siriri e cururu, reza cantada da chuva, e debates em plenária com as seguintes temáticas: “Agroecologia para a vida”, com a contribuição de Márcia Montanari do NEAST/UFMT e Cidinha Moura da FASE/MT; “Cerrado: plantar água e colher vida” com a contribuição de Miguelina Campos e Palmiro Campos, camponeses da Comunidade São Manoel do Pari, e de Fabiana de Barros, da Cooperativa de Agricultores e Agricultoras Familiares de Nossa Senhora do Livramento (Coopernossasenhora); a reflexão sobre “Saberes tradicionais – plantas medicinais”, facilitada por Maria do Carmo, da Comunidade Buriti do Atalho, Maria Lina, da Comunidade São Manoel do Pari, e dona Zilda, da Comunidade Buriti Grande; e, por fim, a temática “Juventude e sucessão rural”, com o grupo Muxirum Jovem, que compartilhou experiências desenvolvidas nos assentamentos e comunidades da região sudoeste do estado, no município de Cáceres.

Além disso, foi realizado o lançamento do documentário “Sementes: início da vida”, disponível em: Sementes: início da vida (youtube.com). A produção audiovisual é uma realização da CPT e da Campanha Nacional em Defesa do Cerrado, com filmagens e edição de Thomas Bauer e roteiro de Aline Mialho, Elvis Marques e Thomas Bauer. Como descreve a sinopse, essa produção audiovisual tem por objetivo rememorar o início e a trajetória das Festas de Trocas de Sementes, a partir do relato de camponeses e camponesas, agentes da Pastoral da Terra e de organizações parceiras, assim como retratar a importância do saber popular na conservação das sementes tradicionais, cultivadas ancestralmente.

Ao todo, foram registradas 117 variedades de sementes e mudas, representando mais de 21 comunidades e abrangendo 7 municípios, sendo estes: N. Sra. do Livramento, Poconé, Várzea Grande, Cáceres, Colniza, São Félix do Araguaia e Bom Jesus do Araguaia.

PRESENÇA SOLIDÁRIA

Os momentos de encontros e reencontros são essenciais para o fortalecimento das comunidades, assentamentos e acampamentos que a CPT-MT acompanha, e é também, por meio dessas ações, que a pastoral reforça seu compromisso e missão com a justiça, a dignidade humana e preservação da vida.

As romarias revelam a força da caminhada do povo, que se reúne para fortalecer e celebrar a luta pelo Cerrado e Pantanal, em defesa da terra, dos territórios e da vida. Nesse sentido, os romeiros e romeiras também trouxeram os gritos de denúncia contra o agronegócio e a mineração — responsáveis pela violência que atinge as comunidades camponesas em Mato Grosso. As comunidades ainda denunciaram as consequências das mudanças climáticas que são cada vez mais próximas e que atingem os grupos humanos mais vulneráveis.

Os intercâmbios de mulheres buscaram refletir sobre a vida e realidade das camponesas, iluminada à luz do evangelho, a fim de fortalecer a luta e a resistência feminina. Também foram celebradas as caminhadas comunitárias e a valorização das formas de organização que abrem novos caminhos, possibilitam o cuidado da vida, as melhorias na geração de renda e a resistência aos ataques do sistema patriarcal.

Já a celebração da troca de sementes crioulas permitiu preservar a diversidade genética das plantas e suas variedades locais e tradicionais, o que contribui para a segurança e soberania alimentar das comunidades e evidencia a resiliência de camponeses e camponesas, além de valorizar a cultura local e fortalecer os conhecimentos das comunidades tradicionais associados às práticas agroecológicas.

O regional do Mato Grosso segue na busca de estratégias que fomentam o fortalecimento dos camponeses na luta pela reforma agrária, a resistência e permanência nos territórios, a organização coletiva e a potencialização do protagonismo feminino no campo.

 

 

 

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